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Agência de Jornalismo das periferias

Nathália Ract da Silva/Agência Mural

Por: Nathália Ract da Silva

Notícia

Publicado em 26.09.2024 | 16:57 | Alterado em 27.09.2024 | 10:47

Tempo de leitura: 5 min(s)

No dia 27 de setembro, as crianças e jovens costumam sair cedo de casa para percorrer as ruas dos bairros em grupo em busca das prendas e saquinhos de doces distribuídos por devotos de São Cosme e Damião nos portões das casas, nos terreiros e nas igrejas.

A celebração nos tempos de criança da produtora cultural e roteirista Tainá Felix, 35, era marcada pela tradição da distribuição de doces no bairro da Vila Iorio, periferia da zona norte de São Paulo. Todas essas memórias e histórias da infância serviram de inspiração para a criação do jogo “É DOCE!” Versão Arcade, que traz a experiência da Tainá Felix e mais dois profissionais negros.

“Eu me lembro da festa da Ibejada dentro do terreiro da dona Ana, e na casa da dona Nena que era da religião cristã e devota de São Cosme e São Damião”, relata Tainá.

“Era uma semana especial porque muitas casas distribuíam doce, então nós realmente comíamos muito! E como nós éramos crianças, não percebíamos a conotação religiosa, ou se tinha alguma diferença entre as religiões’

Tainá, produtora cultural e roteirista

A produtora cultural explica que o videogame não nasce no digital, há vários protótipos até chegar no jogo. Primeiro, Tainá escreve um conto, composto por histórias pessoais e coletadas. A partir disso, Murilo Santana, 27, designer, constrói as ilustrações com base na paleta de cores divertidas e saturadas, realiza o conceito da arte, e desenvolve os desenhos em 2D.

Plataforma de jogo desenvolvida por criadores periféricos @Murilo Santana/Divulgação

Na próxima parte, o Jaderson Souza, 40, game designer e programador, morador da Vila Galvão, bairro de Guarulhos, utiliza o conceito da arte em 2D e cria, em cima dela, a pixel art – só nesse último passo que o jogo se transforma digital.

Alguns moradores da zona norte são retratados: o Seu Zé da vendinha de doces, o Seu Paulo, o Padeiro, grande empreendedor da Vila Iorio. Já a dupla de gêmeos Tamu e Kato, personagens principais do jogo, fazem parte da criação da Tainá.

“Eu não tive amigos gêmeos na infância, mas eu os coloquei porque eu queria fazer essa homenagem às entidades, aos Ibejis e colocar essa potência na figura de duas crianças pretas e periféricas”, conta ela.

“Eles são os meus erês dentro da história. No jogo, nós precisamos ajudar Tamu e Kato a pegar a maior quantidade de doces até o final do dia, sem esbarrar em outros personagens obstáculos”, explica.

Os doces que são distribuídos às crianças na festa de Cosme e Damião @Nathália Ract da Silva/Agência Mural

No Brasil, por força da tradição sincrética afro católica, festejar São Cosme e Damião é festejar as crianças, presenteá-las com doces, comidas e brincadeiras. As divindades são cultuadas por adeptos do catolicismo, do candomblé e da umbanda.

O dia de “São Cosme e São Damião” é comemorado em 26 de setembro, representados por dois irmãos gêmeos, que teriam sido médicos e cuidado especialmente das crianças.

Já as religiões de matriz africana celebram, em 27 de setembro, aquele que é considerado o orixá das crianças: os Ibeji, representados por dois irmãos gêmeos. Chamado por “Ibeji”, “Ibejis”, “Dois-Dois”, “Caboclinhos da Mata”, a entidade representa todas as formas de nascimento e a primeira fase da vida, sua pureza e inocência.

Tainá recorda que no terreiro da dona Ana, “era mais farreiro, a brincadeira era mais legal! A dona Ana abria a garagem dela para distribuir os doces e também tinha o caruru [um prato à base de quiabo e azeite de dendê] e tinha o tambor, era mais festivo! Já na garagem da dona Nena era só a distribuição do doce mesmo”.

