Oba Oba GRCES/Reprodução
Por: Cleberson Santos
Notícia
Publicado em 17.03.2023 | 14:48 | Alterado em 17.03.2023 | 14:48
Imagina ser avisada em dezembro de 2022 que irá desfilar no Carnaval em fevereiro de 2023, conseguir organizar tudo e ainda ser a campeã? Foi isso que aconteceu com a Oba Oba, escola de Barueri, na Grande São Paulo, que venceu o Acesso de Bairros 3 da UESP (União das Escolas de Samba Paulistanas).
Contando as divisões da Liga-SP, que representa as agremiações que desfilam no Anhembi, e a UESP, o Acesso de Bairros 3 equivale à sétima divisão do Carnaval paulista.
Dentro dessas sete divisões, a Oba Oba é a única que não é da capital. Ao contrário do Rio de Janeiro, onde há grandes agremiações na região metropolitana, como a Beija Flor, que é da cidade de Nilópolis, e a Viradouro, que é de Niterói, não havia escolas das cidades vizinhas desfilando em São Paulo.
“[Os fundadores das escolas locais] não queriam criar um desfile na cidade. Criaram uma escola para desfilar na capital, mas se depararam com a negativa de que não podia ser da Grande São Paulo, por isso foi criado o Carnaval de Barueri”, conta Elisangela Carneiro, 48, vice-presidente da Oba Oba.
A história que Elisangela relata remonta a 1980, quando foi fundada a agremiação e havia desfiles de escolas de samba em Barueri. O evento no município seguiu da década de 1980 até o ano 2000, com a Oba Oba sendo campeã da disputa 11 vezes.
“Quando não era campeã, era vice. No máximo, duas vezes fomos o terceiro lugar. É uma escola realmente muito lutadora e campeã”
Elisangela Carneiro, vice-presidente da Oba Oba
Na virada do milênio, o então prefeito da cidade Gil Arantes (PFL, na época) decidiu tirar os desfiles da programação oficial da cidade.
“Eles chegaram até a destruir as quadras, nossos espaços culturais foram tomados, passaram trator em cima de tudo. Tínhamos quadra coberta, estávamos muito bem estruturados, tanto nós quanto as outras, mas a Oba Oba muito mais”, conta Elisangela.
Os desfiles em Barueri foram retomados somente 15 anos depois, quando os filhos dos fundadores da Oba Oba, incluindo aí Elisangela e Cleyton Albuquerque, atual presidente da agremiação, decidiram voltar com as atividades.
“A gente era muito novo. A Elisangela tinha um pouco mais de experiência nessa época, mas eu era muito novo. Na verdade, até hoje a prefeitura não aceita e não identifica o Carnaval como parte do calendário da cidade”, conta Cleyton, 37.
O fato de não ter os desfiles em Barueri não representou o fim da participação dos componentes de Barueri na folia. Tanto Elisangela quanto Cleyton, e as famílias de cada um, passaram a frequentar a Rosas de Ouro, na região da Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo.
“Quando volta [em Barueri], a gente não tinha parado de fazer Carnaval, tanto que a gente tem alas dentro da [Unidos do] Peruche e da Mocidade Alegre. O Cleyton sai na Tom Maior. Parou em 2000 para a população de Barueri que não explora outros lugares, mas a gente continuou”, conta Elisangela.
Apesar da retomada das escolas de samba, em nenhum momento houve o retorno dos desfiles de forma competitiva, como era feito até o ano 2000. Em 2015 foi feita uma “manifestação popular” e desde então há apresentações delas nas ruas da cidade.
A vice-presidente relembra que, em 2017, a prefeitura chegou a bloquear as vias na sexta-feira de Carnaval para impedir a realização dessas apresentações. Para 2022, os sambistas souberam que haveria apresentações somente um mês antes.
“O evento era realizado geralmente no domingo e, naquele ano, foi na segunda, caindo em conflito com o ‘Carnaval para Jesus’. A gente estava se apresentando na rua e os evangélicos dentro do ginásio”
Elisangela Carneiro, vice-presidente da Oba Oba
Foi por conta desta série de incômodos que houve a decisão da escola em retomar o plano inicial dos fundadores, em 1980, de desfilar em São Paulo. Em 2021, a Oba Oba entrou com um pedido junto à UESP para participar do Acesso de Bairros 3.
