Moradores de unidades habitacionais da CHDU e da Cohab de Heliópolis e Paraisópolis enfrentam dificuldades para conseguir a escritura definitiva das moradias.
Um programa foi lançado recentemente com a promessa de regularizar a situação das famílias das duas maiores favelas de São Paulo: o “Propriedade Garantida”. No entanto, diversas dificuldades surgiram para conseguir o documento.
O eletricista Anderson Farias, 46, eletricista e morador de Heliópolis há mais de 40 anos, relata que conquistou a casa por meio de uma mobilização coletiva e recentemente foi incluída no processo de titularização.
No entanto, desde fevereiro, quando entregou os documentos ao Consórcio DGSP, responsável pela regularização, não recebeu informações mais detalhadas sobre a emissão da escritura.
Anderson Farias, morador de Heliópolis, aponta falta de transparência no processo de entrega da escritura _ @Isabela do Carmo/Agência Mural
O morador aponta que, embora funcionários uniformizados do consórcio circulem pela comunidade para esclarecer dúvidas, essa presença é percebida de forma pontual. “Não há mutirões ou reuniões frequentes para que os moradores possam fazer mais perguntas sobre a regularização”, afirma.
Para ele, essa situação gera certo receio entre os moradores em confiar e fornecer mais informações e dados necessários para o ingresso no processo de entrega das titularizações.
“Falta uma cartilha explicativa que aproxime os moradores do tema. Precisamos de mais transparência. A titularização é importante e lutamos por isso, então não vamos desistir”, conclui.
Reunião sobre regularização fundiária em Paraisópolis @Glória Maria/Agência Mural
Apesar do processo de regularização, ainda não há previsão de quando as escrituras serão entregues. A gestão estima o gasto por unidade de R$ 2.500 no processo e que serão regularizadas 958 moradias em Paraisópolis e 5 mil em Heliópolis.
7 momentos da história de Heliópolis
1971-72: Prefeitura de São Paulo realoca 153 famílias das favelas da Vila Prudente e Vergueiro para alojamentos provisórios do IAPAS em Heliópolis, que se tornaram permanentes com a construção de barraco.
1978: criação do coletivo de luta pelo direito à moradia e à posse da terra, que mobilizou a população da favela de Heliópolis para dialogar com os poderes públicos e reivindicar melhorias nas condições de vida no território.
1980: período marcado por uma intensa ocupação da área, quando também se iniciaram as disputas envolvendo grileiros, que buscavam impedir as ocupações e comercializar a terra de forma irregular.
1986-87: efervescência dos mutirões de autoconstrução, uma forma coletiva em que a população se organizava para construir as próprias casas.
1987: COHAB/SP compra 14 glebas de terra do INSS (Glebas A a M). Nesse mesmo ano, tiveram início as primeiras assembleias comunitárias voltadas para a discussão e planejamento da urbanização da área.
1990: Década marcada pela intensa luta por moradia e pelo enfrentamento de mandados de reintegração de posse e despejo. A mobilização comunitária teve papel fundamental, conseguindo reverter algumas decisões judiciais e fortalecer a defesa da permanência das famílias na área.
1990-2010: Programas de habitação social chegam, mas as famílias beneficiadas recebem apenas o TPU (Termo de Permissão de Uso), enquanto as que construíram as casas de forma individual ou por mutirões não receberam documentação legal.
Luta antiga
Há cinco anos, a moradora de Paraisópolis, Fiamma do Nascimento, 32, estagiária em pedagogia, comprou um apartamento de uma pessoa contemplada com uma moradia social, popularmente conhecida como prédio da CDHU.
O conjunto habitacional onde ela mora foi entregue em 2009, por meio de uma parceria entre o Governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo, e é composto por quatro blocos de até nove pavimentos, com quatro apartamentos de 50m² por andar, totalizando 126 unidades.
Sem escritura, moradores não conseguem ter segurança e acessar alguns serviços @Léu Britto/Agência Mural
Mesmo após a compra, feita de forma informal por meio de um contrato de gaveta, Fiamma nunca recebeu a escritura do imóvel da antiga dona, que também nunca obteve o documento de posse.
“Ter a escritura afeta diretamente a sensação de pertencimento”, afirma Fiamma, que paga a taxa da CDHU há 15 anos e tem mais 10 pela frente.
Mesmo assim, sente falta de segurança por não ter a escritura. “Muitos moradores mudaram sua visão sobre o condomínio ao ter esse documento em mãos. Eu espero que ele realmente saia.”
Quatro momentos da história de Paraisópolis
1921: Paraisópolis nasce como loteamento da antiga Fazenda Morumbi, pertencente a famílias da elite.
1950: Começa a ocupação por migrantes nordestinos em busca de moradia e trabalho.
1970–80: Durante o governo Paulo Maluf, ocorrem remoções de famílias. A resistência dos moradores impulsiona a organização da comunidade por direitos e urbanização.
2008: Prefeitura entrega as primeiras moradias sociais em Paraisópolis.
