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Agência de Jornalismo das periferias

Por Paulo Talarico | 02.09.2020

Reportagem: Léu Britto

Edição: Paulo Talarico

Publicado em 02.09.2020 | 9:02 | Alterado em 30.04.2021| 18:58

RESUMO

No dia do repórter fotográfico, o correspondente do Jardim São Luís, Léu Britto, traz um relato de como foi a cobertura em diversas periferias de São Paulo durante a pandemia e traz o retrato do momento. As imagens mostram que, além do coronavírus, as periferias foram afetadas pelo vírus da desigualdade

Tempo de leitura: 6 min(s)
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Quem imaginou em 2019 que passaríamos por algo tão profundo neste ano como a pandemia da Covid-19? Nós da Agência Mural de Jornalismo das Periferias também não pensávamos que a doença alteraria completamente a agenda de todos. 

Mas a doença chegou e, infelizmente, não tivemos sucesso em conter seu avanço. Até 1º de setembro, o número de contagiados no Brasil era de 3,9 milhões e o de mortos de 122 mil. Muitas dessas vítimas em áreas periféricas do país. 

Ao longo desses quase seis meses de pandemia, registramos como ela afetou as periferias de São Paulo e escancarou problemas que sempre existiram – mas que se tornaram insustentáveis. A aglomeração no transporte, as precárias condições de moradia e a falta de trabalho afetaram em cheio essas populações.

O fotógrafo Léu Britto, correspondente do Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, percorreu dezenas de bairros nesse período. Registrou imagens de como a pandemia mudou a rotina de muitos. Por outro lado, também manteve inalterada a vida de quem precisou seguir na rua para trabalhar.

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Cozinha de família, no Jardim Julieta, na zona norte de SP

Neste especial de fotorreportagem, trazemos um retrato desses dias nas quebradas. Ele mostra como a quarentena, que alguns pensaram ser rápida, se prolongou. Como perdemos nossos vizinhos para a doença com a falta de políticas claras sobre o isolamento. Por fim, as cenas reabertura em meio 19 mil mortes na Grande São Paulo.

Também é uma forma de marcar o Dia do Repórter Fotográfico, neste 2 de setembro, e simbolizar os vários jornalistas que conseguem em imagens mostrar a força da informação. Confira o relato e as fotos de Léu Britto.

A VIDA MUDOU?

Desde o começo da pandemia, a Agência Mural tem registrado em reportagens, podcasts e imagens o vírus da desigualdade. Esta fotorreportagem é o registro desse momento. Mas a vida mudou efetivamente? 

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Passageiros esperando metrô na estação de máscara no começo da pandemia @Léu Britto/Agência Mural

Nova rotina. Lavar as mãos com mais frequência se torna primordial. Mas e onde falta água? @Léu Britto/Agência Mural

Paralisação das aulas foi primeiro sinal de mudança. Os avisos da suspensão das aulas estão expostos na maioria dos prédios de ensino @Léu Britto/Agência Mural

Lotação no transporte preocupa. Equipe de higienização realiza limpeza em ônibus da zona norte de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Nos hospitais como o Regional Sul, em Santo Amaro, novas rotinas por causa da pandemia @Léu Britto/Agência Mural

Algumas coisas sim. A realidade foi se alterando a partir do decreto estadual nº 64.881 de 22 de março de 2020, que instaura Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional) em decorrência do novo coronavírus. Diversas empresas implantaram o home office e houve o fechamento da maioria dos comércios (exceto os essenciais).

A pandemia também escancarou as dificuldades para manter a educação de crianças nos bairros da bordas da cidade. Os comunicados de suspensão das aulas presenciais era um indício de que a parada não seria tão rápida.

A internet lenta para as aulas online nas periferias era uma das incertezas de professores e alunos. Esse foi um dos primeiros problemas. Mas, além disso, se isolar também não seria fácil.

ISOLAMENTO IMPOSSÍVEL

Em abril, iniciamos nosso corre pela zona norte de São Paulo. No Jardim Damasceno, na Brasilândia, visitei a favela da Tribo. Dentro dela, conhecemos mais uma realidade precária, vivida pelas favelas invisíveis, pequenas comunidades pouco conhecidas e que passaram a margem das condições ideais de se protegerem do coronavírus.

