Magno Borges/Agência Mural
Por: Isabela Alves
Notícia
Publicado em 10.10.2025 | 15:57 | Alterado em 14.10.2025 | 19:49
Calor intenso, barulho do vento batendo na estrutura e vozes ecoando quando falam mais alto. É assim que os alunos das chamadas ‘escolas de lata’ do Grajaú, distrito do extremo sul de São Paulo, descrevem o local onde estudam.
Denominadas com o nome de ‘padrão nakamura’, as unidades feitas de metal surgiram no final da década de 1990 como uma solução emergencial do governo para lidar com a falta de vagas na rede pública de ensino, especialmente nas periferias da capital.
Em julho, o Ministério Público de São Paulo apontou 64 escolas do tipo ainda estão em funcionamento, segundo reportagem do G1. Metade delas estão localizadas nas periferias da capital, sendo 11 somente no Grajaú. Segundo o governo do estado, 43 mil crianças estudam em colégios com essa estrutura.
A Agência Mural conversou com estudantes das unidades do Jardim Monte Verde e do complexo no Jardim Gaivotas, localizados no distrito do Grajaú, para entender como é estudar nessas escolas e ouvir deles o que seria uma escola dos sonhos.

43 mil alunos no estados têm aulas em escolas de lata @Magno Borges/Agência Mural
“Quando bate o vento, faz muito barulho e a gente quase não consegue entender nada. Os professores também têm pouca paciência com os alunos”, relata Miguel Souza, 12, estudante da Escola Estadual Mariazinha Congílio.
Localizada em uma rua sem saída, às margens da Represa Billings, no Jardim Monte Verde, a escola enfrenta diversos problemas estruturais. Segundo Miguel, um pedaço do teto da quadra esportiva estava com furos e chegou a desabar devido à deterioração neste ano.
“A gente estuda lá em cima, no segundo andar, então é muito quente”, afirma Gabriel Soares, 13, estudante da mesma escola.
Um estudo publicado pela Fundação Carlos Chagas, em 2025, apontou que as escolas estaduais apresentam níveis de degradação física até 27 vezes maiores do que as particulares, com elementos como pichações, janelas quebradas, móveis danificados e banheiros em más condições.
O levantamento revela que os ambientes degradados afetam o rendimento estudantil, assim como transmitem uma mensagem de descaso e abandono, o que pode fortalecer comportamentos de risco e desmotivação entre os estudantes.

Dificuldade para ouvir e confusão estão entre os problemas relatados @Magno Borges/Agência Mural
Gabriel relata sentir isso no dia a dia. “Os alunos também são muito bagunceiros e ficam riscando as mesas e paredes”.
Ele relata que os problemas de convivência também são graves. Os estudantes quebram os vasos sanitários e as portas da escola. A brincadeira mais comum durante as aulas é jogar bolinhas de papel usando canetas. “Fico com a cabeça abaixada. Quando acerta em mim, eu taco de volta”, diz Gabriel.
Jorge Henrique Santos, 9, é aluno da escola Mariazinha, mas frequenta também a Escola José Bento Renato Monteiro Lobato para participar das aulas de tecnologia e usar os computadores. O trajeto entre as duas unidades leva cerca de 20 minutos, e ele reclama da ladeira íngreme que precisa subir para frequentar as aulas.
Os meninos também se queixam das carteiras, que são muito duras e feitas de plástico, e dizem que gostariam de ter mais atividades culturais, como capoeira e aulas de arte. Além disso, afirmam que as aulas vagas são um problema recorrente.

