Primeiro um susto. Depois, a enorme felicidade em saber que seria pai. E, então, o começo de uma dúvida que se estenderia durante a gradivez: como conciliar o tempo de trabalho com o suporte necessário para a namorada e o bebê? Essas foram as sensações descritas por Gabriel Araújo Lopes, 24, quando Natália Laysa dos Santos, 23, anunciou a gestação para ele, em junho deste ano.
O auxiliar de produção tratou logo de procurar o RH da empresa para tirar dúvidas sobre a licença paternidade e recebeu a informação de que teria cinco dias em casa a contar do nascimento. “Acho pouco a quantidade de dias que a lei proporciona. Na minha opinião, deveria ser pelo menos duas semanas”, relata o morador do bairro Sônia Maria, em Mauá, na Grande São Paulo, que depois do anúncio decidiu emendar a licença com as férias.
O também auxiliar de produção, João Henrique Soares, 39, teve direito a cinco dias no emprego anterior, diferente da empresa atual que oferece 20 dias de licença paternidade – tempo máximo previsto em lei, para as empresas que aderiram ao Programa Empresa Cidadã, uma ação do governo federal que oferece incentivos fiscais às empresas que ampliarem o tempo de licença.
Ainda assim, ele avalia que o tempo não foi suficiente para dar o suporte necessário à esposa, Halitane Rocha, 27, que teve que ficar 45 dias de repouso, sem qualquer esforço, após a cesariana que trouxe ao mundo as gêmeas Núbia e Dandara, hoje com 2 anos.
Na época, o morador do Jardim Petrópolis, em Cotia, também na Grande São Paulo, precisou interromper um curso técnico para dar conta dos cuidados com as filhas e a esposa. “Tivemos que contar com ajuda de terceiros. Com uma licença maior, ela não teria ficado sobrecarregada, eu poderia ter participado mais da rotina das recém-nascidas, teria mais memórias com as crianças e provavelmente teria terminado o curso”, avalia.
Tanto Gabriel quanto João Henrique são trabalhadores contratados pelo regime CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), diferente do músico Carlos Vinicius Cézar Bezerra, 38, que é autônomo. Ele mora no Jardim São Luiz, zona sul da capital, e enfrentou diversos desafios no trabalho devido ao nascimento do filho Pharrell, hoje com três meses, que nasceu prematuro e teve que permanecer internado para ganhar peso.
“Voltei a trabalhar após três dias [do nascimento], porque não tenho um salário fixo, ganho pelo que ‘produzo’. Gostaria de mais tempo para cuidar do meu filho. Ideal seria no mínimo uma semana, para estar ao lado do meu filho e da minha esposa [Janaína Arantes, 34] nesse momento tão especial e cansativo pra ela”, desabafa o músico autônomo, conhecido nas redes como Vinicity.
A licença paternidade é um benefício exclusivo dos trabalhadores CLT e dos funcionários públicos federais. Para os servidores públicos estaduais e municipais, vale conferir o que diz a legislação local. O período de licença-paternidade é de cinco dias, porém, caso a empresa esteja cadastrada no programa Empresa Cidadã, o benefício será prorrogado por mais 15 dias, somando 20 dias com o bebê.
Ainda assim, o período é bem menor que em outros países. Para se ter uma ideia, na Coreia do Sul e no Japão, os pais podem ficar pelo menos 52 semanas, ou quase um ano, com o bebê, com redução no salário. Na França, são 28 semanas e no vizinho Uruguai 13 semanas.
Como funciona a licença paternidade?
A licença paternidade é um benefício garantido pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela CLT. Ela permite que o colaborador com carteira assinada se ausente do trabalho por 5 dias após o nascimento do filho, sem prejuízo da remuneração.
Se os dois parceiros trabalharem no formado CLT, um deles vai gozar de licença paternidade e outro da maternidade, independente de haver união estável, do sexo biológico, gênero e orientação sexual dos solicitantes. Após estabelecer o combinado, o casal deverá comunicar às respectivas empresas para as quais trabalham. Homens trans que não gestaram também têm direito.
No caso de adoção, o Supremo Tribunal Federal (STF) autoriza, desde 2022, que o casal de pais não biológicos, independente do sexo, gênero ou orientação, tenha direito à licença maternidade e paternidade, independente da idade da criança. A ideia é fortalecer a construção de vínculo e garantir uma melhor adaptação. Se o caso tratar de um pai solo, ele pode ter direito a licença maternidade de 120 dias.