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Josefa e José vivem com os filhos Danilo, Duda, Samuel e Sara em uma casa da comunidade da Favela da Tribo no Jardim Damasceno, zona norte de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Favela da Tribo, na zona norte de São Paulo. De acordo com uma pesquisa realizada em fevereiro de 2021 pelo DataFavela, Instituto Locomotiva e a CUFA (Central Única das Favelas) 58% dos moradores de favelas pediram e receberam o auxílio emergencial. Com o fim do benefício, 67% precisariam cortar despesas básicas @Léu Britto/Agência Mural

Criança pede para ser retratado dentro de um barraco suspenso num barranco na favela da Tribo @Léu Britto/Agência Mural

Brasilândia é uma das regiões com maior número de favelas na capital @Léu Britto/Agência Mural

Crianças brincam pela comunidade. Isolamento social foi impraticável em casas apertadas @Léu Britto/Agência Mural

Guiado pela líder comunitária Irani da Silva Guedes, 46, ela me apresentou famílias numerosas habitando um cômodo com banheiro ao lado de esgotos a céu aberto, rodeados de ratos e escorpiões além de barrancos íngremes de barro. 

Para paulistanos que vivem sem apoio de políticas públicas, a vida sem álcool em gel e água nas periferias de São Paulo era um desafio a mais para se proteger

FOME E MÁSCARAS

Em maio, um parcial “lockdown” – fechamento completo de tudo – diz ter sido instaurado pelo governo de São Paulo. Mas, andando pelas ruas das periferias, ficou claro que não era possível para população mais pobre ‘se dar ao luxo’ de simplesmente ficar em casa sem dinheiro, alimentos e itens básicos de higiene.

Pelo Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a fila da unidade do Bom Prato dava voltas no quarteirão. Ali conheci alguns beneficiados em ter acesso aquela única alimentação diária.

Sebastião Ferreira, 57, o Alemão, mora no Morro do Pullman, na zona sul de São Paulo.

Ele relatou que com a pandemia perdeu o emprego de motorista, foi despejado de onde morava no parque Arariba, bairro do Campo Limpo, e que seu único abrigo foi um barraco de madeira que o filho ajudou a construir às margens do córrego da favela do Linhão, dentro do Pullman. 

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Mãe e filha se dedicam a pedir ajuda para sobreviver na estação Santana, da linha 1 azul do metrô @Léu Britto/Agência Mural

Alimentação é ponto chave para muitas famílias que vivem na favela da Tribo, no Jardim Damasceno, zona norte de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Casal fica feliz de poder ter comprado cada um uma marmita e garantir a alimentação do dia por R$ 1,00 no Bom Prato do Capão Redondo @Léu Britto/Agência Mural

Homem acaba de sair da unidade do bom prato no Capão Redondo, zona sul de São Paulo

Essa situação vivida por ele não era exclusiva. Jurandi Silva, 58, acompanhado da esposa e de uma filha pequena, moradores do Jardim Rosana, disse que se não fosse o restaurante popular, a família passaria fome, pois ele não tem emprego e vive de bicos (trabalho informal esporádico).

Se para uma parcela dos moradores de favela a fome era realidade, para outros a restrição de circular pela cidade era um martírio. Uma das questões implícitas eram as máscaras.

Algumas comunidades se mobilizaram para tentar ajudar nesse sentido. Caso da Favela do Colombo, na zona sul, que produziu e distribuiu as proteções. Costureiras que haviam perdido o sustento por causa da pandemia trabalharam no projeto.

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A costureira Alda Leite perdeu clientes com a pandemia e começou a costurar máscaras para conseguir uma renda extra @Léu Britto/Agência Mural

Máscaras do projeto Fazendinhando, na Favela do Colombo @Léu Britto/Agência Mural

Ester Carro é presidente do projeto Fazendinhando na Favela do Colombo, e fez ações na pandemia @Léu Britto/Agência Mural

O uso de máscara nos ônibus de se tornou obrigatório em 29 de abril @Léu Britto/Agência Mural

Mas, com mercados abertos, era difícil para muitos entenderem a gravidade da doença. Muitos se aventuravam nas enormes filas para entrar em mercados, bancos e lotéricas -parte deles em busca do auxílio emergencial.

