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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Renata Leite

Notícia

Publicado em 03.02.2023 | 8:34 | Alterado em 03.02.2023 | 15:16

Tempo de leitura: 3 min(s)

“Sempre sonhei em ser apresentadora e uma das minhas brincadeiras mais intensas durante a minha infância foi imitar a Glória Maria”, relembra a jornalista Cris Guterres, 42, jornalista à frente do programa Estação Livre, da TV Cultura e co-fundadora do grupo “Herdeiras de Glória”.

Cria do bairro João XXIII, na zona oeste de São Paulo, Cris se inspirou em Glória Maria para seguir no jornalismo. Ela decorava as falas das reportagens vistas na televisão e repetia com um tubo de desodorante nas mãos em frente a uma caixa de papelão que simulava ser uma TV.

”Sou essa menina que ali no final dos anos 1980, descobrindo que eu preciso encontrar uma profissão, ligo a televisão e vejo a Glória Maria com toda a sua majestade com o microfone na mão”, relembra.

Cris Gutierres é uma das jornalistas que teve em Glória a referência para seguir no jornalismo @Divulgação/TV Cultura

“Glória Maria me fez sonhar com algo que eu nem sabia que existia, que era a possibilidade enquanto mulher negra de não só ser jornalista, mas de estar na televisão.”

Cris Gutierres, apresentadora do Estação Livre da TV Cultura

Jornalista da TV Globo desde 1971, Glória morreu aos 73 anos nesta quinta-feira (2) no Rio de Janeiro, após agravamento de um câncer.

Durante a trajetória, Glória levou informação e mostrou para os telespectadores lugares desconhecidos em viagens mundo afora e contabilizou mais de 16 passaportes preenchidos. Mas também carrega o carimbo de ser a maior jornalista negra brasileira – foi a primeira repórter negra na televisão, a primeira a aparecer ao vivo em cores na TV.

Para jornalistas negras e das periferias, ela foi uma das principais referências para seguirem em busca da profissão e driblar o preconceito.

“Se hoje tenho a minha empresa de comunicação e também atuo como produtora na TV, foi por conta de Glória”, afirma a produtora de TV Kelly Santos, 36, criadora da Mídia Pente Fino.

Desde os oito anos, ela escolheu ser jornalista mesmo não sabendo direito o que fazia. Quando lhe perguntavam se ela seria professora igual a mãe, a resposta era negativa. “Serei jornalista, igual a Glória Maria. Vou trabalhar na TV também”, revive.

Kely Santos reflete sobre perda de Glória Maria para jornalistas periféricas @Guto Muniz/Divulgação

Moradora do Jardim Detroit, na periferia de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, Kelly lembra das dificuldades que Glória viveu para ser jornalista. Antes da Globo, a jornalista dividiu a jornada de estudos com o emprego de telefonista na Embratel.

Essa trajetória serviu de inspiração quando Kelly começou a carreira. “Estudava de manhã e trabalhava tarde e noite para dar conta de uma parte das contas”, conta a produtora, em meio às dificuldades para trabalhar e estudar, ajudar nas despesas da casa, o trajeto no transporte, além de um curso em que era uma das poucas mulheres negras. “Glória aparecia na TV e me encorajava a não desistir.”

Para a diretora de conteúdo do Nós, Mulheres da Periferia, Semayat Oliveira, 34, cria do Jardim Miriam, na zona sul de São Paulo, a jornalista era um rosto familiar e que ela se reconhecia.

‘Hoje nós temos uma rede de jornalistas negras que estão na TV, no impresso, na rádio e esse é o legado dela que começou lá atrás. E esse ciclo não vai parar’

Semayat Oliveira, diretora do Nós, Mulheres da Periferia

Para Isabela Alves, 25, jornalista e moradora do bairro Cantinho do Céu, distrito do Grajaú, na zona sul, a trajetória de Glória Maria toca nas questões de empoderamento, tanto pessoal quanto profissional, já que a jornalista recebeu críticas e questionamentos por aderir aos fios alisados.

Isabela se recorda de uma palestra de Glória, em 2019, no Teatro Folha, em que abordou a situação. “Ela falou o tempo todo como as pessoas querem impor as coisas e colocar as mulheres negras numa caixinha. Vejo que ela o tempo todo lutou contra essas amarras”, comenta.

https://www.instagram.com/p/CoLWy3Lrkh_/

“Ela foi imbatível ao mostrar como as mulheres podem ser independentes e que não devemos ter medo de nos posicionar e nem deixar de sermos quem somos para agradar os outros”, ressalta a jornalista Gabriela Ribeiro Bernardo, 25, moradora de Francisco Morato, na Grande São Paulo.

Essa percepção da representatividade de Glória chega também a quem está iniciando. É o caso da estudante de jornalismo Letícia Lima, 19, moradora do bairro Jardim Capela, distrito do Jardim Ângela, na zona sul da capital. Ela vê no legado deixado pela jornalista uma referência no potencial do jornalismo.

“Depois dela vieram outras e isso me faz pensar e ver que nós estamos conseguindo chegar onde queríamos e ocupando cada vez mais esses espaços, que parecem ser um sonho.”

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Renata Leite

Jornalista. Apaixonada por contar boas histórias, movida pela curiosidade e inquieta por natureza. Correspondente do Capão Redondo desde 2022.

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