Estudante da Escola Loteamento das Gaivotas 2, popularmente conhecida como Escola Azul, no Jardim Gaivotas, Júlia de Jesus Castro, 9, aponta problemas semelhantes.
“Um problema é que a escola é muito quente. Em dias de calor intenso, muitos colegas passam mal e precisam ir para casa”, conta.
Um exemplo disso foi o dia da aplicação da prova de Fluência Leitora, uma avaliação aplicada pelo governo para medir o desempenho em leitura, em que a colega de Júlia passou mal e não conseguiu concluir o teste.
Para incentivar a frequência, a escola oferece um prêmio semanal, que inclui atividades culturais, como filmes na sala de aula.
No entanto, na sala de Júlia, muitos alunos faltam e por isso quase nunca recebem a premiação. “A gente escuta a outra sala assistindo a um filme e fica triste. Não conseguimos nos concentrar”, desabafa.
Na escola vizinha, Benedito Célio de Siqueira, conhecida como Escola Amarela, os meninos ficaram três meses sem banheiro masculino devido a reparos. Durante esse período, precisaram usar o banheiro dos professores. Em uma ocasião em que estava trancado, um aluno acabou urinando no pátio da escola.
“Eu também já passei mal por causa do calor, mas não falei, porque não sou de falar. Sinto dor de cabeça e muito cansaço”, diz Brian Rocha, 14. “A escola de lata parece ser muito frágil, então qualquer passo forte faz muito barulho e a gente tem medo de cair”, diz Ashley Ribeiro, 14, que também estuda no complexo.
Por ser uma escola de lata, não é possível instalar ar-condicionado e existem salas com os ventiladores quebrados. “Quando a gente volta da educação física, é pior ainda. Fica muito calor”, conta Lívia Maria de Oliveira, 9.
Os alunos analisam que os professores também sofrem com a situação, sendo que alguns compraram uma caixinha com microfone para conseguir ser ouvidos na sala.
“É difícil para o professor explicar, porque tem aluno que mata aula e fica batendo na porta e atrapalhando. Ou os alunos de outra sala que batem na parede e a gente fica com dificuldade de entender”, observa Rafaela Silva Nunes, 12.
Os estudantes também lidam com o problema das aulas vagas e temem pelo futuro. “Uma escola dos sonhos seria sem bullying e aprendizado lá em cima. Com paredes grossas, pra que a gente não ouça o barulho do outro lado. Assim vamos nos concentrar na lição”, conclui Brian.

Para a pesquisadora Mariana Belmont, 37, organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, as chamadas ‘escolas de lata’ permanecem devido à falta de prioridade política e investimentos nas periferias.
‘Essa permanência reflete uma forma de racismo ambiental e educacional, em que comunidades historicamente marginalizadas, muitas vezes de população negra e periférica, recebem infraestrutura inadequada’
Mariana Belmont, pesquisadora
Para a especialista, a negligência histórica com esses territórios evidencia a desigualdade estrutural, em que a qualidade da educação e da infraestrutura escolar é diretamente afetada pelo contexto socioambiental.
Pensando nas mudanças climáticas, o calor extremo e ausência de ventilação adequada, reduz a atenção, aumenta o cansaço e provoca irritabilidade, tornando o ambiente de aprendizagem desfavorável. Reportagem da Agência Mural revelou que apenas 1% das escolas da Grande São Paulo são climatizadas.
“Essas condições atingem principalmente estudantes de territórios periféricos e marginalizados, evidenciando o impacto do racismo ambiental. Dessa forma, barreiras ambientais e sociais se somam, prejudicando o desempenho acadêmico e a equidade educacional”, conclui.

Governo diz que escolas estão passando por reformas @Magno Borges/Agência Mural
Em nota enviada à Agência Mural, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo afirmou que as unidades remanescentes do padrão Nakamura passaram por análises quanto ao seu desempenho térmico, por meio do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), que recomendou melhorias do conforto ambiental com ajustes de infraestrutura, vedação e revestimento para maior capacidade térmica.
As medições realizadas indicaram que não há discrepância de desempenho no que se refere ao conforto ambiental entre as Nakamuras e as escolas convencionais.
Foram realizadas obras de melhoria e adequação em 29 unidades deste modelo e sete estão em execução, com investimento total de R$20,8 milhões. Atualmente, duas escolas Nakamura estão em processo de substituição completa de seus prédios.
‘A desativação dessas unidades é complexa, pois envolve uma logística que inclui desde a disponibilidade de terrenos para novas construções até a transferência de estudantes para unidades mais distantes’
Nota da Secretaria Estadual de Educação
Segundo a gestão, a Escola Estadual Mariazinha Congílio está em reforma. Entre os serviços realizados estão a substituição do elevador, manutenção elétrica e da cobertura, tratamento estrutural do reservatório e troca do revestimento do pátio e das áreas de circulação. O investimento é de aproximadamente R$597 mil.
Já a Escola Estadual Gaivotas II, passou por reforma em 2023 para obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e adaptação da rede elétrica. O investimento foi de R$1,5 milhão.
Jornalista e cineasta da quebrada. Pós-graduanda em Mídia, Informação e Cultura e em Gestão de Projetos Culturais pelo CELACC/USP. Fundadora da Parasita Filmes, produtora independente dedicada a contar histórias do extremo sul de São Paulo.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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