10 MIL MORTES

O peso da pandemia se mostrou com o avanço das mortes. Os cemitérios se prepararam para chegada desse volume inédito de corpos que vinham para ser enterrados nas covas especiais, destinadas às vítimas de Covid-19.

Para saber como as favelas estavam enterrando seus entes queridos, visitei três dos principais cemitérios para quem vive nas periferias de São Paulo: Vila Formosa 1, na zona leste, Cachoeirinha, na zona norte, e São Luís, na zona sul. 

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Sepultadores se apoiam em vigas de madeira para apoiar o caixão antes de descer @Léu Britto/Agência Mural

Durante a exumação de corpos no cemitério da Vila Formosa 1, zona leste de São Paulo, um sepultador esqueceu de recolher esse crânio e dispensá-lo de forma correta @Léu Britto/Agência Mural

Novas lápides do Cemitério São Luiz, zona sul de São Paulo, vítimas de Covid-19 @Léu Britto/Agência Mural

Covas abertas para receber novos corpos de Covid-19 na Vila Formosa, zona leste @Léu Britto/Agência Mural

Gestor do cemitério São Luiz, zona sul São Paulo, apresenta a lista dos 18 corpos que terão para serem sepultados no dia da nossa reportagem @Léu Britto/Agência Mural

Sepultador exuma corpos no cemitério para liberar espaço para os novos corpos mortos por coronavírus @Léu Britto/Agência Mural

Sepultadores relataram aumento do trabalho e que sofrem preconceito @Léu Britto/Agência Mural

Chamou a atenção o caso da Vila Formosa 1, considerado o maior cemitério da América Latina em extensão, que em poucas horas teve um volume grande de mortos – mais de 40.

Na época, em 24 de junho, a Grande São Paulo, formada pela capital e outras 38 cidades, completou a triste marca de 10 mil mortes – o equivalente a uma morte a cada 15 minutos por causa da Covid-19. E essa quantidade de perdas quase dobrou desde então.

Um dos entrevistados para esta reportagem, o líder sindical e sepultador Manoel Norberto, morreu em agosto, vítima de câncer. 

SEM MORADIA

Não bastasse as perdas, a crise econômica também começou a assolar as periferias e trouxe novas famílias para a rua.

Na zona norte, visitamos a recém comunidade erguida na Vila Sabrina, no distrito da Vila Medeiros, a ocupação Jardim Julieta. A formação desta nova favela se deu em decorrência da pandemia. 

Com a falta de empregos, muitos que ali estão, mães solo, pais de família, jovens, idosos e muitas pessoas com necessidades especiais ficaram sem condições de arcar com valores de aluguel que na sua média gira em torno de R$ 600,00 a mensalidade. 

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Crianças na ocupação do Jardim Julieta. Sem conseguir pagar o aluguel, moradores foram para a região @Léu Britto/Agência Mural

Vista geral dos fundos da ocupação Jardim Julieta, zona norte de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

A comerciante Andréia, um dia após seu barraco na ocupação Jardim Julieta ser inundado pela chuva @Léu Britto/Agência Mural

Moradora da ocupação Jardim Julieta faz bicos para juntar dinheiro para colocar piso de concreto na casa @Léu Britto/Agência Mural

O desempregado Matheus arruma o telhado após um temporal com fortes ventos na ocupação do Jardim Julieta @Léu Britto/Agência Mural

Moradora da ocupação Jardim Julieta mostra lista de receitas dos mais de 60 tipos de remédios que toma para controle de diversas enfermidades @Léu Britto/Agência Mural

O imigrante haitiano Wilkenson Meritus, 24, mora na ocupação da favela do Pullman, na zona sul de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Marlene Aparecida Dias, 52, é dona de casa e moradora de uma das ocupações da Favela do Pullman @Léu Britto/Agência Mural

Manoel é um dos moradores mais antigos da Favela do Linhão no Morro do Pullman @Léu Britto/Agência Mural

Nessa ocupação, quem me recebeu foi a Val e o Buba, ambos moradores dali. Eles me levaram na casa de muitas mulheres chefes de família que possuem a responsabilidade de cuidar da manutenção da casa e dos filhos. 