Uma das exigências para vir ao Carnaval paulistano foi ter uma “base” na capital. Hoje a Oba Oba conta com uma sede na região da Casa Verde, na zona norte. A escolha da região foi fruto da união com a ONG Comunidade Yaya, que abraçou a agremiação e tem a Elisangela como presidente.
Mesmo com esse novo endereço, não está nos planos da agremiação se desvincular de Barueri, tanto que a camisa comemorativa do título no Grupo de Acesso 3 destaca a conta “11+1” para ressaltar os 11 títulos conquistados na cidade de origem.
“O que ficou dos 42 anos para trás não vai morrer. Nem queremos que morra. Nossa sede hoje está dentro da zona norte de São Paulo. Deixamos de ser uma agremiação da Grande São Paulo para ser uma agremiação de São Paulo, mas a comunidade se mistura”.
A princípio, a Oba Oba estava pleiteando uma vaga para o Carnaval de 2024, mas uma desistência de uma competidora de divisões acima fez surgir um espaço no desfile deste ano. Porém, a notícia dessa vaga veio somente em 15 de dezembro, a 66 dias do desfile.
“Os dois presidentes das duas primeiras escolas [pleiteantes à vaga, a Oba Oba era a terceira na lista] não se sentiram preparados e se negaram a participar porque estava muito em cima. Como nós não corremos da raia, entramos num acordo e aceitamos a vaga”, conta Elisangela.
Para o desfile de fevereiro na Vila Esperança, na zona leste, a Oba Oba decidiu adaptar o enredo com que participou do “Carnaval virtual”.
Esta é uma modalidade de desfiles feitos pela internet, com apresentação ao vivo dos sambas e dos conceitos (desenhos das fantasias, maquetes das alegorias) com agremiações de todo o Brasil. Foi a forma que a escola encontrou de se manter ativa durante a pandemia de Covid-19.
Além de trazer para o Carnaval real o enredo e o samba “Uma breve história do céu”, que fala sobre os elementos e mistérios do céu, como o arco-íris e a astrologia, a Oba Oba fez algo que é comum para a maioria das competidoras das divisões de acesso da UESP: o reaproveitamento de materiais de outros carnavais.
“A gente tinha algumas coisas de estrutura e, no decorrer desse tempo, desde que o projeto foi reiniciado em 2015, a gente conseguiu guardar algumas coisas. Tem muita coisa no desfile de 2023 que foi adaptada às pressas ou reconstruída dentro do que já existia”, relata Cleyton.
O desafio maior foi a alegoria, que foi construída já na semana do desfile na quadra de uma das “co-irmãs” da Oba Oba, a Unidos do Peruche.
“Tínhamos uma estrutura, mas para o Acesso de Bairros 3 não podia ser um carro, com volante e roda. Tinha que ser um quadripé, então precisávamos correr um pouco mais para construir. Cheguei com a alegoria na Vila Esperança uma hora antes do desfile”
Cleyton Albuquerque, presidente da Oba Oba
Com o título conquistado, o sonho agora é alçar voos maiores, em São Paulo. Elisangela conta que, mesmo já desfilando no Anhembi todo ano pela Mocidade Alegre, escola campeã do Grupo Especial desse ano, ela quer ter a experiência de ir ao sambódromo com a escola onde foi criada.
“Objetivamente falando, em termos de Carnaval profissional, o sonho hoje é desfilar dentro do Anhembi, com um bom trabalho, passar as fases. Estamos focados no Grupo 2. Precisamos fazer um excelente Carnaval para que a gente suba para o 1, esse é o nosso objetivo agora”.
O caminho do Acesso de Bairros 2, divisão em que a Oba Oba desfilará em 2024, até o Anhembi é longo. Há ainda o Acesso de Bairros 1 e o Grupo Especial de Bairros, que desfila no Butantã, na zona oeste. Passando por essa divisão, aí a agremiação estará no Grupo de Acesso 2, fazendo parte da Liga e desfilando no Anhembi.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
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