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Guarulhos e o rodízio permanente de água

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Por Redação | 11.10.2018

Publicado em 11.10.2018 | 18:00 | Alterado em 22.11.2021 | 16:13

RESUMO

Empresa responsável pelo abastecimento é o SAEE que compra água da Sabesp; empresa acúmula dívidas, mas promete abastecimento integral até 2020

Tempo de leitura: 5 min(s)

Este artigo foi publicado originalmente na revista Pueblos, da Espanha, em parceria com a Agência Mural. 

Carlos Stênio Filho, 22, mora em Guarulhos, cidade vizinha à São Paulo, a maior do Brasil, mas ao chegar em casa há risco de não encontrar água na torneira.

Guarulhos tem 1.3 milhão de moradores e é a sede do aeroporto internacional de São Paulo, onde pousam por dia cerca de 800 voos. Enquanto milhões de passageiros embarcam e desembarcam perto dali, Carlos vive num bairro onde a maioria das casas têm duas caixas d’água. Sem elas, é impossível garantir que haverá água para necessidades básicas como tomar banho ou lavar as roupas. Saber quando haverá abastecimento é um dos desafios dos moradores.

Boa parte dos guarulhenses vive uma espécie de rodízio permanente. A cidade convive com o problema mesmo em épocas em que as represas estão cheias. Passado o período de escassez, São Paulo voltou a ter mais chuvas e o rodízio em geral foi suspenso. Mas não em Guarulhos.

“Como não conseguimos prever em qual dia ficaremos sem água, buscamos utilizar outras formas de armazenamento”, explica Carlos. Na casa dele há duas caixas d’água de 500 litros cada. “Guardamos também a água da chuva ou da máquina de lavar”.

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Guarulhos tem mais de 1 milhão de habitantes e é vizinha a São Paulo (Divulgação/Prefeitura de Guarulhos)

HISTÓRICO PROBLEMÁTICO

A preocupação sobre os recursos hídricos na região metropolitana de São Paulo, onde vivem 21 milhões de pessoas, não é de agora. Em 2014 e 2015, houve uma das piores secas da história. Com as represas vazias, o governo realizou um racionamento velado ao reduzir a pressão do bombeamento, o que afetou principalmente os bairros mais distantes do centro.

2014 era ano de eleição, e o governo do Estado, chefiado desde 1995 pelo mesmo partido, o PSDB (centro-direita), negou durante meses que faltaria água, mas campanhas em que pedia economia para os cidadãos eram veiculadas diariamente. O governo culpou a falta de chuvas, porém foi acusado pela oposição de falta de planejamento.

A cidade de São Paulo é atendida por sistemas que interligam represas distantes, algumas delas quase na fronteira com estados vizinhos. O maior deles, o Cantareira, esgotou o limite de sua capacidade na época. A saída foi instalar bombas extras para captar a água do fundo das represas, parte chamada de “volume morto” e que até então nunca havia sido usada.

SOLUÇÃO CASEIRA

Em São Paulo, a maioria das cidades são atendidas pela Sabesp, empresa do governo estadual que fornece água e coleta de esgotos para as casas e empresas. Em Guarulhos, é diferente: a prefeitura mantém um órgão próprio para isso, chamado Saae.

O município, entretanto, nunca teve estrutura para fornecer sozinha a água da cidade. O Saae capta apenas 13% da água consumida na cidade, e compra o resto da Sabesp.

Para garantir o abastecimento diário a todos os guarulhenses sem necessidade de rodízio, uma prática que perdura há décadas na cidade, o Saae precisaria disponibilizar 4.700 litros de água por segundo. No entanto, só consegue entregar 3.700 litros por segundo para a população. Devido à falta de investimento, a autarquia ainda não tem capacidade de abastecer o município inteiro.

Hoje, 60% da população recebe água todos os dias em casa, mas não durante o dia todo. Os demais 40% têm água em alguns dias sim e em outros não.

