Magno Borges/Agência Mural
Por: Jessica Bernardo | Cleberson Santos
Notícia
Publicado em 17.12.2021 | 8:17 | Alterado em 18.01.2022 | 17:14
Quando o filho do técnico audiovisual Lucas da Silva Siqueira, 27, voltou a frequentar o CEI (Centro de Educação Infantil) Esperança do Saber, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, os primeiros sintomas respiratórios começaram a aparecer. “Ele não criou imunidade [durante a pandemia], então fica muito gripado, com muita alergia, tosse”, conta o pai.
Por causa da Covid-19, cada vez que Bento apresenta os sintomas precisa ser afastado da creche. Entre idas e vindas, Lucas calcula que o filho tenha ficado um mês e meio fora da instituição no segundo semestre deste ano. “Era uma semana doente, outra não”, relembra a mãe do menino, Bianca Regina Siqueira, 24.
A circulação de vírus respiratórios é comum entre as crianças na primeira infância. Mas em meio à pandemia, lidar com os casos suspeitos de contaminação pelo coronavírus tem sido um desafio a mais na educação infantil.
A educadora Tatiana Cintra, 45, conta que por mês, de duas a três turmas chegam a ficar afastadas no CEI Bryan Biguinati Jardim, no Parque Arariba, também na zona sul da cidade. “Semana passada mesmo nós tivemos uma turma que ficou quatro dias afastada”.
Quando uma criança apresenta dois ou mais sintomas gripais, a equipe da unidade avisa aos pais, que precisam buscar os filhos e levá-los a uma unidade de saúde. Se um funcionário está com sintomas, ele também precisa procurar um médico. Até lá, todos que tiveram contato direto com ele precisam ficar em casa.
“Nós temos que rastrear as crianças que tiveram contato com aquele educador no período de possível contágio e essas crianças são afastadas. Enquanto não sai o resultado do professor, essas crianças permanecem em casa aguardando”.
De janeiro deste ano até agora, foram registrados 1.840 surtos gripais em creches e escolas da capital paulista, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. Em 2019, antes da pandemia, foram 39 registros. A pasta considera que existe um surto quando dois ou mais casos suspeitos ou confirmados para influenza ou Covid-19 são detectados em um local.
A cidade vive agora um aumento de pessoas com síndrome gripal. No mês de novembro, a Prefeitura registrou 111 mil atendimentos de pacientes com sintomas respiratórios nas unidades de saúde. Mas já na primeira quinzena de dezembro, o número de pessoas atendidas com o quadro chegou a 91.882. Capitais como o Rio de Janeiro e Belo Horizonte também têm enfrentado aumento nos casos de gripe.
O crescimento de casos coincide com a época de maior flexibilização nas medidas de controle da pandemia de coronavírus, inclusive entre as crianças. O presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Sáfadi, explica que durante os períodos de isolamento, com as crianças em casa, os vírus tiveram menor circulação.
“Elas acabaram se preservando desses vírus. Na hora que elas voltam às atividades normais, vão para rua, escola, shopping, elas acabam se infectando”, conta o médico.
Para ele, mesmo com os números da pandemia em queda, é sensato que se recomende o afastamento das crianças com sintomas respiratórios das salas de aula até que se tenha um diagnóstico.
“Talvez um dos legados da pandemia seja a necessidade de que, em determinadas situações, as crianças evitem as atividades da escola na presença de sintomas”
Marco Aurélio Sáfadi
Segundo o médico, cuidados como o uso de máscara e evitar aglomerações também são eficientes no combate de outros vírus respiratórios nas escolas, além da vacinação no caso da influenza. A construção de escolas mais ventiladas no futuro também pode evitar a disseminação de doenças.
“Você tem medo do coronavírus?”
“Sim, porque mata as pessoas”, responde Mariana Siqueira, 5, e irmã do pequeno Bento, citado no começo da reportagem.
Mariana sentiu falta da escola, onde aprende “as letras e a desenhar o corpo” e diz preferir estudar lá do que em casa. Mesmo assim, carrega por onde anda o medo do coronavírus.
Apesar das dificuldades, a família conseguiu manter uma rotina de estudos com as crianças nos meses de isolamento e hoje Mariana, que estuda no Cemei (Centro Municipal de Educação Infantil) Capão Redondo, já consegue escrever as primeiras palavras.
“Comparada às outras crianças, ela está muito avançada. A gente é um pouco privilegiado por ter acesso a internet, tínhamos computador”.
A família de Bento, 3, e Mariana, 5, vive no Capão Redondo. Os dois fizeram algumas atividades em casa durante a pandemia @Léu Britto/Agência Mural
A família de Bento, 3, e Mariana, 5, vive no Capão Redondo. Os dois fizeram algumas atividades em casa durante a pandemia @Léu Britto/Agência Mural
Bianca acompanha os estudos da filha Mariana; elas moram no Capão Redondo, zona sul de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural
A família de Bento, 3, e Mariana, 5, vive no Capão Redondo. Os dois fizeram algumas atividades em casa durante a pandemia @Léu Britto/Agência Mural
A família de Bento, 3, e Mariana, 5, vive no Capão Redondo. Os dois fizeram algumas atividades em casa durante a pandemia @Léu Britto/Agência Mural
Ele e a esposa lembram que outros alunos não tiveram acesso às mesmas oportunidades e que a desigualdade nos últimos dois anos pode trazer desafios para os professores na escola.
A oficial de desenvolvimento da primeira infância do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Maíra Souza, concorda com a família e aponta que os impactos da pandemia na educação infantil precisam ser analisados o mais rápido possível.
“No contexto da educação a gente não consegue falar de recuperação. Porque as experiências das crianças na escola não podem ser recuperadas. Mas a gente consegue pensar em outras ferramentas de apoio”
Maíra Souza
Para ela, é preciso pensar em políticas públicas integradas entre as diferentes áreas.
“Agora é o momento de pensar os caminhos possíveis para mitigar esses efeitos. É difícil fazer uma previsão, mas acredito que seja possível mitigar esses efeitos através dos serviços de atenção básica”.
Ela lembra que as crianças foram impactadas de diferentes maneiras na pandemia, com o fechamento das escolas, a insegurança alimentar e o luto.
O professor de economia do Insper e pesquisador do NCPI (Núcleo Ciência Pela Infância), Naércio Menezes Filho, também ressalta a importância de se adotarem políticas públicas para minimizar os efeitos da crise sanitária na primeira infância e na educação infantil.
“[Tem que se fazer] uma ação intersetorial de saúde, educação e assistência para entender quais foram os prejuízos causados pela pandemia. Fazer políticas públicas de recuperação, de aprendizado, saúde, vacinação e transferência de renda”.
Para o professor, as creches e pré-escolas devem ser preparadas para receber as crianças e avaliar o quanto foi perdido em termos de aprendizado. Já na área da saúde, é preciso que as equipes façam uma busca ativa para entender quais vacinas foram perdidas e que outros problemas surgiram nesse período.
“Se você deixar as crianças desassistidas elas vão ter problemas que vão perdurar para o resto da vida”, finaliza o pesquisador.
A vacina da Pfizer contra a Covid-19 foi liberada pela Anvisa para crianças de 5 a 11 anos nesta quinta-feira (16). Ainda não há previsão de liberação da vacina para crianças menores.
Esta reportagem foi produzida com apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e Porticus
Jornalista, cria de uma família de cearenses. Apaixonada por São Paulo, bolos e banhos de mar. Correspondente do Grajaú desde 2017.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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