Sem o documento, não podem usar as casas como garantia para empréstimos, e enfrentam dificuldades nas vendas e desvalorização dos imóveis, aumentando a incerteza para as famílias.
“A escritura tinha que sair antes. Não esperar por tantos anos, porque às vezes você fica 10 anos no aluguel social e tem que pagar 25 anos pelo apartamento”, afirma líder comunitário Valdemir José, conhecido como Guga Brown, 45.
Guga Brown é líder comunitário e tem cobrado a documentação @Glória Maria/Agência Mural
Guga acompanha há 24 anos a luta por moradia em Paraisópolis. Além de líder comunitário, atua no Conselho Municipal do Campo Limpo, integra a UBMCSP (União em Defesa da Moradia e Melhorias das Comunidades do Estado de São Paulo) e é ex-conselheiro da habitação.
‘Muita gente morreu pagando o apartamento sem nunca receber a escritura’
Guga Brown, líder comunitário de Paraisópolis
Marcos Antônio, 44, conselheiro e gestor de habitação em Paraisópolis, atua como ativista há 20 anos e lembra que a luta pela regularização fundiária é antiga. Antes da pandemia, algumas quadras estavam sendo mapeadas para esse fim, mas o processo foi interrompido.
Ele também destaca que a falta da escritura impede os moradores de exercerem direitos básicos. “Muitos não conseguem financiamentos, não podem vender o apartamento se quiserem ir embora, e isso dificulta a vida do trabalhador.”
Marcos Antônio, líder comunitário em Paraisópolis aponta falhas no processo @Glória Maria/Agência Mural
Outra preocupação é o impacto que a cobrança do IPTU pode gerar após o reconhecimento da posse do imóvel. “Os trabalhadores já pagam as parcelas do apartamento, água, luz, são muitas despesas, e com o IPTU ficaria ainda mais pesado”, acrescenta.
Cleide Alves, 60, líder comunitária e presidente da UNAS, viveu a morosidade e o descaso na luta por moradia em Heliópolis.
“Nos anos 1970, fui para o alojamento provisório com a promessa de um apartamento, mas vivíamos em barracos com cozinhas e banheiros coletivos. O tempo passou e a tristeza aumentou por não termos a casa prometida”. Antes de se mudarem para Heliópolis, Cleide e a família viviam na favela da Vila Prudente.
Ela conquistou a casa própria por meio de um mutirão. Cleide valoriza a entrega dos títulos de propriedade, mas questiona a demora, já que Heliópolis existe há mais de 50 anos.
“Tem gente pagando o TPU (Termo de Permissão de Uso) há mais de 20 anos, sem ser dono legal. Por que só agora a titularização chega?”
Cleide é presidente da UNAS e acompanha de perto situação das moradias @Léu Britto/Agência Mural
Cleide aponta que COHAB, CDHU e a Prefeitura precisam criar um plano integrado com melhorias habitacionais, urbanas e sociais. Com mais transparência, participação da comunidade, a fim de ampliar habitações populares.
Diretor do Movimento Sem Teto de Heliópolis, Manoel Otaviano da Silva, 60, chegou à comunidade nos anos 1980 e se engajou na luta contra despejos. “Mais de 2 mil famílias recebem aluguel social e, quando conseguem moradia social, só ganham o TPU, sem titularidade garantida.”
Mutirão para construção de moradias em Heliópolis @ Arquivo UNAS Heliópolis e Região
Mutirão para construção de moradias em Heliópolis I @Arquivo UNAS Heliópolis e Região
Alojamento provisório @Acervo UNAS Heliópolis e Região
Outra imagem do alojamento provisório, no começo de Heliópolis @_ Foto_ Acervo UNAS Heliópolis e Região
Prefeitura
Segundo a Prefeitura de São Paulo, em Paraisópolis, está prevista a regularização de 958 moradias por parte da CRF (Coordenadoria de Regularização Fundiária).
Aos moradores atendidos no processo de regularização, a Prefeitura entregou um TPU (Termo de Permissão de Uso), válido até a emissão da matrícula do imóvel.
“Em caso de transferência do imóvel para outro titular, o ideal é que o TPU também seja transferido”, aponta a gestão.
Já em Heliópolis, o programa de regularização fundiária abrange imóveis de interesse social, incluindo empreendimentos habitacionais e loteamentos irregulares. É o caso da Gleba K e Gleba N, e os empreendimentos habitacionais Heliópolis – sendo as áreas da Sabesp 1 e 2, além das Viela das Gaivotas.
Na Gleba K, onde a expectativa é regularizar mais de 5.000 domicílios, 550 já foram concluídos, e outros 234 estão em análise no Cartório de Imóveis.
Em relação ao pagamento do IPTU após a entrega das titularizações, a Prefeitura diz que estão isentos os imóveis construídos e utilizados exclusivamente como residência, desde que o valor venal seja entre R$ 120 mil e R$ 230 mil. “Ficam excluídas vagas de garagem, prédios de garagem e estacionamentos comerciais.”

