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Diário de um ano de pandemia na Jova Rural, na zona norte de São Paulo

Correspondente da Jova Rural relata como foi o ano de 2020 em meio à pandemia de Covid-19

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Por: Aline Kátia Melo

Crônica

Publicado em 18.12.2020 | 10:45 | Alterado em 27.02.2024 | 16:22

Tempo de leitura: 5 min(s)

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Em fevereiro deste ano, as ruas do bairro da Jova Rural, na zona norte de São Paulo, foram palco de um desfile com agentes de saúde fantasiados pelas ruas, trazendo assuntos como prevenção a doenças sexualmente transmissíveis e cuidados contra o mosquito transmissor da dengue. 

Em outros dias de carnaval, foi cenário de festas de rua com adultos e crianças, com direito a palco e estrutura de som. Esta é uma das últimas lembranças de alegria e “normalidade” nas fotos da linha do tempo da página Jova Rural no início de 2020

No dia 20 de março de 2020, o decreto nº 59.291 declarou estado de calamidade pública no município de São Paulo para enfrentamento da pandemia decorrente do coronavírus. Mesma data em que o decreto 64.879 também reconhecia esse estado em nível estadual. E em 22 de março o decreto 64.881 determinou o início da quarentena no Estado de São Paulo.

Como esses decretos todos começaram a influenciar o dia a dia da região onde resido?

Sendo administradora de uma página de bairro fui percebendo mudanças nos conteúdos das mensagens que recebia dos moradores e das coisas que aconteciam na região, desde a rua onde moro, dos sons que chegavam até aqui mesmo quando eu só saia de casa para fazer compras de itens essenciais, quando cheguei a passar meses sem entrar em um ônibus para ir em outros bairros. 

Durante um tempo, a única pessoa de casa que utilizava transporte público era minha irmã, que diariamente fazia uso de duas conduções na ida, e duas na volta. Enquanto eu e minha mãe estávamos em casa.

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Fila de idosos que foram se vacinar contra gripe na UBS Jova Rural em 24 de março @Divulgação

Conforme passava esse período de insegurança e incerteza confinada em casa, lidando com meus medos e a ansiedade em relação ao futuro, passei a me concentrar mais na página, como uma ferramenta em que poderia ajudar outras pessoas a atravessarem esse momento, levando mais informações sobre os impactos da pandemia no nosso dia a dia periférico, num bairro que não dispõe de agências bancárias, nem bancas de jornais, mesmo que estas últimas tenham entrado quase em extinção no bairro mais próximo que é o Jaçanã.

A página que tinha memes e informações sobre transporte público passou a ter mais pessoas buscando doações, fazendo venda de algum ítem parado em casa para ter uma renda extra. 

Houve outras mudanças também como moradores que ofereciam doar móveis antigos, a busca por casas para alugar, pedindo para divulgar deliverys de alimentos, gente perguntando se alguém sabia onde havia doação de cestas básicas.

Na metade do mês de março começou a aumentar a procura por álcool em gel, e, consequentemente, o aumento abusivo do preço

Haviam mensagens circulando na internet pedindo para as pessoas que no dia 21 de março fossem feitas homenagens aos profissionais da saúde. Uma moradora gravou pessoas batendo palmas e gritando das casas à noite, no horário sugerido para a manifestação.

Na tarde de 23 de março ouvi o primeiro carro de som passando pela região alertando como se prevenir do coronavírus, a importância de lavar as mãos e de manter o isolamento social em casa. Peguei o celular, gravei e compartilhei o conteúdo para que mais pessoas tivessem acesso a mensagem.

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Vista da Jova Rural, na zona norte de SP

MÁSCARAS E AUXÍLIO

No início do mês de abril, começaram a aparecer as primeiras costureiras da região vendendo máscaras de pano, que passaram a ser recomendadas, e se tornaram obrigatórias nos primeiros dias do mês de maio. Eu mesma aproveitei a oportunidade para comprar as primeiras máscaras de tecido com uma dessas costureiras.

Os carros de som continuaram presentes. Em 16 de abril, um deles falou do programa merenda em casa. No dia 1º de maio, outro falou do aplicativo Caixa Tem para a solicitação do Auxílio Emergencial da Caixa Econômica Federal. Nesse período começou, tivemos falta de água e, no dia 5 de maio, um veículo anunciou que era por causa de obras da Sabesp e dando uma previsão de retomada do abastecimento na região.

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Placa sobre auxílio emergencial na esquina da rua Irineu Castelan no Jardim Felicidade em 27 de agosto @Divulgação

Em 4 de maio de 2020, o decreto estadual nº 64.959 determinou o uso obrigatório de máscaras de proteção facial. Com essa obrigatoriedade, os comerciantes da região pediam ajuda para conscientizar as pessoas da necessidade do uso correto da máscara, e da prática do distanciamento nas filas nos estabelecimentos. 