Lá eu conheci a Andréia, uma comerciante que se mudou para ocupação devido a falta de vendas no seu bar. No dia que a visitei, ela estava morando com as filhas na casa da vizinha, pois seu barraco estava alagado.

O FIM NÃO OFICIAL DA QUARENTENA

A pandemia não passou. Mas a reabertura dos comércios aumentou a sensação de que o isolamento não era necessário. Shoppings, bares, salões voltaram a funcionar e um clima de liberou geral começou ainda em junho, com o chamado Plano São Paulo.  

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Funcionário do Bilu Espetinho Itaquera atende clientes que passam pelo lado externo do terminal @Léu Britto/Agência Mural

Durante a reabertura do comércio, visitamos o shopping Itaquera na zona leste de São Paulo. Reinauguração deixou cheio estabelecimento @Léu Britto/Agência Mural

Medidas de segurança contra a Covid-19 no Shopping Itaquera @Léu Britto/Agência Mural

Filas se formaram nos primeiros idas de reabertura @Léu Britto/Agência Mural

Pelas ruas, comércio também voltou forte, mesmo antes de a cidade avançar na flexibilização @Léu Britto/Agência Mural

Segundo o governo, toda a região metropolitana está na fase amarela e pode iniciar a reabertura de bares, academias e salões.

SOLIDARIEDADE NAS PERIFERIAS

Se é possível ver um lado positivo em toda a tragédia que vivemos nesse período, sem dúvida foi a importante mobilização popular das periferias. Diversas iniciativas sociais correram atrás de apoio e assistência para as famílias, como a entrega de cestas básicas, material de limpeza e higiene para seus vizinhos nas periferias.

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Equipe oficial de entrega de alimentos do Movimento #FamiliaApoiaFamilia, no Campo Limpo @Léu Britto/Agência Mural

Equipe de apoio as emergências das famílias das favelas da Grissom, Fundão e Godoi, na Favela da Fundão, no Capão Redondo @Léu Britto/Agência Mural

Ação Solidária do coletivo Raxa Kuka Produções no Jd Maria Sampaio, zona sul de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Grafiteiro Gamão auxilia na entrega de alimentos do Movimento #FamiliaApoiaFamilia. @Léu Britto/Agência Mural

Ação Solidária do coletivo Raxa Kuka Produções na sua comunidade do Jd Maria Sampaio, zona sul de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Alimento orgânico nas marmitas oferecidas em Paraisópolis @Léu Britto/Agência Mural

Cozinheira prepara alimentos para mil marmitas diárias distribuídas pelo G10 das Favelas em Paraisópolis, zona sul de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Morador da favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, pegando marmitas e levando para família @Léu Britto/Agência Mural

Foi o caso do movimento Família Apoio Família na qual a Agência Solano Trindade, na zona sul da capital. A iniciativa entregou 8 mil cestas, para 40 mil pessoas. Em Paraisópolis, também houve doação de alimentos e um trabalho voluntário para tentar evitar a contaminação, assim como em outras comunidades da capital.

As ações dos moradores foram um pequeno sopro de esperança em uma imagem de desolação. Faz tempo que eu registro as periferias. Mas na pandemia foi um desafio maior. Consegui visualizar que as pessoas estão na precariedade extrema, vivendo nos becos e vielas da cidade de São Paulo.

Muita gente que não tinha o que comer na sua panela, vivendo sem nenhum tipo de auxílio. Registrar a tristeza desses moradores é mostrar como as autoridades olham para o nosso povo.

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Jovem e crianças plantam um pé de manga na entrada da Ocupação Jardim Julieta na Vila Medeiros, zona norte de São Paulo

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Paulo Talarico

Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.

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