Adolescentes falam sobre o primeiro voto em 2022 ou sobre deixar para depois
Redação
Por: Cleberson Santos
Quem passou pelas redes sociais nas últimas semanas pode ter se deparado com duas mobilizações bem intensas. A primeira para colocar o hit “Envolver”, da cantora Anitta, no top global do Spotify. A segunda para convencer os jovens a tirar o título de eleitor e participar das eleições deste ano.
De um lado estão jovens como Bianca, 17, Heloisa, 17, Giuseppe, 16, que já garantiram o título de eleitor e vão participar pela primeira vez de uma votação. Do outro, Camily, 17, e Arthur, 17, que são enfáticos – não querem votar desta vez. Já Carlos, 17, vive os últimos dias da dúvida – o limite para se cadastrar é 4 de maio.
Os seis vivem nas periferias da Grande São Paulo e foram ouvidos pela Agência Mural para entender o que os levou a tomar a decisão de participar (ou não) das eleições em 2022.
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#PartiuVotar
Heloisa Cristina Miranda, 17, já estava com o título de eleitor pronto muito antes das campanhas na internet. Moradora da Cidade Ipava, na região do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, ela aproveitou que teria de organizar alguns documentos por causa do primeiro emprego para tirar essa pendência do caminho.
“Aproveitei que já estava nessa viagem toda, e tirei meu título junto, porque já tinha passado da idade que era permitido votar”, conta Heloísa, que desde novembro trabalha como jovem aprendiz em uma escola em Embu-Guaçu, cidade da Grande São Paulo.
Apesar do título de eleitor, ela admite certo “desinteresse” pela política, mas pelo fato de não entender muito do assunto. “Nunca aprendi muito a fundo sobre, sabe? Política é uma coisa que meio que ‘dá uns bugs’ na minha mente. Se tivesse a oportunidade de estudar mais, de conhecer como funciona, seria muito bom para mim”, conta.
Heloisa pretende votar pela primeira vez em 2022 Suzana Leite/Agência Mural
Já no Recanto dos Humildes, em Perus, na zona noroeste da capital, o estudante Giuseppe Evangelista, 16, conta que quer votar justamente para ter uma ideia de como funciona. “Na escola, meus amigos estão falando que vão tirar o título, que vão votar e tudo mais”.
“[Os jovens] representam uma grande parte da nossa sociedade, a opinião deles também deve ser levada em conta”, diz.
A ideia de que cada voto individualmente faz a diferença foi o que motivou Bianca Alves Barbosa, 17, a tirar o título de eleitor em fevereiro. Ela mora em Guarulhos, cidade que conta com mais de 6.200 jovens eleitores.
“Meu pai me ajudou a tirar o meu também pela internet”, relata Bianca, que trabalha como auxiliar administrativa numa escola de Libras (Língua Brasileira de Sinais).
Com o título em mãos, ela promete pesquisar um pouco mais antes de escolher os candidatos em outubro. “Preciso correr atrás, porque é o meu futuro, é o futuro do meu país, e isso é muita responsabilidade. Tenho consciência de que é sério, que pode mudar muita coisa, tenho que escolher muito bem na hora de votar”, comenta.
#DepoisEuFaço
Camily Santos, 17, até concorda com essa responsabilidade colocada no voto e tem achado interessante a mobilização pelo alistamento eleitoral. Mesmo assim, a moradora de Calmon Viana, no município de Poá, está firme na decisão de não participar neste ano. “Não tem nada que faça eu mudar de ideia.”
“Quero esperar para quando for obrigatório, quando estiver maior de idade. Sei que é muito importante para a mudança do nosso país. Mas prefiro esperar”, afirma Camily.
Ela conta que política não é um dos seus assuntos favoritos e prefere ficar distante dos debates que acontecem em sala de aula. “Não sei o que acontecia, que [mesmo com um] assunto completamente diferente, do nada as pessoas começavam a discutir. Porque fulano concordava com tal candidato, e rolava toda uma briga.”
