Agente público municipal, ele tinha 54 anos e foi vítima de câncer no esôfago, doença descoberta há duas semanas; Manoel relatou situação de dificuldades da categoria em meio à pandemia
Arquivo Pessoal
Por: Lucas Veloso
Notícia
Publicado em 19.08.2020 | 21:46 | Alterado em 22.11.2021 | 16:11
O agente sepultador Manoel Norberto Pereira estava hospitalizado no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo há 13 dias. Na sexta-feira (14), apesar das dores, se preocupou em enviar mensagem de agradecimento à solidariedade dos amigos. “Nossa luta é de fé e é uma luta que funciona”, mandou por áudio.
Disse que queria sair forte para continuar a rotina na atividade sindical, que incluía visitas em cemitérios municipais.
Nesta quarta-feira (19), Manoel morreu, vítima de um câncer no esôfago aos 54 anos. A doença foi descoberta há cerca de duas semanas depois depois de muitas dores, dificuldades em comer e perda de peso.
Manoel trabalhava do Cemitério Cachoeirinha, na zona norte da capital, e era dirigente do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo). Morador de São Miguel Paulista, extremo leste da cidade, era uma das principais lideranças da categoria por melhores condições de trabalho.
Em junho, foi um dos entrevistados da Agência Mural em reportagem sobre a rotina dos sepultadores durante a pandemia.
Na época, ressaltou que a principal demanda dos trabalhadores era a sobrevivência frente ao vírus, a quem chamou de ‘truculento’. O dirigente também pontuou a importância dos sindicatos para conseguir os equipamentos de segurança essenciais ao trabalho dos sepultadores.
Com o agravamento da pandemia em São Paulo e o aumento do trabalho, Manoel foi um dos representantes mais ativos dos sepultadores. Suas falas relataram a situação precária enfrentada pelos trabalhadores dos cemitérios públicos na pandemia da Covid-19.
“O preconceito conosco é antigo, mas voltou a ter mais força com o obscurantismo e a falta de informação da população sobre o nosso trabalho”, afirmou à Agência Mural.
Desde março, foi entrevistado por jornais estrangeiros, como The Washigton Post, BBC, Deutsche Welle, veículos de mídia da China, Holanda, Espanha e de outros países. De tantas entrevistas, os colegas passaram a chamá-lo de ‘Mister Pereira’, em alusão à sua dedicação internacional em defesa dos trabalhadores dos serviços públicos.
Em mensagem divulgada, o Sindesp lamentou a perda. “Nosso companheiro lutou bravamente nas últimas semanas pela vida”, escreveu.
“Mesmo em meio à pandemia, sua vontade em manifestar-se nunca arrefeceu, tampouco a indignação com as injustiças dos trabalhadores e a coragem de seguir mobilizando trabalhadores, características vitais para a garantia de equipamentos de proteção individual a todos os trabalhadores da funerária (servidores e terceirizados)”, diz o comunicado do sindicato a que ele pertencia.
Ainda, de acordo com o texto, Manoel era tranquilo e de voz serena. Também era firme quando o assunto era defender os profissionais do serviço público e denunciar o ‘desmonte privatista’ e a realidade dos trabalhadores que lidam com a ‘parte mais triste da pandemia’.
ATUAÇÃO SINDICAL
Alegre, bem humorado e irônico são alguns adjetivos lembrados pelos colegas para falar de Manoel. Com mais de 50 anos, foi estudar direito e gostava de contar histórias de discussões com professores reacionários. Era militante político do PT (Partido dos Trabalhadores).
De acordo com relatos dos amigos, foi ‘linha de frente’ na defesa da vida dos (as) trabalhadores (as) do Serviço Funerário e na luta contra a privatização da Funerária Municipal. Lá era conhecido como “Penha”, apelido que ganhou dos colegas no primeiro cemitério em que trabalhou.
Manoel se sindicalizou em agosto de 2000. Tornou-se RSU (Representante Sindical de Unidade), entre 2012 e 2015, e foi eleito diretor coordenador da região oeste da cidade de São Paulo em 2018.
Ainda de acordo com amigos, atuou como delegado nos congressos da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e de outras entidades sindicais que representam os agentes públicos, como a Fetam (Federação dos Trabalhadores da Administração e dos Serviços Públicos Municipais do estado de Alagoas) e a Confetam (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal),
Outra lembrança de Manoel era das participações em manifestações em prol de melhores condições de trabalho. Nos atos sempre foi bom em fazer amigos.
Protestou em atos contra a reforma da previdência desde 2016, na época da presidência de Michel Temer, e também quando o projeto avançou durante a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido). Em São Paulo, foi um dos organizadores na Greve dos 100 mil, contra proposta de reforma previdenciária do governador João Doria (PSDB).
Manoel deixa a filha, Fernanda.
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