Durante a pandemia de Covid-19, o silêncio das ruas, a ausência do encontro e o vazio das praças foram uma marca deste tempo. A partir dessa experiência coletiva que surgiu o documentário “Praça Minha”, dirigido pela jornalista Rosângela Silva, 60, de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
O curta-metragem estreia no dia 1º de agosto, no Teatro Elis Regina, localizado na Av. João Firmino, 900 – Assunção.
Silva conta que a ideia nasceu do desejo de realizar uma abordagem inédita em São Bernardo sobre a questão do espaço público, o bem-estar e a saúde mental, a partir do recorte da pandemia.
‘Gostei da possibilidade de tratar do tema, que à primeira vista é despojado, mas quis colocar essa conexão de como pessoas se envolvem em um espaço público’
Rosângela, jornalista e documentarista
A diretora Rosângela do documentário “Praça Minha’ diz que o curta aborda a importância do lazer e bem-estar @Geraldo Arcanjo/Divulgação
Atualmente, a cidade possui cerca de 67 praças-parques. As gravações foram feitas em três delas, escolhidas por refletirem o uso cotidiano e a diversidade social da cidade: as praças Giovani Breda, Lauro Gomes e uma sem nome da Vila São Pedro.
A Giovani Breda é uma das mais frequentadas por jovens, também conhecida como Área Verde, ponto de encontro para quem passeia com os cães, se exercita ou faz piqueniques.
No caso da Lauro Gomes, ela foi inaugurada em 20 de agosto de 1954, e ainda preserva elementos originais, como a fonte, os bancos antigos e um espaço de engraxate preservado.
Por fim, uma pequena praça localizada na Vila São Pedro, integrada ao CREC (Centro Recreativo esportivo), foi escolhida pelo recorte social, pelo fato de ser o bairro mais populoso da cidade – a São Pedro é considerada a terceira maior favela do estado.
Rita participou do filme, ela frequenta a praça Giovani Breda com o seu cachorro Thor todos os dias @Geraldo Arcanjo/Divulgação
O documentário segue uma linha de entrevistas com moradores e frequentadores das praças com imagens cotidianas dos espaços.
A jornalista também menciona que as histórias coletadas durante as gravações explicam bem as consequências causadas à saúde mental e cita diversos depoimentos tristes de pessoas de diferentes origens e segmentos.
Rosângela gostaria que as pessoas entendessem o quão bom e precioso é conviver. “Espero, humildemente, que as pessoas encontrem ali um eco de que valeu a pena a gente resistir, apesar de nossas perdas, e como é importante valorizar o convívio em sociedade”, afirma.
Ela espera que o documentário leve o público a refletir sobre como a pandemia restringiu os momentos de lazer, “como ir à pracinha perto de casa”.
Por trás da produção está Luciana Stipp, 43, atriz, cineasta e produtora. Ela conta que um dos grandes desafios enfrentados durante as filmagens foi a mudança de personagens. Cerca de 90% dos entrevistados inicialmente previstos caíram ou desistiram na última hora.
Milton Santos, cineasta e morador da Vila São Pedro, destaca que o documentário retrata a convivência social nas praças das periferias @Geraldo Arcanjo/Divulgação
“De início, a gente abordou e combinou com figuras que já viviam nessa rotina de praças e parques: Vendedor de pipoca, uma senhora que passeava ali, etc. Mas na hora, as pessoas acabavam desistindo, por timidez ou só por perda de interesse. Tivemos que procurar pessoas novas que fossem interessantes”, diz.
Dentro da equipe de produção da obra, há muitos alunos e ex-alunos do CAV (Centro de Audiovisual), onde Luciana é professora e Rosângela, aluna.
Entre os participantes, há a presença do cineasta da Vila São Pedro, Milton Santos Jr., 60. Para ele, o documentário foi um acontecimento marcante, pois realizou o sonho cinematográfico em uma praça da comunidade.
‘Aquele lugar foi um dos primeiros cenários dos meus filmes. Quando a Rô me convidou, eu vi uma grande chance de trazer isso à tona’
Milton Santos, cineasta
O cineasta ainda destaca que o período da pandemia foi muito triste: “Fiquei em casa, adoeci e tive sequelas”, relata. “Mas também aprendi bastante sobre como é importante poder voltar a esses espaços e pude contar isso no documentário.”
Equipe de filmagem em set na Vila São Pedro @Arquivo pessoal/Divulgação
Espaços públicos e saúde mental
Segundo a psicóloga Amanda Santos, 29, os espaços públicos são fundamentais para o ser humano, pois possibilitam a conexão com o mundo além da rotina cotidiana. “No período da pandemia, observou-se um aumento alarmante dos casos de adoecimento mental, resultado da falta de contato com esses ambientes”, explica.
Ela acrescenta que o isolamento prolongado pode gerar uma desconexão profunda com o “eu”, que é nutrido e fortalecido justamente por meio das interações e vivências nesses espaços.
De acordo com a psicóloga, que atua com a abordagem da TCC (Terapia Cognitiva-Comportamental), tudo o que aprendemos e somos passa pelo filtro da cognição. “Assim, a ausência de estímulos externos, seja pelo comportamento do outro ou pelo meio, impede o desenvolvimento mental, social e cultural do indivíduo. Esse processo contribui para o surgimento de transtornos que afetam a identidade e dificulta o retorno ao equilíbrio emocional”.