O que Camily relatou é um exemplo da polarização que tomou conta não só da escola dela, mas de todo o cenário político brasileiro nos últimos anos. Ao menos até aqui, as pesquisas de intenção de voto apontam que o ex-presidente Lula (PT) e o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL) são os favoritos da eleição.
A percepção de que só há dois projetos em jogo, o estoquista Arthur Lopes, 17, prefere se abster da eleição enquanto ele ainda tem esse direito.
“Sou apenas um curioso sobre política, não sei a fundo, mas dos candidatos que eu vi que podem se eleger, nenhum me agradou”, diz o morador da Vila Carmosina, na região de Itaquera, na zona leste de São Paulo.
“Não só os nomes [desagradaram], mas os projetos que vêm com eles. Como ainda tenho 17, decidi tirar o título no ano que vem e aí sim, na eleição para prefeito, eu voto.”
Já Carlos Alberto Batista Júnior, 17, não sabe se vai tirar o título de eleitor neste ano ou não. De Ermelino Matarazzo, também na zona leste, ele queria ter um candidato em quem confiar antes de procurar o cartório para emitir o documento.
“Uma coisa que me faria tomar uma decisão de voto seria a proposta da pessoa, perceber na voz dela, no olhar, em todas as ações que aquilo é verdade. Aí sim posso tomar uma decisão exata para votar”, explica.
No entanto, o relógio vai contra esse tempo para analisar. A decisão de tirar o título de eleitor terá de ser tomada até o começo de maio, muito antes da campanha eleitoral.
#PraQueServeAPolítica
Em comum, tanto os que tiraram o título de eleitor quanto os que não querem votar citaram um certo desinteresse no tema política. O que não os torna “apolíticos”, como observa Larissa Dionisio, coordenadora da pesquisa Jovens no Poder, do Instituto Update.
“A política se distanciou muito da população em geral, principalmente dos jovens, por ser uma linguagem difícil, densa. Ou por ser a corrupção, a polarização e a briga”, aponta. “E isso não é política, é politicagem. São formas de interpretar a política.” Ela traduz a política como uma forma de “se relacionar pelo bem comum”.
“A política nada mais é que uma ferramenta de transformação social, de vislumbrar novos futuros, mas futuros que sejam equilibrados, que tenham oportunidades para as pessoas”
Essa explicação, contudo, fica muitas vezes distante das conversas sobre o tema e o sentimento de descrença afeta os jovens eleitores. “A gente tem um preconceito com políticos, porque a gente acha que todos são iguais, todos são corruptos”, reflete Bianca, de Guarulhos. “Não estou afirmando que todos são nem não são. Mas sinceramente eu tenho que pesquisar”, afirma.
Outros adolescentes também relataram conversas em casa. “A gente conversa por alto, comenta sobre como tem sido a questão do presidente, quem é a favor e quem é contra, em quem vai votar neste ano. Mas sempre por alto, nada nunca a fundo”, afirma Heloísa.
Heloisa pretende votar pela primeira vez em 2022 Suzana Leite/Agência Mural
Carlos Alberto Jr, de Ermelino Matarazzo, conta que os pais às vezes trazem comparações com o passado ao falar de temas como a alta de preços, que tem afetado mais a rotina das famílias.
“Eles falam que antes se andava muito empurrando os veículos por conta do combustível, que não dava para comprar muito. Aí parou com isso, mas hoje está voltando, talvez por causa dos preços da gasolina, essas coisas”.
A internet também pesa na forma como estão buscando se informar para 2022. No caso de Giuseppe, de Perus, “o pouquinho” que ele entende de política se deve aos canais no YouTube que falam sobre história.
“Assisto para tentar entender como que nossa sociedade chegou nos dias de hoje”, diz. “Minha família sempre está falando de política, meus amigos também. São conversas tranquilas, nunca teve uma briga”.
Para Larissa, o que esses relatos escondem é a necessidade de “outras formas de falar sobre política”, que consigam resgatar o interesse não só do jovem, como da população em geral.
“Os partidos, os candidatos vão ter que mudar a linguagem. Não adianta só falar, fazer uma publicidade linda, mas depois os planos de governo e as ações, caso eleito, serem totalmente esvaziados.”
