Ícone do site Agência Mural

Escola Nelson Mandela promove a prática da educação antirracista

Por: Giovanna Cazuza

Em 2015, uma escola no bairro do Limão, na zona norte de São Paulo, amanheceu com o muro pichado por frases de cunho racista. O episódio foi tratado com seriedade pela equipe pedagógica. Para dar uma resposta, surgiu a proposta de mudar o nome da EMEI Guia Lopes para Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, símbolo da luta antirracista.

A ideia partiu da então diretora, Cibele Racy, e contou com o apoio expressivo de professores, pais, funcionários e lideranças do território. Um abaixo-assinado online, publicado na plataforma Change.org, reuniu mais de 9 mil assinaturas em apenas três dias e chegou a quase 19 mil meses depois.

O projeto de mudança foi encaminhado à Câmara dos Vereadores e, no dia 29 de junho de 2016, a Lei nº 16.463 foi sancionada pelo então prefeito Fernando Haddad (PT), oficializando o novo nome: Escola Municipal de Educação Infantil Nelson Mandela (EMEI).

Pátio da escola com uma homenagem para Nelson Mandela @Giovanna Cazuza/Agência Mural

Quase dez anos depois, a escola é uma referência em práticas pedagógicas voltadas à valorização da diversidade e ao combate ao racismo.

A EMEI já recebeu prêmios por iniciativas e é exemplo na implementação da Lei 10.639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas brasileiras.

“A potência do trabalho ocorre diariamente”, afirma a professora Ligia Chiavolella Barbosa de Oliveira, 36, que trabalha desde 2017 na unidade. Como exemplo, ela cita um trabalho desenvolvido com as crianças sobre o que a artista e cirandeira Lia de Itamaracá usava na cabeça.

“Uma família contou que uma aluna gritou da janela de casa “Adorei o seu turbante” para uma mulher que passava na rua”, relembra a educadora.

‘Os muros e paredes da EMEI Nelson Mandela mostram a diversidade de referências e contam as histórias que são construídas ali’

Ligia, educadora

Segundo pesquisa do Observatório Fundação Itaú em parceria com a Equidade.Info divulgada em 2024, mais da metade dos professores brasileiros (54%) já presenciaram casos de racismo entre alunos em sala de aula. O levantamento foi realizado em instituições de ensino das redes pública e privada em todo o país.

A coordenadora pedagógica Ana Cristina Godoy, 49, destaca que cada ambiente é pensado como parte do processo educativo. Cada escola constrói o próprio PPP (Projeto Político Pedagógico), documentando tudo o que é desenvolvido dentro da EMEI.

“Todos os espaços da instituição são chamados de territórios de aprendizagem. Temos o jardim como território agroecológico, a orca, a quadra, o ateliê de artes e o gramado”, afirma.

Racismo ambiental e bonecos

Neste ano, a unidade tem como foco o racismo ambiental. Cada sala de aula foi nomeada a partir de uma personalidade, cujas trajetórias contribuem para as culturas antirracista, ambiental e de gênero.

Entre os nomes escolhidos estão a apresentadora de culinária Bela Gil, o filósofo e poeta Nego Bispo, a bióloga e liderança indígena Samela Sateré Mawé, as ativistas socioambientais Micaela Valentim e Amanda Costa, entre outros.

A partir das histórias dessas figuras, as crianças são convidadas a conversar sobre as próprias vivências.

Ana Victória, 4, conta que gosta de brincar no parquinho e colorir as folhas. Ela também afirma gostar mais da referência da sua sala, Bela Gil, do que de Nelson Mandela. Para ela,a apresentadora “fala das comidinhas que fazem bem”, e isso já é suficiente para despertar o interesse por hábitos saudáveis e respeito à natureza.

Ana Cristina Godoy, coordenadora da EMEI e aluna Ana Vitória na biblioteca @Giovanna Cazuza/Agência Mural

Um exemplo disso foi o projeto desenvolvido após a fala de uma aluna à professora: “Eu moro no Brasil, mas a África que eu sou é no Bairro do Limão.”

Nos debates, também são usados bonecos hispânicos — grandes bonecos de pano que ganham vida na imaginação das crianças.

Eles entregam cartas com temas como cor da pele, tipos de cabelo, gostos pessoais e o modo como cada um percebe a sociedade. Tudo acontece de forma lúdica, como no exemplo de um menino que não achava seu cabelo bonito o suficiente para deixá-lo crescer.

Crianças produziram o cartaz com referência Brasil e África @Giovanna Cazuza/Agência Mural

Um boneco que ‘ganhou vida’ à noite escreveu uma carta dizendo o quanto gostava do próprio cabelo comprido. Isso fez o aluno perceber que o cabelo crespo pode ser usado tanto curto quanto longo.

A interação acontece por meio dos projetos realizados ao longo de todo o ano, envolvendo toda a escola, incluindo crianças e adultos.

Um exemplo é a Família Abayomi, composta por bonecos que vivem na escola, a Sofia, Dayó, Henrique e o príncipe sul-africano Azizi, neto de Nelson Mandela. Essas figuras de afeto representam a diversidade dentro de uma mesma família e funcionam como disparadores para as narrativas construídas com as crianças.

Quadro com imagens de artistas e o projeto da escola @Giovanna Cazuza/Agência Mural

Integração com a família

A coordenadora Ana Cristina cita que anualmente fazem um mapeamento das famílias, na qual também tratam do tema. “Na ficha social fazemos perguntas de como as famílias se autodeclaram. Tem família que no 1° ano se declara branca, depois se entende como parda. Essa mudança também parte da criança”, afirma Ana Cristina.

A mãe de Ana Victória, Amanda dos Santos Moura, 31, já acompanhava de perto a instituição desde os tempos em que ainda se chamava EMEI Guia Lopes, onde foi aluna e mais tarde testemunhou de perto a mobilização pela mudança de nome.

“Ficamos admirados com a importância que todas as professoras traziam para a educação de crianças negras”, diz.

Sala de atividades artísticas com o boneco de pano @Giovanna Cazuza/Agência Mural

Os pais têm uma participação ativa no desenvolvimento dos projetos estimulados pela escola, para a família de Ana Victória, os reflexos do ambiente escolar são perceptíveis no dia a dia em casa.

“Ana mora com o pai e sempre foi difícil a interação dela com os irmãos e outras crianças, por estar acostumada a ser única na casa, a convivência e coletivo da escola nos ajudou muito, o reconhecimento de si e independência e autonomia é muito importante pra nós.”

Sair da versão mobile