Professora Janaina Vieira com criança jogando o É doce @Divulgação

Murilo Santana, que é morador do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, conta que, para desenhar os irmãos Tamu e Kato, se inspirou em fotografias pessoais.

“Utilizei fotos da minha infância para poder criar a Tamu. Eu sou uma pessoa trans e quando eu era mais novo, não era visto como uma menina muito delicada. Lembrei das brincadeiras com o meu irmão, correndo pela quebrada, vestindo roupas confortáveis, longe dos estereótipos, uma menina bastante moleca”, conta Murilo.

Os personagens do “É doce!” são crianças animadas, que ocupam as ruas, brincam e andam de bicicleta. “Os dois irmãos tem um band-aid na perna, porque nós estamos trabalhando com essa questão dos gêmeos, dos ibejis, então por isso, eu coloquei elementos iguais. O curativo representa uma cicatriz que eu tenho, quando comecei a andar de bicicleta na rua e me acidentei numa ladeira”, relembra Murilo.

A animação dos gêmeos Tamu e Kato foram criadas pelo designer Murilo Santana @Murilo Santana/Divulgação

Histórias e Narrativas

“É doce!” contou com apoio de parceiros desenvolvedores de afro games. O jogo traz histórias de infância e narrativas de Marcos Silva, Raquel Mota e Juliana Oliveira, pessoas pretas e periféricas que vivenciaram as festas dos ibejis.

Por exemplo, através do relato do Marcos, a figura da dona Augusta entra para o jogo representando uma pessoa intolerante religiosa. “A Augusta achava que a festa da Ibejada e aqueles doces não eram legais para serem comidos porque eram distribuídos no terreiro”, explica Tainá.

Os pirulitos coloridos são oferecidos no dia da festa @Nathália Ract da Silva/Agência Mural

Detalhes de como a festa da ibejada é organizada, a distribuição dos saquinhos de doces e a expectativa das crianças que recebiam o presente, serviram de referência para o jogo. “Eu me lembro um pouco desse espírito de comoção que as crianças ficavam porque sabiam que naquela semana iam comer muito doce”, compartilha Tainá.

Jogos socioeducativos e afrocentrados

A Game e Arte, empresa criada pelos jovens periféricos Tainá e Jaderson, tem como objetivo construir uma metodologia de desenvolvimento de jogos digitais curtos com narrativas afrocentradas, que não preza pelo foco da indústria, mas principalmente para contribuir com a cultura e dar destaque às questões raciais.

Vila inspirada nas periferias de SP @Murilo Santana/Divulgação

O interesse dos desenvolvedores é promover acessibilidade de grupos minoritários e a produção de saberes que apoiem a cultura da diversidade.

Há na trilha sonora do jogo um potencial educativo e elucidativo das culturas de matriz africana. O principal elemento sonoro é o tambor. Os desenvolvedores explicam que essa escolha é uma referência a Mãe Beth de Oxum, uma Ialorixá de Olinda, em Pernambuco.

“Ela diz uma coisa linda sobre o tambor ser a nossa tecnologia mais ancestral. Então lembrando disso, nós entendemos que era muito importante trazer o tambor como a trilha sonora principal do jogo”, explica Tainá.

A Game e Arte disponibilizou a versão gratuita do jogo “É doce” para os leitores da Agência Mural. É possível acessar neste link. Entretanto, se você deseja realizar atividades com o game em aparelhos culturais e educativos, acesse.

É DOCE

Endereço: [email protected]

Endereço: @talktogamearte taggo.one/gamearte

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Nathália Ract da Silva

Historiadora e Fotojornalista. Realizadora do documentário curta-metragem "Chile de olhos bem abertos". É contadora de histórias na biblioteca da Fábrica de Cultura do Jaçanã. Correspondente do Jaçanã desde 2023.

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