“Quando o jovem entende o rolê, ele vai profundamente, busca a raiz do negócio. E isso é muito bonito porque ao você entender a raiz, vai ter mais chance de participar com mais consciência, com mais responsabilidade”.
#EuAcredito?
Apesar da decisão de tirar ou não o título de eleitor para votar este ano, entender ou não de política, os seis jovens concordaram que ninguém está satisfeito com os rumos por aqui.
Na casa de Bianca, o assunto costuma envolver o atual governo. Ela cita as falas do político ao longo dos últimos anos. “Quando começou a pandemia de Covid-19, ele falou que era só uma gripe, e milhões de pessoas morreram no mundo inteiro. Isso é muito triste e foi tratado como se fosse nada”, afirma. “Se os governantes tivessem mais dessa parte coração não estaríamos tão ruim quanto estamos agora”.
Arthur Lopes, que não vai votar em 2022, diz que a situação do Brasil vem de erros anteriores à gestão do atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele elogia o SUS (Sistema Único de Saúde), mas opina que a saúde pública e a educação devem ser prioridades do próximo eleito.
“O Brasil é um país muito rico em vários princípios: cultural, econômico. Precisa de um presidente que chegue lá e saiba administrar, entender o quão grande é o Brasil e colocá-lo novamente nos patamares que o país já esteve”, diz. “Tenho esperança, acho que dá para melhorar sim”.
Já Giuseppe tem como palpite uma possível falta de comprometimento dos governantes.
“O que me deixa chateado é ver as pessoas que tem o poder para mudar essa situação, nem que seja um pouquinho acabam não fazendo ou fazem de forma mal feita, ou usam o poder para fazer alguma outra coisa que só atrapalha tudo”, afirma o estudante de Perus.
Por outro lado, Heloísa, da Cidade Ipava, discorda de que apenas a troca do governante é capaz de resolver todas essas questões.
“Ficam nessa de votar em um candidato para ver se o outro sai e a situação melhora, e fica nessa, joga pra um, joga pra outro, e no final acaba que nada muda”
As opiniões também são semelhantes no que diz respeito ao que eles vão levar em consideração na hora de escolher. A própria Heloísa quer pesquisar “o máximo que puder” até outubro:
“Quero levar em consideração o candidato que esteja visando aquilo que vai favorecer a minha realidade. A questão dos estudos, do trabalho. Não só pra mim, também para as pessoas que estão ao meu redor.”
Até Arthur, que é um dos convictos em não votar, pensaria novamente na questão se encontrasse um candidato com quem se identificasse.
“Um candidato que não só prometesse igual todo mundo promete, alguém que tivesse um currículo bom, de mandatos como deputado, vereador, prefeito, e que cumpriu as promessas. Aí acho que me atentaria mais e talvez teria essa vontade de tirar o título”.
Eleição deste ano servirá para a escolha de presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais @Magno Borges/Agência Mural
#AlémDoVoto
Doutora em Administração Pública e Governo, a professora Patrícia Laczynski, do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), observa duas características na ausência do jovem na participação política eleitoral.
A primeira, segundo Patrícia, se relaciona ao neoliberalismo, que valoriza o indivíduo em detrimento do coletivo.
“A sobrecarga que o jovem tem é muito forte. Ele não está preocupado com um projeto coletivo, com as eleições, com um projeto de país. Está preocupado com ele, se vai ter grana no fim do dia para comer. Isso vem na frente de qualquer processo eleitoral”.
Já a segunda característica tem a ver com as outras possibilidades de organização política, para além dos partidos.
“A gente vê alguns jovens se articulando politicamente a partir de coletivos, atuando de uma forma menos hierárquica, querendo uma estrutura mais flexível, mais horizontal.”
Para Camily Santos, a estudante de Poá convicta em não votar neste ano, a participação dela como cidadã dentro da sociedade pode ser tão importante quanto discutir e criticar os políticos tradicionais.
“Eu, como cidadã, vou ajudar meu povo, fazer de tudo para que meu país se torne melhor. As pessoas confiam demais em políticos, em partidos, sendo que, muitas vezes. a gente tem que agir como cidadãos.”