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'Ficamos 40 horas sem notícias dele', diz filho que perdeu pai por Covid-19 na zona sul de SP

Familiares de paciente morto por Covid-19 relatam falta de suporte e dificuldades para receber informações em hospital privado

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Arquivo Pessoal

Por: Vagner Vital

Notícia

Publicado em 31.05.2021 | 7:28 | Alterado em 14.06.2021 | 16:09

Tempo de leitura: 4 min(s)

Desde abril, o cineasta Valter Rege, 35, passou a conciliar o tempo entre sua casa e da mãe, na Vila Clara, zona sul da capital, após a morte do pai em decorrência de complicações do novo coronavírus

“Estou ficando alguns dias aqui na minha mãe, ela não está bem desde que perdemos meu pai”, conta. “Ela também pegou Covid, mas graças a Deus não foi forte.” 

Além da perda, os dias de internação do pai causaram marcas nos familiares, que não conseguiam saber como ele estava.

”Chegamos a ficar 40 horas sem notícias do meu pai e, quando recebíamos, ligavam 22h, 23h, até 2h da manhã”, conta Valter. “Meu pai tinha o maior orgulho de ter um convênio, mas quando precisamos, não recebemos um atendimento humanizado”, conta Valter. 

Após a suspeita de contaminação, José procurou o hospital Santa Casa de Santo Amaro, onde recebeu o diagnóstico positivo para o novo coronavírus, além de descobrir que o pulmão estava com 25% de comprometimento. Mesmo assim, o metalúrgico recebeu a orientação para fazer o tratamento em casa. 

“A médica mesmo falou para ele: ‘olha o certo seria eu te manter internado, mas a gente vai tentar fazer o tratamento em casa’”, relata Valter.

No dia 3 de abril, José Rege voltou a se queixar de falta de ar e foi levado para o pronto-socorro do Hospital Portinari, na zona oeste, quando os familiares começaram a encontrar dificuldades para receber informações sobre o paciente.

“Esse hospital foi a pior coisa que aconteceu, falaram que ia ter um relatório todos os dias às 14h, o mais tardar às 16h. Esses relatórios não vinham. A gente ligava lá depois das 16h e falavam que era a troca do plantão e que o plantonista da noite não tinha como dar esse retorno”, comenta.

 Após 13 dias de internação, José Reges não resistiu. 

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José Rege e o filho, Vagner. José não resistiu à Covid-19 @Arquivo Pessoal

Natural de Inhuma, cidade com 14 mil habitantes no centro-norte do Piauí, José chegou em São Paulo no final da década de 1970. Assim como muitos nordestinos que vieram para a capital, ele foi atraído pela ideia de ganhar dinheiro e retornar logo. Os planos mudaram quando conheceu Maria das Graças, com quem viveu durante os últimos 42 anos e teve três filhos.

Discreto, dividia com poucos o sonho de um dia poder comprar uma Hilux, marca de picape. Desejo que surgiu durante os mais de 20 anos na profissão de metalúrgico. 

“O que ele mais gostava de fazer era tomar uma cerveja e conversar, dar conselhos. Era muito sábio, amoroso. O hobby dele era assistir os programas que mostrassem animais”, brinca.

“O último presente que ele me deu foi em dezembro. Ele foi em uma pizzaria com minha mãe e disse: ‘vamos levar uma para o Negão’, como me chamava. Ela falou que então não poderiam demorar muito, já que eu não tinha microondas e não teria onde esquentar a pizza”, relembra.

“No outro dia, minha mãe disse que ele ficou pensativo e falou: ‘Graça, vamos lá pegar um forno e dar para o Negão de Natal?’. Eles foram comprar um microondas só para eu poder esquentar uma pizza. Esse era meu pai, sabe?”, finaliza.

Segundo familiares, ele se preocupava com a saúde, fazia exercícios regularmente e mantinha um plano de saúde há 20 anos, na Intermédica NotreDame. Essa foi a primeira vez que necessitou de internação e, segundo o filho, o medo era não ter suporte dos hospitais da rede pública durante a velhice. 

José Rege faz parte das 592 vítimas fatais da Covid-19 no distrito do Jabaquara e das 55 mil da Grande São Paulo. No estado, são 109 mil vidas perdidas para um vírus para o qual já existe uma vacina. 

”Não quero que meu pai seja só um número no meio disso tudo. Meu pai era um ser humano, assim como todas essas pessoas que morreram”, finaliza.

Em nota, o Grupo NotreDame Intermédica afirmou que realiza uma análise técnica e comercial criteriosa no credenciamento de seus prestadores de serviço. Diz que estes “devem seguir os padrões de atendimento impostos pela operadora, e que não interfere na rotina dos prestadores”. 

Diz, porém, que “baseado no relacionamento com os beneficiários e nos resultados de cada empresa, a operadora decide sobre a permanência do contrato comercial”. 

De acordo com dados públicos da Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios), do governo federal, o Hospital Portinari aparece em situação de recuperação judicial, quando a empresa em crise  tenta um acordo com credores que têm algo a receber. 

A reportagem da Agência Mural tentou entrar em contato com o hospital por e-mail e telefones disponíveis no site, e com seus sócios, a Juroal Participações LTDA e Alcides Sérgio Martins Vara, mas não houve retorno até a publicação deste texto. 

A ANS (Agência Nacional de Saúde), responsável pela fiscalização dos planos de saúde, diz que as operadoras têm a obrigação de disponibilizar prestadores de serviços para garantir o atendimento contratado pelos beneficiários. 

Segundo a agência, compete às operadoras providenciar a estrutura e atendimento necessários à assistência dos beneficiários, inclusive para os casos de Covid-19.

Já o Centro de Vigilância Sanitária, da Secretaria da Saúde Estadual de São Paulo, responsável pelo controle da prestação de serviços que se relacionem com a saúde, diz que ”monitora o respeito às normas sanitárias por estabelecimentos e serviços de saúde”, e que “estão sujeitos a inspeções e sanções”. 

Questionado quais seriam essas sanções e como estão sendo realizadas as fiscalizações em hospitais privados durante a pandemia do coronavírus, a pasta não respondeu. 

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Vagner Vital

Jornalista, correspondente do Jabaquara desde 2013, especialista em análise de imagem e reputação corporativa e fotógrafo. No jornalismo, entusiasta em produção de vídeos jornalísticos para a internet e jornalismo investigativo, com certificações pela PUC-RS e Knight Center for Journalism in the Americas, University of Texas at Austin.

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