Um jogo de cartas que fala sobre o reconhecimento e a valorização da cultura Guarani de maneira lúdica e educativa para estudantes do ensino fundamental e ensino médio.
Essa é a proposta do “Ñandereko: O Jeito de Ser Guarani”, jogo da memória criado por Júlia Neres, 25, educomunicadora, designer, artista integrante do Corre Coletivo e moradora do Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo.
Disponível gratuitamente na internet, a iniciativa utiliza as cartas para falar sobre cosmologia, territórios, modos de vida, racismo ambiental, justiça territorial, saúde mental, bem viver, direitos humanos e enfrentamento aos ataques sofridos pelos povos indígenas.
“Mesmo sendo um jogo da memória e tendo uma dinâmica simples, o distanciamento da língua cria a dificuldade na dinâmica”, relata a idealizadora.
Julia Neres entendeu mais sobre a sua ancestralidade indígena através da criação do jogo @Arquivo pessoal/Divulgação
O jogo consiste em pares de cartas que representam virtudes centrais da cultura Guarani (Ñandereko) e figuras de anciãs e anciãos Guarani.
“Ñandereko” é uma palavra em guarani que pode ser traduzida como “nosso modo de ser” ou “jeito de ser Guarani”. O conceito expressa a forma de como o povo Guarani vive, pensa e se relaciona com o mundo. É uma filosofia de vida, que orienta o bem viver em harmonia com a comunidade, a natureza e o espiritual.
O jogo contém 9 pares de cartas sobre Ñandereko e 6 cartas de anciãs e anciãos Guarani. Além disso, é acompanhado por uma cartilha que ajuda o educando a aprofundar as discussões.
As cores amarelo, laranja e vermelho guiam a dinâmica. Por não ser escrito em português, o jogo traz o desafio de conhecer as histórias ancestrais e aprender novas palavras na língua dos povos originários.
Reprodução das cartas do jogo Jeito de Ser Guarani @Reprodução/Instagram
Ao encontrar um par, o jogador deve consultar a cartilha para entender o significado da virtude ou aprender sobre a pessoa representada na carta.
Ela cita que ao se pensar em virtude, são trazidos à discussão filósofos, como Aristóteles ou Platão, mas há muitas reflexões a partir das histórias dos povos nativos.
‘Também é preciso aprender sobre as histórias dos povos originários e os ancestrais encantados. São nossos antepassados e fazem parte de nós’
Júlia, educomunicadora
Para criar o jogo, Júlia fez uma pesquisa pessoal sobre a memória negra e indígena nos distritos do Capão Redondo, Grajaú e Parelheiros. Nas vivências, visitou principalmente a Aldeia Krukutu, localizada na Barragem, para se inspirar na criação.
Investigar a história ancestral da sua família também foi uma grande motivação para produzir o material.
“Eu sou lida enquanto mulher negra de pele clara, mas tenho ancestralidade indígena pela família materna. Nas minhas pesquisas, descobri que a origem da nossa etnia veio do Paraná”, conta
O sonho da educomunicadora é levar o jogo para diversas salas de aulas e que mais pessoas reflitam sobre a ancestralidade indígena.
“A cultura indígena deve ser mais conhecida nas periferias. Nós estamos aqui e com muito conhecimento para partilhar”, conclui.
A educomunicadora apresenta o projeto Jeito de ser Guarani para estudantes do ensino fundamental 2 @Arquivo pessoal/Divulgação
Malu Marte, multiartista baiana e estudante de História pela Universidade Federal da Paraíba, é professora em Campina Grande (PB) e foi uma das entusiastas do uso do jogo em sala de aula.
Durante a disciplina de Ética, ao abordar os conceitos de ética e moral, ela apresentou a dinâmica aos alunos do 6º, 7º, 8º e 9º ano.
“Eles abraçaram muito bem a ideia. Os alunos aprenderam sobre os valores do povo Guarani e os conceitos de moral. Ao virar a carta, precisavam descobrir o significado daquele valor para os indígenas”, relata.
Estudantes com o jogo da memória em sala de aula @Arquivo pessoal/Divulgação
Os estudantes já tinham como referência outras aulas que tratavam de temas como racismo ambiental e racismo estrutural. Os mais novos participaram com atividades voltadas à memória, enquanto os mais velhos jogaram com o baralho completo — que, agora, incluía também personalidades dos povos Guarani.
“Foi incrível observar o desenvolvimento crítico de cada um. Além disso, foi muito divertido”.
