Quando Israel Jesus da Silva, 45, chegou a Heliópolis aos oito anos, a lembrança era de uma vida complicada. “Tinha rua sem asfalto, esgoto a céu aberto. Onde eu morava, no fundo da casa, passava um córrego”, relembra. Para comprar coisas, só se caminhasse até 1 km para encontrar um comércio fora da comunidade. Mais de 30 anos depois, ele vê ainda muitos problemas, mas uma outra favela em andamento.
Em 4 de novembro é lembrado o Dia das Favelas e a Agência Mural publicou um especial mostrando como elas fazem parte da cidade e estão presentes na maioria dos distritos.
Mas mais do que regiões onde há dificuldades para moradia e falta de acesso ao poder público, algumas dessas favelas se tornaram bairros gigantes com pessoas que há décadas buscam transformar essas realidades. Uma delas é Heliópolis, considerada a maior da cidade, localizada na zona sul.
É onde mora Israel, mais conhecido como Badega. Jornalista, locutor e diretor da Rádio Comunitária Heliópolis, ele chegou ao estado de São Paulo aos 2 anos de idade, na década de 1980. Veio, junto com a família, de Itapetinga, município do interior da Bahia, pertencente à região do centro-sul baiano.
Antes de ir parar na maior favela de São Paulo, Badega morou dos 2 aos 8 anos em São João Clímaco, bairro vizinho de Heliópolis, também na capital paulista.
Devido às más condições financeiras, mudou-se aos 8 anos, com a família, para Heliópolis. Desde então, entre idas e vindas, coleciona aproximadamente 37 anos morando e trabalhando na região.
Embora os problemas de direito à cidade sejam urgentes em Heliópolis, Badega ressalta um outro ponto de vista sobre como é estar há tantas décadas na comunidade: a união para tentar resolver os problemas.
“Tínhamos a perspectiva de um ajudar ao outro, em uma época que não tinha saneamento básico e rua asfaltada. Mas, mesmo assim, era um lugar bom de se viver [justamente pelo senso de coletividade entre a vizinhança].
Para ele, a transformação mais significativa que Heliópolis vivenciou, foi deixar de ser um bairro completamente plano e tomado por barracos de madeira, para ser um território amplamente influenciado pelo processo de verticalização de moradias, tanto em puxadinhos feitos por moradores quanto pela chegada de apartamentos.
“Mudou a geografia daqui, hoje Heliópolis vem crescendo em uma dinâmica de prédios, vem sendo construído vários ‘prédinhos’ dentro da comunidade”, relata.
Além disso, moradores também abriram negócios dentro e nas redondezas da favela. “Antes só encontrava área de comércios em 1 km de distância da favela”, relembra. “Hoje são vários comércios dentro de Heliópolis. Antes não tinha esses locais por conta da infraestrutura e pela discrimininação social”, diz.
Surgimento de Helipa
Segundo a Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região) – o território onde é chamado de Heliópolis foi adquirido em 1942 pelo IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários) do Conde Sílvio Álvares Penteado e demais integrantes.
No entanto, no ano de 1966, devido a unificação de diversas organizações do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), esse espaço foi direcionado ao Iapas (Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social).
Três anos depois, o Iapas construiu o Hospital Heliópolis e o PAM (Posto de Assistência Médica) – atualmente intitulado como AME Barradas (Assistência Médica Especializada). Foram trabalhadores da construção dessas novas obras, em especial vindos do Nordeste, parte da população que passaria a ocupar o território.
Eles começaram a construir barracos de madeiras e moradias irregulares por todo o território do Helipa, em um momento que a região já recebia alojamentos provisórios para populações que viviam em outras favelas.
Entre 1971 e 1972, a Prefeitura de São Paulo retira cerca de 153 famílias que viviam em áreas ocupadas na favela da Vila Prudente e Vergueiro, e as direcionaram em alojamentos provisórios no terreno até então do Iapas, no caso, terreno esse intitulado por Heliópolis.
Essas moradias temporárias tornaram-se permanentes, fazendo com que as famílias desabrigadas das favelas da Vila Prudente e Vergueiro tivessem que permanecer ali.
Desde então, Heliópolis, foi crescendo de tornou a maior favela de São Paulo. Atualmente possui cerca de 200 mil habitantes e 1 milhão de metros quadrados.
Nessas décadas, o território já passou por disputas entre grileiros, ocupações por terras e mobilizações coletivas em prol da construção de um bairro melhor nos âmbito da educação, saúde e infraestrutura.
Segundo Badega, ainda há alguns tópicos a serem melhorados na comunidade em termos de políticas públicas e direito à cidade.
“Falta em Heliópolis lazer e um espaço mais amplo dentro da comunidade, mais praças”, avalia o comunicador.
‘Hoje em dia isso não tem, é tudo muito aglomerado de casas. Falta uma quadra de esportes, um espaço público pra galera estar lá a qualquer hora do dia e da noite’
Sem essas opções, é comum que jovens do bairro se mobilizem nas noites de sexta-feira, sábado e domingo em ruas da região, como a Coronel Silva Castro e Adriana, onde há bailes de dois tipos de gêneros musicais: funk e forró. Dividindo a opinião dos moradores de Heliópolis, é certo que os bailes já viraram marca registrada da maior favela de São Paulo.
Além disso, Badega aponta que um problema com o qual convive desde os primeiros dias na região ainda não foram sanados. Ele que viveu próximo a um córrego aponta que ainda há muitos deles para serem canalizados na cidade.
“Falta ainda solucionar o problema de saneamento básico em Heliópolis, ainda têm córregos que não foram canalizados, têm [famílias que ainda sofrem] com problemas de chuvas e enchentes [dentro da favela].”