Vítor Manon
Por: Jessica Bernardo
Notícia
Publicado em 14.05.2023 | 7:00 | Alterado em 16.05.2023 | 15:18
Quando Aya Mahín nasceu, a cantora Indy Naíse, 29, se sentiu invencível. “Como se eu pudesse realmente realizar qualquer coisa na minha vida”, lembra ela. A chegada da filha transformou a artista, que viveu um momento de redescoberta.
“Eu conhecia a Indy artista, a Indy mulher, e eu tive que conhecer a Indy mãe”, conta. Mas a nova versão da artista, que desabrocharia junto com a maternidade, não foi bem recebida pelo mercado de trabalho.
Assim que anunciou a gestação, Indy passou a ser vetada de shows e campanhas publicitárias. As respostas secas de espaços culturais vinham sem muita explicação e não condiziam com o momento de ascensão da carreira que ela vivia meses antes.
Quando descobriu que estava grávida, Indy tinha acabado de lançar um novo trabalho, o EP “Esse é Sobre Você”, que teve a produção de Rincon Sapiência e contou com a participação da rapper Drik Barbosa em uma das músicas.
No YouTube, Indy recebia milhares de visualizações no clipe dos singles. Nada explicava as negativas.
“A gente estava na negociação com uma marca e ela simplesmente não deu mais resposta. A gente foi cobrar, e ela [a marca] falou: ‘Desculpa, infelizmente a Indy não tem mais o perfil’. Quando eu vi a peça de divulgação, era uma artista do mesmo perfil que eu. A única coisa [diferente] era que ela não estava grávida.”
Em entrevista à Agência Mural para o Dia das Mães, a cantora conta sobre os episódios preconceituosos que viveu nos últimos dois anos e desabafa sobre a depressão pós-parto que está enfrentando.
Sem conseguir novos trabalhos no mundo da música, ela abriu uma rifa para conseguir pagar contas e guardar dinheiro para emergências, e voltou a procurar um emprego CLT, longe dos palcos.
Apesar disso, Indy, que cresceu em bairros como Campo Limpo e Pedreira, na periferia da zona sul de São Paulo, ainda sonha em seguir cantando. Por ela e pela filha.
“É por ela também que eu não quero desistir. Não posso desistir de mim, tenho que mostrar para ela que dou conta, que consigo. Para ela depois, lá na frente, falar: ‘Nossa, minha mãe é foda. Ela não desistiu do sonho dela e me levou junto ainda’.”
Acompanhe:
Agência Mural: Você descobriu que estava grávida em 2021, no meio do lançamento do EP “Esse é Sobre Você”. Como você se sentiu na época?
Indy Naíse: O primeiro sentimento foi de choque. Sempre imaginei algo planejado e é isso… aconteceu. No primeiro momento foi algo que me deixou bastante preocupada com a minha carreira. Eu já tinha lançado o EP visual, então estava naquele momento da repercussão, da divulgação, e isso me quebrou.
E o meu início de gravidez foi super conturbado. Fiquei muito mal, trancada no quarto, no escuro, tinha crises de enxaqueca horríveis. Isso me impediu, inclusive, de exercer o meu trabalho naquele momento, porque eram dias bem desafiadores de indisposição.
E juntou o emocional, óbvio. Sentia os riscos [de contar sobre a gravidez], mas ao mesmo tempo eu pensava: “estou com um trabalho recém-lançado, uma galera da comunicação está usando como case de sucesso, acho que vai ser legal”.
E aí chegou o Dia dos Pais e, para felicitar o pai da Aya, a gente anunciou a gravidez. E aí tudo mudou.
Agência Mural: Passou pela sua cabeça que você poderia ser alvo de algum preconceito por causa da gravidez? Você já tinha ouvido falar sobre a rejeição do mundo artístico às mulheres mães?
Indy: Sim. Quando engravidei, a primeira pessoa que conversei foi a Luz Ribeiro. Ela é poeta e uma grande amiga. Quando perguntei como foi com ela, ela relatou como o mercado a enxergava quando ela estava grávida, que era como se ela fosse incapaz de fazer as coisas. Isso foi antes de eu anunciar.
Passei por uma indisposição nos primeiros meses, mas depois fiquei “de boa” e fiz alguns trabalhos pontuais estando grávida. Os shows estavam voltando porque a Covid-19 estava um pouco mais controlada, e eu pensava: “acabei de lançar um EP, preciso rodar esse trabalho”.
Mas [os produtores] não estavam querendo gravar o meu show. E isso me fez entender que era um lugar de inviabilização o que estava acontecendo, [estavam] me colocando para escanteio. “Bom, agora você engravidou, então vai cuidar do seu filho”. Às vezes parece que é isso, que é a única opção que resta para uma mãe.
Agência Mural: O que mudou depois do anúncio? O EP teve a visibilidade que você gostaria?
