Léu Britto/Agência Mural
Por: Eduardo Silva | Ira Romão | Cleberson Santos
Notícia
Publicado em 03.11.2021 | 14:08 | Alterado em 27.02.2024 | 17:03
Desde a inauguração do monotrilho da linha 15-Prata em Sapopemba, na zona leste de São Paulo, em dezembro de 2019, a atendente Camila Borges, 25, conseguiu reduzir em 40 minutos o tempo de deslocamento até o trabalho.
O que antes era feito em um trajeto de quase 2 horas, hoje em dia leva cerca de 1 hora e 10 minutos.
“Antes do monotrilho, minhas opções eram ir até o Metrô Vila Prudente [da linha 2-Verde] ou ir até alguma estação da linha 3-Vermelha, como Bresser-Mooca, Belém ou Tatuapé. Mas, em qualquer uma dessas opções, demorava 1 hora só no ônibus, dependendo do trânsito”, conta.
Apesar de o monotrilho ser uma opção de transporte mais rápida e mais próxima de casa, a moradora de Sapopemba ainda precisa realizar ao menos três integrações ou baldeações para chegar à empresa, que fica na Bela Vista, na região central da cidade.
Ela vai até o ponto de ônibus, onde embarca para ir até o terminal Sapopemba. De lá, usa o monotrilho da linha 15-Prata e desce na Vila Prudente, onde acessa outra linha do Metrô, a 2-Verde. Dali vai até a estação Ana Rosa, passa para a linha 1-Azul e chega na estação Liberdade. “Caminho mais uns 10 minutos até o trabalho”, explica.
“Quando comento com alguém sobre o trajeto [ônibus e linhas 15-Prata, 2-Verde e 1-Azul], as pessoas acham que é muito, porque tem muitas baldeações. Mas acaba sendo bem rápido”, complementa Camila.
O caminho diário da atendente é um exemplo de intermodalidade que muitos moradores de São Paulo utilizam todos os dias. O termo se refere à combinação de diferentes modais de transporte em um mesmo trajeto, como ônibus, metrô, carro, moto e caminhadas.
Segundo a pesquisa Origem e Destino, realizada pelo Metrô de São Paulo em 2017, 38% dos paulistanos combinam mais de um modal na mesma viagem – 27,5% utilizam uma transferência, 9% duas e 1,4% três transferências.
Esse tipo de deslocamento se torna fundamental pelas distâncias que envolvem bairros das periferias e o local de trabalho, e depende da estrutura do serviço de transporte, como corredores de ônibus e o avanço das estações do Metrô.
“É fundamental que exista um transporte de alta capacidade, um Metrô ou uma linha de trem que chegue até determinado lugar, e que ali tenha um terminal de ônibus”, afirma a arquiteta e urbanista Hannah Machado, vice-presidente do IAB-SP (Instituto Arquitetos do Brasil).
Na cidade, investir em um único modal, como o Metrô ou o ônibus, não resolve o problema como um todo. Hannah destaca também a necessidade de haver opções para a bicicleta dentro desse sistema, principalmente para fazer o último trajeto, caso seja curto.
Ela deu dois exemplos de como a bicicleta poderia funcionar melhor no planejamento do transporte público. O primeiro é levar as faixas exclusivas aos pontos de interesse, como os terminais e estações de metrô, enquanto o segundo são os sistemas de compartilhamento.
“Uso tudo o que posso: ônibus, monotrilho, Metrô, CPTM e caminhada”, brinca Bruno Bertalha, 30, gerente de organização escolar. Atualmente morador do Cambuci, no centro, ele morava em Sapopemba, e trabalha em uma escola pública no Parque São Rafael, na zona leste.
Para ir ao trabalho, Bertalha embarca em dois ônibus em um percurso que dura aproximadamente 1 hora e 10 minutos. Para voltar, utiliza quatro tipos de modais – em um deslocamento de até 1 hora e 50 minutos.
“Vou caminhando do Parque São Rafael até o terminal São Mateus, que dá uma média de 25 minutos. Lá, pego o monotrilho, vou até a Vila Prudente, depois pego o Metrô [da linha 2-Verde] e vou até a estação Tamanduateí. Do Tamanduateí, pego o trem [da linha 10-Turquesa] e vou até a estação Juventus-Mooca, onde depois caminho mais 20 minutos até minha casa”, explica.
Para ele, a junção de diferentes meios de transporte é um ponto positivo na mobilidade de São Paulo. O que pode tornar o percurso mais demorado, como ele exemplifica, é o trânsito ou mesmo questões financeiras relacionadas ao preço da passagem.
