Aluna do ensino médio, Camille Medeiros fala da importância dos livros na formação e julga como forçada a troca dos livros didáticos em papel por dispositivos eletrônicos
Jessica Silva/Agência Mural
Por: Matheus Oliveira
Notícia
Publicado em 11.08.2023 | 13:28 | Alterado em 11.08.2023 | 13:28
A estudante Camille Medeiros, 17, está no terceiro ano do ensino médio na escola estadual Wilson Rachid na Vila Itaim, zona leste de São Paulo, e vive a implementação de muitas mudanças na escola: Novo Ensino Médio, PEI (Programa Ensino Integral) e Centro de Mídias. Agora, foi surpreendida com a possibilidade do governo do estado não distribuir mais livros didáticos em papel.
A notícia da troca dos livros didáticos físicos por digitais soou com estranheza para ela e outros alunos na sala de aula. “Eu falei se era preguiça de mandar [os livros], porque toda vez demora muito para chegar, aí tem gente que sempre fica sem. É um assunto recorrente na sala, porque as coisas já estão bagunçadas pelo novo médio”, afirma
O QUE ACONTECEU?
No último dia 31 de julho o governo do estado anunciou que não fará mais parte do PNLD (Programa Nacional de Livros Didáticos), do governo federal. Assim, os estudantes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio receberão livros digitais a partir do ano que vem.
Após críticas, o governo do estado reconsiderou e irá imprimir as apostilas e disponibilizar de forma online.
Para Camille, a mudança não leva em consideração a realidade dos estudantes. “Os livros online podem complicar. Se a internet cair, a gente vai ficar sem nada para estudar? Até a internet da escola já é bloqueada. E nem todo mundo que tem celular na escola”, argumenta.
A estudante conta usar os livros dos anos anteriores para consultar e tirar dúvidas que aparecem. Além disso, que nem todos têm esse acesso digital garantido.
O IBGE aponta que 28,7 milhões de pessoas não têm celular, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua de 2021. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2022, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 35,5 milhões de pessoas não têm acesso à internet em casa no Brasil.
A estudante avalia que a troca dos livros em papel por digital tem haver com a imagem que o governo quer passar.
“Estão tentando, às vezes de uma forma meio forçada, fingir que tem uma certa inovação: ‘as coisas vão ser online agora. Será uma coisa positiva para os alunos aprenderem mais coisas’. Sendo que não está funcionando”
Camille Medeiros, estudante da zona leste de São Paulo
A estudante prefere o livro em papel e compara com o estudo nos meios digitais. “Prefiro ter uns livros físicos, às vezes é mais difícil para ler, mas assim, você desconecta um pouco do celular, porque me distrai muito. No celular chega notificação e atrapalha a concentração”, afirma.
Camille usa a tecnologia para estudar desde 2020. Então estudante do 9º ano, ela precisou usar o Centro de Mídias [site disponibilizado pela prefeitura com aulas e exercícios aos estudantes] ao longo da pandemia de Covid-19. Ela ressalta que a experiência não foi boa pelo excesso de conteúdo, muitas atividades e pouco tempo para tirar dúvidas com os professores.
Em 2021, ao começar o ensino médio, ela se deparou com o aumento da carga horária, por meio do PEI (Programa Ensino Integral) e com novas matérias dos itinerários formativos do Novo Ensino Médio. Camille relata que estuda das 14h às 21h de segunda a sexta-feira e mesmo assim sente que não está aprendendo o suficiente para o vestibular.
“É complicado ter que se esforçar mais ainda do que uma pessoa que tem o ensino regular e que tem as matérias ‘normais’. E aí com essas mudanças é ainda pior porque complica mais para alunos da escola pública que não têm muito conteúdo”, indica.
A estudante diz que teve aulas de física e química apenas no segundo ano do ensino médio.
Para correr atrás do prejuízo, a estudante frequenta o cursinho comunitário UneAfro. As aulas, aos sábados, são das 8h30 às 13h e mais uma hora e vinte para ir e uma hora e vinte para voltar do núcleo Rosa Parks, na Escola Estadual Simão Mathias no Jardim Iguatemi, também na zona leste.
Camille destaca que as mudanças atrapalham o ingresso dos estudantes de escolas públicas nas universidades. “Tudo isso só piora a situação, que já é ruim para um aluno de escola pública e pessoas que não têm acesso.”
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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