Há anos o CPDOC Guaianás desenvolve atividades na região para lembrar a memória dos bairros e envolver os moradores
Lucas Veloso/Agência Mural
Por: Lucas Veloso
Notícia
Publicado em 11.12.2020 | 17:19 | Alterado em 16.12.2020 | 13:48
Quem passa pela antiga estação de trem de Guaianases, na zona leste de São Paulo, pode se deparar com uma exposição feita no muro com imagens de pontos históricos do bairro e alguns moradores da região.
A intervenção faz parte do projeto ‘Passagem Funda’, organizado pelo CPDOC Guaianás (Centro de Pesquisa e Documentação Histórica), grupo de pesquisa nos bairros de Lajeado, Guaianases, Cidade Tiradentes e São Mateus.
O nome veio da rua que, em meados do século passado, ligava através de um ramal particular (linha de trem) a estação Lajeado (hoje Guaianases) à Fazenda Santa Etelvina (assim como era chamada a Cidade Tiradentes).
O trajeto foi fundamental para escoamento de flores, frutos, hortaliças, madeira e, principalmente, da pedreira do Lajeado para abastecer a cidade de São Paulo.
Integrante do CPDOC Guaianás, a museóloga Ana Vieira, 24, explica que a ideia inicial consistia em painéis com textos e fotografias dos bairros do extremo leste da capital, mas a pandemia mudou os planos.
“Nos vimos numa posição de encontrar uma outra linguagem que pudesse abranger o público ao qual direcionamos, os trabalhadores e moradores destes bairros, de uma maneira que não interferisse no protocolo de prevenção à saude”.
Depois de algumas discussões chegaram à conclusão de que a exposição deveria ser no meio urbano. A opção foi colocar os materiais nos muros da estação da CPTM em Guaianases, o principal meio de locomoção dos moradores.
“Conseguimos fazer a comunicação expositiva com fotografias de lugares que se relacionam com a cultura do trabalho na região, de trabalhadores e entrevistados também do nosso projeto Histórias do Meu Bairro”, diz Ana.
A exposição possui uma duração imprevisível já que é vulnerável a qualquer tipo de interferência, seja humana ou climática, como chuva.
“Toda semana eu passo lá para ver como ela está, já fizemos uma limpeza, passamos por duas vezes mais cola e resina e esperamos continuar cuidando para que ela permaneça o maior tempo possível”, afirma Renata Eleutério, 35, cientista social e integrante do grupo.
Além dos cuidados do próprio coletivo, várias pessoas sugeriram meios para que a exposição fique ali mais tempo, como colocar adesivo transparente para proteger a foto no muro, entre outras coisas.
Os ‘lambes’ mostram alguns pontos históricos do bairro, como a igreja de Santa Cruz, uma das mais antigas do bairro, construída pelos indígenas que habitaram a região, além da antiga estação de trem e a Casa de Cultura.
No processo de produção da exposição, Joel, um morador em situação de rua que fica numa praça ao lado, passou a noite ali cuidando para que o muro não fosse pichado. No dia seguinte, Fábio, um morador vizinho, ficou na praça a noite inteira acompanhando o movimento para que nada acontecesse ao muro.
Além disso, enquanto produziam os muros, diversas pessoas passavam tirando fotos.
Renata lembra de outra manifestação de afeto com o trabalho. “Quando concluímos a exposição no muro e tirávamos foto, Juliana, que utiliza o centro de acolhida ao lado, agarrou o muro e disse que aquilo não ia sair nunca mais dali, que ela não ia deixar”.
MEMÓRIA DO POVO
Para Renata, trabalhar com a história e memória das pessoas não significa trazer o passado numa visão nostálgica e limitadora memorialística, mas possibilitar a percepção de que a ‘sua história’, que o ‘seu’ espaço e território é parte de uma história maior.
“Você também é sujeito e carrega um acúmulo de lutas dos seus antepassados para chegar onde chegou”, pontua. “Isso é fundamental para o momento de crises política, econômica, sanitária que estamos vivendo e que sucumbem o nosso povo”.
De acordo com o antropólogo Fernando Filho, 38, escolher o nome de ‘Passagem Funda’ é restabelecer a memória dos bairros que se formam em torno da via.
O projeto consistiu em um trabalho de pesquisa, levantamento de dados e memória do patrimônio material ainda permanente na paisagem dos bairros de Lajeado, Guaianases e Cidade Tiradentes na zona leste de São Paulo. Ao todo, o processo foi realizado ao longo de dois anos com o apoio do Programa de Fomento à Cultura da Periferia do município.
Além da própria exposição, a iniciativa desenvolveu outras ações como processos de formação, com a orientação de arquitetos, geólogos, urbanistas, museólogos e técnicos da área da conservação e preservação documental. “Atividades raras na periferia com uma atenção e olhar desses técnicos”, ressalta Fernando.
Também teve Jornada Fotográfica, com quatro roteiros de memória nos bairros, a TV Memória & periferias, a partir das lembranças dos moradores, além da campanha ‘Histórias do Meu Bairro’ com coleta de entrevistas. “Muitas pessoas entraram em contato buscando ser entrevistadas, indicando que possuem materiais de acervo, sobretudo, fotográfico”.
SERVIÇO
A exposição está na Rua Copenhague, 1066 – Lajeado. No site do coletivo há também uma exposição virtual com mais detalhes e histórias da região.
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