Indy: O EP teve uma visibilidade que gostei muito, eu estava muito animada. A gente estava naquela expectativa e veio a gravidez.
A gente estava na negociação com uma marca e ela simplesmente não deu mais resposta. A gente foi cobrar, e ela [a marca] falou: “Desculpa, infelizmente a Indy não tem mais o perfil”. Quando eu vi a peça de divulgação, era uma artista do mesmo perfil que eu. A única coisa [diferente] era que ela não estava grávida.
Depois começamos a tentar fechar alguns shows e encontramos dificuldades. Os produtores não respondiam nossas propostas.Aí pensei em fazer outro movimento. Já que estamos sendo ignorados, vamos fazer o público pedir esse show.
Aí postei uma foto grávida e falei “gente, onde vocês querem que eu passe com o meu barrigão?”. Foi uma chuva de comentários, mais de cem, com as pessoas marcando os espaços. Alguns locais curtiam os comentários dos fãs e a gente falou: “vamos mandar para esses porque talvez tenha uma abertura”.
Foi um balde de água fria. Eu falei: “caraca, eu deixei de existir?”.
Agência Mural: Certo dia você anunciou que faria um show com a cantora Bruna Black, a convite dela. Como foi esse convite?
Indy: A Bruna Black, amissíssima minha, fez uma chamada de vídeo comigo. Foi no momento que eu estava muito fragilizada. Desabafei, chorei muito. E aí ela, vendo como aquilo estava mexendo comigo, me chamou para dividir o show dela.
A gente fez um show numa Casa de Cultura. Fiz o primeiro show presencial do EP e com a casa lotada. Aí falei: “bom, agora posso parir em paz”. Pelo menos eu tinha realizado o sonho de cantar grávida.
Agência Mural: Como foi a sensação de cantar grávida depois de passar por tudo isso?
Indy: Fiquei muito mexida, não conseguia nem chorar, de tanta felicidade. E queria muito viver aquilo também pela Aya. Queria que ela tivesse a experiência junto comigo. Para chegar no futuro, quando eu estiver mostrando fotos, e falar: “olha filha, a mamãe cantou com você na barriga. Você está nesse meio, está envolvida com a música, desde o ventre”.
Indy Naíse comenta sobre a maternidade, a filha Aya Mahín e o trabalho após a gravidez @Vítor Manon
Indy Naíse comenta sobre a maternidade, a filha Aya Mahín e o trabalho após a gravidez @Vítor Manon
Indy Naíse comenta sobre a maternidade, a filha Aya Mahín e o trabalho após a gravidez @Vítor Manon
Agência Mural: Agora já faz mais de um ano que a Aya nasceu. O que mudou de lá para cá na sua vida pessoal?
Indy: Tudo muda, né? Acho que você acaba conhecendo um outro lado seu. Eu conhecia a Indy artista, a Indy mulher, e tive que conhecer a Indy mãe. Transforma a gente de diversas formas e engrandece também.
Quando tive a Aya, me senti invencível, como se pudesse realmente realizar qualquer coisa na minha vida, porque ela é a minha maior realização. Você gestar e colocar alguém no mundo é algo realmente muito grandioso, principalmente para alguém que trabalha com a criatividade, que está ali sempre criando músicas. Criar vida para mim é pura poesia.
Você também começa a colocar muitas coisas sobre a ótica da prioridade. Tudo que faço para mim, mesmo que seja pensando em mim, acabo sempre pensando nela.
Agência Mural: E na vida profissional? O que mudou?
Indy: Profissionalmente, caos. Ainda bem, Orixá não me desampara, tive trabalhos antes da gravidez que me possibilitaram guardar dinheiro. A partir do momento que engravidei, sobrevivi com economias. Mas é isso, né? Como é que você sobrevive com economias por muito tempo? Não tem como. Então, quando comecei a ver que a coisa ia ficar realmente crítica, percebi que precisava de alternativas.
Agência Mural: Há uma semana, você divulgou um vídeo em que anunciava uma rifa para poder pagar as contas e disse que voltaria a buscar trabalhos CLT. Como foi essa decisão?
Indy: A CLT é para ter uma segurança financeira. Até porque agora não sou só eu, né? Tem a Aya. Às vezes penso de onde vou tirar dinheiro se acontecer uma urgência. E também por conta da pressão de algumas pessoas próximas que não entendem muito a dinâmica do meu trabalho.
Começou uma pressão nesse sentido de “você agora é mãe”, “você não pode ficar esperando a música te dar dinheiro”, “você não pode mais se aventurar”.
A rifa é uma alternativa para conseguir me estabilizar nesse mês e também para ter dinheiro para urgência, coisas do tipo. Eu queria muito que acontecesse um milagre, que eu conseguisse me estabilizar igual antes, quando eu tava vivendo só disso [da música].
