A boliviana Lidia Saavedra, 37, veio para São Paulo aos 16 anos para trabalhar em uma confecção de roupas na região central. Passados mais de 20 anos, ela começou a estudar português em 2017 e relembra as dificuldades de sua trajetória no Brasil.
“Tive que aprender português na marra”, diz. “Cheguei a um lugar desconhecido, com pouca idade e sem entender a língua. Foi assustador. Eu ia ao mercado e tinha que apontar para as coisas para ser atendida”, conta.
Lidia mora no Jardim da Conquista, na região de São Mateus, na zona leste de São Paulo. Ela é uma das imigrantes que começou a estudar a língua neste ano no projeto “Portas Abertas”, da prefeitura de São Paulo.
Foi no país que ela conheceu o marido, Abraham Ramirez, 33, em uma feira no Pari. Ele também veio da Bolívia. Os dois vão juntos às aulas e dizem exercitar o que aprendem com os três filhos. “A professora dos meninos nos orientou a falar português com eles em casa, o ruim é que nos afastamos de nossa cultura”, afirma Abraham.
Os bolivianos contam com o segundo maior contingente de imigrantes na capital. São quase 70 mil moradores da cidade, segundo dados indicados em 2016 pelo Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo).
“Colocamos nossos filhos na escola. Temos a nossa confecção. E agora melhoramos o nosso contato com o português”.
São Paulo conta com 385 mil imigrantes que entraram na capital entre 2001 e 2017, segundo a Polícia Federal. Houve um aumento no volume de moradores de outros países que chegaram nos últimos anos, após o fluxo de imigração do Haiti e de outros países como a Venezuela.
O cenário mostrou a necessidade de como aproximar essas populações da cidade e a dificuldade de aprender o português. Atualmente, cerca de 12 escolas oferecem curso de língua portuguesa em bairros com forte presença de imigrantes.
É o caso de São Mateus, onde 135 alunos de nove nacionalidades recebem a formação na Emef José Maria Whitaker.
Além de buscar aprender o idioma, os imigrantes enfrentam outros problemas. Jean*, 33, encanador terceirizado da Sabesp, fez o curso técnico de engenharia civil e condução de tratores no Haiti. Porém não consegue validar o diploma e a carteira de habilitação no Brasil.
“Eu tive mais acesso aos estudos que meus companheiros haitianos que estão comigo. Já tenho uma profissão, mas não consigo trabalhar com ela sem a certificação daqui”, comenta.
Segundo o encanador, ele já fez dois exames toxicológicos, pagou mais de R$ 350 em taxas e aguarda há oito meses a carteira de habilitação. “Não sei quem é meu amigo, em quem confiar. Não entendo o que dizem, muitas palavras difíceis”. Mesmo dependente desta documentação, Jean não desanima. “Deus não deu cabeça para encher de água. A vida das pessoas é aprender e tenho tudo que preciso para continuar”.
Jean e outros entrevistados pediram para não serem identificados por causa da regularização no Brasil e outros problemas como a política no país de origem. É o caso do venezuelano Carlos*, 35, que deixou a cidade de Maturín, ao norte da Venezuela, e está no Brasil há cinco meses. Ele atravessou a fronteira a pé e chegou a Boa Vista, capital de Roraima. Em abril foi trazido pelo governo brasileiro a São Paulo e hoje mora com outros 80 venezuelanos no CAT (Centro de Acolhida Temporária) de São Mateus.
“Deixei minha filha de três anos lá. Era comerciante, hoje procuro trabalho com meus colegas”, diz Carlos. “Muitos outros precisam aprender português. E mais, aprendemos detalhes da cultura brasileira que fazem a diferença. Como lidar com os outros, como se portar”.
A cultura também pesa para o palestino Jamal*, 36, que deixou Damasco, capital da Síria, há quatro anos depois de sobreviver a um bombardeio que matou 115 pessoas em uma mesquita próxima de onde morava.
“As bombas eram aviso para deixarmos a cidade. Na fuga vi um garoto ser baleado na minha frente”. Jamal deixou a Síria pela Jordânia e viajou para a Malásia. Do país leste-asiático veio para o Brasil.
Ele recebeu ajuda da comunidade muçulmana no Brasil e conseguiu trabalho como montador de móveis. “Trabalhei e consegui trazer minha família, esposa e filhas, mas não aprendi português. No emprego era só o básico e palavrão”, ressalta Jamal. “Melhorou minha compreensão, só meu sotaque que ainda é forte. Só praticando para evoluir”.
A professora da primeira turma do projeto, Simone Santana, 44, se diz entusiasmada com a receptividade dos alunos. “Eles me cumprimentam na entrada e na saída, agradecem pela matéria dada”. Há 16 anos na escola, a professora de português leciona em dois períodos, e de terça e quinta se encontra com a turma do projeto.
“Trabalho das 7h às 18h. Nos dias de aula com eles (alunos imigrantes) saio às 21. Mesmo cansada saio feliz da classe”. Segundo a docente é como se houvesse uma troca. “Ensino português e eles me ensinam a ver a vida de um outro jeito. Mesmo com vidas tão duras eles tiram a felicidade do simples. Como pode?”.
Matheus Souza é correspondente de São Mateus
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