“Um problema ultimamente é a limitação de quantidade de uso do Bilhete Único, que foi diminuída. Então, às vezes, a gente acaba tendo que pegar um caminho mais longo para poder economizar financeiramente”, diz.
“Por exemplo, tenho que descer dentro do terminal São Mateus para pegar outro ônibus, porque senão a integração não dá tempo. Ou então vou ter que gastar mais uma passagem se eu pegar fora [do terminal], o que seria mais rápido. Então acho que [a Prefeitura e a SPTrans] deveriam voltar atrás nesta questão.”
A redução nas integrações do cartão de vale-transporte do Bilhete Único ocorreu em março de 2019, durante a gestão do ex-prefeito Bruno Covas (PSDB). Trabalhadores que recebem o benefício podem fazer apenas uma integração: utilizando dois ônibus ou um ônibus e um trem/Metrô no período de 3 horas. Antes, o vale-transporte permitia o embarque em até quatro linhas durante 2 horas.
Segundo o Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo, os moradores das periferias da capital paulista são os usuários do transporte público que mais fazem transferências (entre veículos) para chegar ao trabalho.
Com duas e três transferências diárias feitas neste percurso, o topo da lista fica com os moradores dos distritos de Cidade Tiradentes, Lajeado, José Bonifácio, Guaianases e Vila Curuçá – todos no extremo da zona leste.
Os números mais baixos estão nos distritos da Bela Vista, Consolação, Jardim Paulista e República, no centro, além de Alto de Pinheiros, na zona oeste. Todos com apenas uma transferência.
Ainda segundo o Mapa, também são nos extremos da cidade onde os paulistanos levam mais tempo utilizando o transporte público para se deslocar de casa até o trabalho. O tempo médio mais alto é de Marsilac, no extremo sul, com 2 horas e 4 minutos, seguido do distrito vizinho, Parelheiros, com 1 hora e 57 minutos, e Cidade Tiradentes, com 1 hora e 51 minutos.
“As atividades e serviços são concentrados em regiões centrais, assim como a maior oferta de transporte público de alta capacidade, como Metrô e trem. Como resultado, os trabalhadores que vivem nas regiões mais distantes do centro viajam por distâncias mais longas e por mais tempo”, aponta a publicação.
Além do transporte público, nos últimos anos tem ganhado força o uso de carros por aplicativo para fazer trajetos entre as casas e terminais de ônibus e estações do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
A pedido da reportagem, a 99, aplicativo de mobilidade urbana que patrocina esta série sobre mobilidade nas periferias, levantou os terminais que mais tiveram viagens nos últimos dias.
A estação de metrô Santana, por exemplo, figura como uma das dez que mais tiveram viagens ao longo de todo ano passado e também em todos os meses deste ano. Entre janeiro e outubro de 2021, os terminais São Mateus e Cidade Tiradentes, na zona leste, e Pirituba, na região noroeste, também apareceram entre as paradas com mais viagens ao longo de todo o ano.
“Esse meio de transporte [carro por aplicativo] nas bordas da cidade acaba complementando a rede de transporte e sendo sim uma opção mais confortável, às vezes mais segura”, afirma Hannah Machado.
Na Grande São Paulo, também é comum ver pontos de parada dos carros por aplicativo na saída das estações.
O coordenador de marketing Matheus Lima, 28, morava em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, e trabalhava e estudava na Vila Mariana, na zona sul da capital. Antes da pandemia da Covid-19, ele fazia uso de ônibus, da linha 11-Coral da CPTM, da linha 2-Azul do Metrô e um trecho de caminhada nesse itinerário.
“Após o trabalho, eu ia andando para a faculdade, até porque não compensava pegar ônibus porque era relativamente perto. Dava uns 15 minutos andando, ou então eu teria que embarcar em dois ônibus e gastar muito mais do que eu gastava”, comenta.
Na volta para casa, devido ao horário em que chegava à estação de Mogi das Cruzes, na linha 11-Coral, não havia mais ônibus para levá-lo até em casa, o que ocorre em boa parte das cidades da Grande São Paulo, onde não há circulação de coletivos depois da meia-noite. Sendo assim, ele recorria aos carros por aplicativo para chegar em casa.
Matheus chegava a gastar R$ 450 por mês só com este último trecho. Atualmente, ele mora no Sacomã, distrito da zona sul de São Paulo, e tem trabalhado em casa. O home office reduziu totalmente os gastos com transporte. “Com a pandemia, comecei a economizar bastante porque eu não precisava sair. Ajudou bastante nas despesas do mês.”
Editor-assistente da Agência Mural. Fã de cultura pop, música, gatos e filmes de terror. Correspondente de São Miguel Paulista desde 2017.
Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]