Caso a empresa negue os benefícios ou crie dificuldades para liberá-los, denuncie ao Ministério do Trabalho.
Licença para pais trans
Guilherme Augusto Prado Prates, 24, do bairro Santana, na zona norte de São Paulo, atualmente é cabeleireiro e tatuador autônomo, além de cursar serviço social e ciências políticas. Pai da Moanah, 3, ele diz que apesar da alegria do nascimento da filha, os primeiros dias foram intensos.
Por ser um homem trans e ter gestado a filha, teve direito à licença maternidade integral, de quatro meses. “Foi o que me salvou e me deu a tranquilidade de poder estar presente totalmente, de corpo e mente, sabendo que estaria assegurado fora do meu serviço durante aquele período”, conta. Na época, ele era contratado pelo regime CLT.
Além dessa vantagem, ele ainda não havia feito a retificação dos seus documentos, com um nome masculino. “Quando são retificados, a dificuldade para solicitação ao benefício é maior, devido aos trâmites e ao desgaste mental para abordar questões de gênero e gestação”, complementa.
A burocracia e os preconceitos ainda sofridos pelos pais trans, fazem com que eles acessem menos a licença paternidade, apesar de terem direito ao benefício.
Um dos principais entraves, porém, é básico: a inserção no mercado de trabalho formal.
“Ainda são raros os locais que contratam pessoas trans. É muito importante que elas ocupem esses espaços e tenham acesso a direitos, como a licença paternidade. A partir do momento que a pessoa tem sua carteira assinada, passa a ter assegurado esse direito”, pontua o advogado trabalhista, Leandro Félix da Silva, 33, de Cotia.
Informalidade, licença paternidade e machismo
Se os trabalhadores CLT, que tem direito à licença paternidade, já apontam que o tempo é insuficiente para as demandas com o bebê, os trabalhadores autônomos – em regime Pessoa Jurídica e Microempreendedor Individual (MEI) – sequer podem contar com o benefício pelos cinco dias previstos em lei. Eles não têm o direito de se afastarem do trabalho por qualquer período após o nascimento ou a adoção de uma criança.
Para completar, especialistas avaliam que a Reforma Trabalhista, aprovada na gestão do ex-presidente Michel Temer (2016-2018), intensificou as desigualdades entre autônomos e celetistas e ampliou a possibilidade de o funcionário negociar o formato da licença direto com o empregador.
“Abriu brechas. Que você imagina quem tem mais força nessa queda de braço: o empregado ou o patrão?”
Leandro Félix da Silva, advogado trabalhista
Mesmo tendo tido direito à licença paternidade, Gabriel acredita que os mais beneficiados com a legislação atual são as empresas. “A primeira vista parece que quem está realmente se beneficiando somos nós, porém quem está realmente se beneficiando são as empresas, que em menos de uma semana já terão seu funcionário de volta”.
E não é só Gabriel que pensa assim. Todas as pessoas ouvidas para a produção dessa reportagem – de pais a especialistas – concordam que além de ser estendida para todas as categorias profissionais, a licença paternidade deveria ser mais longa.
“Se os dois [pai e mãe] exercem seu papel durante o período neonatal, é válido que o tempo do benefício seja o mesmo para o casal, independente de ser um casal homossexual, casal cisgênero ou casal trans”, reforça Guilherme.
Segundo Félix, rever os prazos seria importante para as crianças, devido às suas necessidades no primeiro ano de vida.
Vale reforçar que as empresas podem adotar outras estratégias para garantir e aumentar a participação dos pais, como a flexibilização da carga horária no retorno às atividades, tal como ocorre com a licença de amamentação, ou a garantia de um período de estabilidade no emprego.
Além de beneficiar os pais, essas medidas garantem oportunidades de desenvolvimento pelo para as crianças e ajudam a combater o machismo, ainda tão presente quando o assunto é maternidade.
“Quando menciono o machismo, me refiro ao pensamento de que sempre a mulher será a mãe, e o homem será a pessoa que leva dinheiro para casa. Na real, ambos teriam que ser pais presentes na vida dessa criança”, pontua Gabriel.