Renan Omura/Agência Mural
Por: Egberto Santana | Renan Omura
Notícia
Publicado em 05.09.2024 | 14:11 | Alterado em 09.09.2024 | 15:00
Aparição de Nossa Senhora de Fátima, irmãs gêmeas sobrenaturais angelicais e uma moradora obcecada por um portão de ferro. Essas são algumas das sequências divinas que percorrem “A Criança que Matou a Sede na Lágrima do Anjo”, primeira publicação em livro do escritor, diretor e dramaturgo Antônio Benedito Nicodemos, 37.
Morador de Poá, município da Grande São Paulo, Antônio estará presente pela primeira vez na 27ª Bienal Internacional do Livro no dia 7 de setembro. O autor afirma que essa participação é um marco em sua trajetória artística de duas décadas.
“Enquanto escritor, nunca imaginei que haveria esse movimento de estar na Bienal. Fiquei muito feliz quando a editora veio, ela dá muito suporte. São 20 anos tentando publicar, né?”, relata Antônio.
A publicação surgiu a partir de um chamamento da Editora Urutau e foi viabilizada por meio de uma vaquinha online. As pessoas contribuíam com a compra antecipada do livro e, dependendo do valor, recebiam prêmios extras. A arrecadação foi um sucesso, alcançando R$ 6 mil em menos de um mês, o que permitiu o lançamento do livro.
Na Bienal, ele estará ao lado de outros autores da Editora Urutau, para falar sobre a sua obra e conversar com o público.
‘Como artista, o fator financeiro sempre foi um desafio, especialmente para quem está fora do centro. A distância até a capital vai além de uma questão geográfica, ela é também uma barreira social, econômica e cultural’
Antônio Benedito, escritor
Em seu perfil do Instagram, Antônio já acumula mais de 17 mil seguidores e publica registros das suas pesquisas envolvendo o imagens de devoção popular, fantasias de carnaval, esculturas, viagens e outras produções artísticas que formam o seu repertório.
As histórias do livro misturam religiosidade popular, crenças e vivências das memórias de Antônio na Vila Amélia, bairro da periferia de Poá, onde o autor viveu parte da infância. São 12 contos de ficção inspirados pelo estilo do realismo fantástico, que, na perspectiva de Antônio, se encontram “no nosso dia a dia, no nosso cotidiano, nos nossos rituais, na nossa devoção cotidiana, para além da igreja, do terreiro e dos templos.”
“Esse sagrado está muito próximo, está na brincadeira da criança no quintal, na vela que a gente acende no dia que a gente acorda e fala ‘mano, eu tenho fé que hoje vai cair o meu pagamento’. São pequenos rituais, como comer e conversar, né?”, exemplifica ele.
Nesse sentido, o autor busca na Vila Amélia, um retrato do “microcosmo do Brasil, com suas contradições, crenças, manifestações culturais e personagens marcantes”.
Antônio denomina a escrita dele como “estética da fé”, mas com foco no “Brasil da periferia e dos subúrbios”. A convivência com diferentes práticas religiosas na Vila Amélia, desde a igreja católica até o terreiro de umbanda, foi crucial para formar essa identidade.
Ele cita personagens como as gêmeas que lhe causavam fascínio na infância e a Dona Tarcísia, que dá título a um capítulo concentrado na obsessão por um portão de ferro, inspirações de personagens e situações descritas no livro.
Antônio começou seus escritos logo jovem, aos 16 anos, inspirado por Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro conhecido por histórias que mexiam com os bons costumes da sociedade. O texto deu origem à primeira peça do Teatro da Neura, intitulada “Não vos deixeis cair em tentação”, grupo de teatro de Suzano, do qual o próprio Antônio é fundador e completou 20 anos em maio deste ano.
Artigos religiosos do artista @Renan Omura/Agência Mural
Escritor Antonio Benedito, explica que a vivência em comunidades é essencial para esse processo criativo @Renan Omura/Agência Mural
A peça envolvia temas fortes, como abuso sexual, violência e traição, muito inspirado pela leitura de Nelson Rodrigues e pelo próprio método inusitado da produção de Antônio: “Eu construí esse texto indo estudar em São Paulo fingindo que estava dormindo no trem, então são histórias ouvidas dentro da linha 11 – coral, da Luz até Poá”, relembra ele, que hoje mora na Vila Açoreana, mas cresceu na Vila Júlia, periferia da cidade.
A própria formação de Antônio e sua trajetória artística vem de um lugar de trânsito entre lugares e instituições. Começou a fazer oficinas de teatro com o grupo Opereta, de Poá, onde conheceu os membros do Teatro Neura. Passou por cursos no Sesi em Mogi das Cruzes, cursos pelo museu de arte sacra, outros ligados a história da cultura popular e também pela Companhia de teatro Cia do Latão, uma das mais importantes do Brasil.
Mas foi no Teatro da Neura que Antônio teve mais participação e aprendizados na busca pela profissionalização.
“Foi o que me deu meu primeiro senso de comunidade, uma das coisas que me apaixonou e me fez ser artista, viver em coletivo, sabe? Pensar em coletivo e movimentar em coletivo”, destaca ele, que também menciona como o grupo possibilitou que ele pudesse levar suas pesquisas e sua visão de mundo para a comunidade de Suzano, por meio de espetáculos, oficinas e eventos.
“Sempre senti a necessidade de buscar meu espaço, principalmente devido à falta de incentivo à cultura em Poá e nas outras cidades do Alto Tietê. Apesar disso, vejo os centros como apenas um lugar de passagem, pois meu verdadeiro pertencimento é à minha cidade”, afirma.
Horário de funcionamento: 6 a 15 de setembro
Endereço: Distrito Anhembi, Av. Olavo Fontoura, 1209 – Santana
Preço: R$ 35,00 (inteira) e R$ 17,50 (meia)
Programação:: https://www.bienaldolivrosp.com.br/pt-br/programacao-cultural.html
Jornalista, também é crítico de cinema e redator. Sempre ouvindo ou assistindo alguma coisa, do novo ao velho, do longa-metragem ao reels do Instagram ou Tik Tok. Correspondente de Poá desde 2021.
Jornalista. É fotógrafo por hobby (as vezes por trabalho), é amante dos dias frios e nunca dispensa um café. Correspondente de Suzano desde 2019.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]