E eu também não queria que depois a Aya, mesmo que minimamente, se sinta responsável pela minha frustração, sabe? É por ela também que eu não quero desistir. Para ela depois, lá na frente, falar: “Nossa, minha mãe é foda. Ela não desistiu do sonho dela e me levou junto ainda!”.
Agência Mural: A sociedade tem cobrado mais representatividade das marcas em relação à publicidade com pessoas negras, mulheres, LGBTs. Mas você perdeu contratos quando engravidou. Você acha que a sociedade também precisa se engajar mais com relação às mães trabalhadoras?
Indy: Acho que a sociedade não se engaja. Inclusive, ela acaba reforçando esse lugar que já está posto. Que é um lugar bastante patriarcal, onde a mulher tem que ter filhos ou não tem que ter filhos. É aquela coisa: se ela tem filho, ela tem que ficar em casa, cuidar da casa, do marido. É sempre tudo voltado para o outro e nunca para ela. Ela sempre está nesse lugar de cuidadora.
É algo que eu tô falando ultimamente: quem cuida de quem cuida? A gente [que é mãe] está ali sempre olhando para o outro. Mas a gente? Onde que a gente fica? Onde é o nosso lugar?
É como se fosse uma punição, né? Você não vai ter espaço no mercado de trabalho, você não vai ter mais convivência social, porque agora é childfree, que não entra criança… Você não gosta de criança, mas você não percebe que, ao excluir crianças do espaço do convívio social, você está excluindo mães que muitas vezes não têm uma rede de apoio? É algo muito complexo.
Agência Mural: E as marcas? Elas precisam dar mais espaço para as mães?
Indy: E aí a questão das marcas, da publicidade, é não falar da maternidade só no dia das mães. Você está ali exercendo a maternidade todos os dias. Acho que é dar espaço para essas mulheres continuarem trabalhando. É importante.
Acho também que o papel da sociedade, nesse lugar de melhora, seria ser mais rede de apoio do que rede de apontamentos. Todo mundo quer apontar como você deve criar o seu filho, mas ninguém te pergunta o que você precisa. Ninguém pergunta se você está bem.
Eu, por exemplo, não estou bem nesse momento. Estou passando por uma depressão pós-parto. É algo bastante difícil de falar, ainda não consegui falar completamente sobre isso. Tomar antidepressivos é algo que é inédito na minha vida também.
Mexe muito comigo, mas é isso, é para a minha melhora. Estou bancando, mas é um lugar que dói. Queria ser cuidada, queria ter mais apoio e não tenho tanto, infelizmente.
Agência Mural: Essa entrevista vai ser publicada no Dia das Mães. Eu queria te perguntar o que você deseja como mãe para esse dia. E sobre o que você quer que o seu público reflita, que quem está lendo essa entrevista reflita.
Indy: Neste dia das mães, desejo que minha filha tenha uma mãe feliz e saudável em breve. Para ela crescer sem ver esse lugar de dor que estou nesse momento. E também quero ver minha filha crescer, estando feliz e saudável para conseguir aproveitar isso ao máximo.
Sinto que não consigo aproveitar tanto a minha filha quanto eu gostaria. Às vezes, por mais que esteja com ela presente fisicamente, sinto que não estou ao mesmo tempo.
Desejo também para outras mães que estejam passando pelo mesmo, que isso de alguma forma, em algum momento, passe. E que não demore muito.
Também gostaria de agradecer parte do meu público que ainda acredita em mim, [aqueles] que não desistiram de mim também me dão apoio. Isso também tem me mantido firme. Nem todo dia é fácil, mas eu sempre tento não desistir de mim.
Agência Mural: Você comentou que a Aya é uma inspiração para você. Você pensa em fazer algum trabalho falando sobre isso? Sobre ela?
Indy: Tem uma música que eu já tinha iniciado quando estava grávida. Uma letra que eu pretendo que esteja no meu próximo trabalho, que é um projeto que já está escrito e que eu inscrevi em algumas leis de fomento. Falo que é o projeto da minha vida.
Se der certo, vocês vão entrar num universo bastante intimista, que tem a ver com a minha expressão espiritual mesmo. É muito mais sobre a minha concepção, a forma que enxergo a vida. Muito mais sobre as minhas raízes mesmo.
É algo voltado para mim, onde sou o centro, eu e os meus. E a Aya obviamente está incluída nisso. Não tem data ainda, tudo vai depender mesmo se der certo, mas escrevi um projetão.
Passei o mês inteiro escrevendo esse projeto entre mamadas e ninadas, e levando em creches e idas ao hospital, mas deu certo, consegui enviar. Agora é só cruzar os dedos para ele acontecer. É isso, não pretendo desistir de mim.
Jornalista, cria de uma família de cearenses. Apaixonada por São Paulo, bolos e banhos de mar. Correspondente do Grajaú desde 2017.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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