As escolas pediam ajuda na divulgação de informações sobre retirada de materiais e como acessar as plataformas educacionais. Os agentes de saúde da UBS Jova Rural fizeram vídeos de coreografias e paródias para orientar a população sobre a prevenção ao coronavírus. Alguns moradores se queixavam de barulho dos vizinhos e aglomerações. 

Além dos carros de som, teve também a fase das placas informativas nos muros de algumas casas no bairro. No início de junho perto da esquina da Rua Maranhão com a Rua Portal II surgiu uma placa sobre a campanha de vacinação da gripe que iria até o final do mês. Meses depois, o local teria placas para informar sobre as datas para sacar o auxílio emergencial.

No início de julho foi a vez da rua Irineu Castelan receber uma placa do ‘Todos pela Saúde’ ensinando o uso correto da máscara. 

No mês de agosto uma aglomeração de ciclistas sem máscara em ruas do bairro gerou muitos comentários contra e a favor do ato. Ao questionar a falta de máscara, a página acabou sendo acusada de estar fazendo fofoca, comentários feitos por alguns descontentes com o questionamento sobre uma atitude coletiva durante uma crise de saúde nunca antes vista.

SETEMBRO

Na metade do mês de setembro, alguns moradores foram selecionados pelos agentes de saúde da UBS para realizarem teste rápido da Covid 19. Minha mãe idosa foi uma dessas pessoas. 

E eu fui acompanhá-la no dia dos testes realizados na sede do CIC (Centro de Integração à Cidadania) Norte, em frente à UBS Jova Rural. Tirei fotos e postei na página. Pessoas questionaram sobre não terem ficado sabendo disso antes, mas era uma ação limitada a um número máximo de 600 usuários da região que haviam sido pré-selecionados.

Desde o início sempre houve pessoas resistentes ao uso correto das máscaras. E no período em que parecia haver queda no número de mortes, muita gente deixou de lado a preocupação.

No mês de outubro, comecei a notar um crescimento de pessoas procurando por vaga de emprego, ou oferecendo serviços como babá, diarista, cuidadora de crianças e/ou idosos. 

Em um grupo de Whatsapp do bairro recebi a imagem de um bilhete manuscrito por uma senhora que se identificou como “Francisca, a cearense” oferecendo serviços e pedindo que as pessoas divulgassem. A pessoa que enviou a foto do bilhete disse que ela saiu pela rua entregando em mãos como se fosse um currículo a moda antiga.

No dia do primeiro turno das eleições municipais voltei de lotação para casa. Era um dia de calor. Um passageiro entrou sem máscara com uma lata de cerveja. Passageiras foram discutindo com ele para ele colocar a máscara no rosto até ele descer do veículo.

Nesse período com calor e temperatura mais alta vejo muitas pessoas andando pelas ruas sem máscara. Ou com a máscara em quaisquer outras partes do corpo, que não sejam a boca e o nariz. É máscara no queixo, no pulso, no bolso. Até mesmo nos estabelecimentos os próprios comerciantes às vezes pecam no uso correto das máscaras.

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Equipe da UBS Jova Rural aplica vacina nas crianças em frente ao bar do Dida

MAIS CASOS E ESP/ERANÇA

No mês de novembro estive na UBS Jova Rural. Enquanto nas ruas as pessoas relaxaram sobre o uso das máscaras, logo na entrada do estabelecimento, o pessoal da recepção atende todas as pessoas oferecendo e colocando um pouco de álcool gel nas mãos delas, adultos e até nas crianças. 

Quando fui atendida me disseram que havia voltado a aumentar o número de pessoas buscando atendimento, ao estarem com suspeita de contaminação pela Covid 19.

Ao mesmo tempo, a preocupação em como se manter em 2021 segue para os moradores. De 1º a 11 de dezembro, o CIC (Centro de Integração à Cidadania) Norte, recebeu um posto móvel do CAT (Centro de Apoio ao Trabalho) onde realizou cadastramento e encaminhamento para emprego. 

Muitas pessoas do bairro foram com a esperança de encontrar uma oportunidade de trabalho ainda em 2020, ou para começar o ano de 2021 com mais esperança.

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Aline Kátia Melo

Jornalista, pós graduada em Mídia, Informação e Cultura pelo CELACC. Criadora da página do bairro Jova Rural no Facebook e Jova York no Intagram. Geminiana, ama teatro, livros, música e gatos. Cofundadora e correspondente da Jova Rural desde 2011.

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