Morador do bairro Jardim City há 20 anos, Nilson Pereira, 53, sempre conviveu com a falta de água. “Vivo num rodízio permanente. O Saae fica na rua de cima da minha residência, é inexplicável o bairro mais próximo de um centro de distribuição não receber água todos os dias”. A alternativa, Nilson afirma, é economizar água nos dias em que ela chega, deixando para lavar roupa, quintal e carro aos fins de semana.

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Moradores usam duas caixas de água (Jordan Mello/Agência Mural)

30 HORAS SEM ÁGUA

Atualmente, alguns bairros de Guarulhos são abastecidos no esquema de 16 horas com água por oito horas sem. Outras recebem no rodízio de 18 horas com água por 30 horas sem. Por fim, há ainda o esquema de 12 horas com água e 12 horas sem.

Valéria Arantes da Silva, 40, vive no Gopoúva, bairro da região central e um dos poucos que recebe água diariamente, apesar de ser em horários reduzidos. “Tenho sorte. Apesar de receber água todos os dias somente até o meio-dia, não tomo nenhuma medida para economizar”. Na residência de Valéria moram três pessoas e o gasto mensal com a conta de água é de aproximadamente R$ 70 (14 euros).

Há ainda casos como o de Daniele da Silva, 35, do Jd. Valéria. Ela recebe água todos os dias, mas somente até às 11h da manhã. Com apenas uma caixa d’água de 1.000 litros em casa, quatro habitantes e um cachorro, são necessárias ações extras. “Tenho dois galões grandes para armazenar o que a máquina de lavar solta. Por ser suja, não consigo utilizar para nenhum outro meio que não seja lavar o quintal e, às vezes, utilizar no vaso sanitário”, afirma.

A situação muda os hábitos de organização da casa. “Ter água limitada dificulta não só o consumo, mas também questões de limpeza e higiene pessoal. É claro que atrapalha”.

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Moradores reaproveitam água da máquina de lavar (Jordan Mello/Agência Mural)

ÁGUA PERDIDA

Um dos problemas do abastecimento é que boa parte da água se perde pelo caminho. A Sabesp, que fornece água ao estado de São Paulo, estima que 30% da água se esvai em vazamentos e não chega ao consumidor final. A empresa diz que investiu R$ 6,3 bilhões, de 2009 a 2020, para reduzir essa perda. Em um sistema eficiente, esta perda deveria estar abaixo de 10%.

Curiosamente, Guarulhos é uma das cidades que menos desperdiça água por vazamentos na rede. Em junho deste ano, a cidade registrou apenas 18% de desperdício. É o quarto melhor resultado do país.

Especialista em engenharia hídrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, o professor Antônio Giansante recomenda a criação de um programa de manutenção de hidrômetros, além de programas permanentes de educação da população para controlar o consumo de água. “O uso eficiente nas casas é fundamental, como fechar a torneira ao escovar os dentes e lavar carros somente com água de reúso, entre outras medidas”.

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O Saae diz que fez várias melhorias em sua infraestrutura para reduzir a falta de água na cidade. Ao trocar uma bomba em maio, por exemplo, 21 mil pessoas passaram a ter abastecimento 24 horas na cidade.

O atual prefeito, Gustavo Costa, prometeu que toda a cidade terá abastecimento diário até o fim de 2020, quando termina seu mandato.

Em um ano de poucas chuvas, o nível do sistema Cantareira está em torno de 40%. O governo diz que não há riscos. Após a crise de 2014, foram feitas obras para interligar outros rios ao sistema. Com isso, cada vez é necessário buscar água mais longe para garantir o serviço.

“A água é um recurso renovável, mas limitado. O ser humano não tem controle sobre o quanto chove e riscos sempre existem”, ressalta o professor Giansante.

Com a crise hídrica de 2014, surgiu a Aliança Pela Água, composta por 60 organizações da sociedade para debater o uso dos recursos. A Aliança atua pela conscientização, mas também a recuperação e recomposição das fontes existentes.

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