Karina Rodrigues, 35, mora na comunidade do Veloso, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. A casa dela tem um portão com trinco adaptado para que Josué, 6, não consiga abrir. Ele foi diagnosticado com autismo aos 4 anos, depois de mais de um ano em busca de consulta com um neurologista. Agora, ele e Karina vivem outro desafio – a falta de apoio para o começo da vida escolar.
A escola municipal João Hornos Filho, localizada próximo da casa dela, na Vila Cristina, foi a segunda escola na qual tentou matricular o filho.
Segundo a ex-ajudante de cozinha, a sala do filho é uma das últimas do andar, sendo necessário subir e descer a escada. Há um mês, quando Josué retornou da escola, havia arranhões e hematomas pelo corpo.
Questionada, a direção escolar justificou que a criança se desequilibrou e caiu. Desde então, ele não retornou às aulas por decisão dos pais.
O menino ficava agitado com a porta da sala de aula fechada, por isso permanecia nos corredores, acompanhado pela Adeb (Auxiliar de Desenvolvimento de Educação Básica). “Meu filho é um ser humano, não quero que ele fique jogado”. Para ela, a profissional “não sabia lidar com ele”.
A inclusão de alunos com TEA (Transtorno de Espectro Autista) aumentou em classes comuns em 2021, conforme dados do Censo Escolar, realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Em 2017, eram 77 mil estudantes e, quatro anos depois, o número chegou a 300 mil. No entanto, as barreiras ainda são vistas pelas escolas.
Toda criança diagnosticada com autismo tem garantido o ingresso na educação regular, segundo a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Também está previsto o direito a acompanhante especializado segundo a Lei Berenice Piana (12.764/12), política nacional de proteção dos direitos da pessoa com TEA. Apesar disso, a situação não é a vista em Carapicuíba e afeta a rotina de estudantes que tiveram de estudar apenas em casa durante a pandemia de Covid-19.
Histórias que se repetem
Joana Chagas e Ruth de Oliveira relatam que as filhas, matriculadas em EMEI (Escola Municipal de Ensino Infantil) da cidade, não possuem Adebs para auxiliar nas atividades.
“Minha filha tem dificuldade de realizar tarefas simples, como segurar um lápis ou ir ao banheiro”, declara Ruth, 39, que desde o ano passado aguarda por uma Adeb na Emei Ciranda da Criança, que fica no Parque Florida. “A Jhessie tem 5 anos, aqui em casa ela esquece onde fica o banheiro, imagina na escola.”
Apesar de Geovanna, 5, filha da Joana, 32, não ter uma profissional que a acompanhe, a mãe diz que não vê problema. “Ela já teve Adeb, mas foi remanejada, devido a alta demanda. Minha filha está se desenvolvendo, minha preocupação é ela ‘dar trabalho’ para a professora”.
A escola em questão é a Emei Seninha, localizada em uma das principais vias da cidade, na Avenida Inocêncio Seráfico.
Cada pessoa dentro do Transtorno do Espectro Autista apresenta um conjunto de características: dificuldades em manter contato visual e em participar de atividades em grupos e em manter uma rotina, sensibilidade a ambientes barulhentos, paladar seletivo e normalmente tem ‘stims’, os chamados movimentos repetitivos.
A professora Isabel da Silva, 45, relembra a experiência com o primeiro aluno autista: “A mãe o acompanhou durante o período escolar por um mês, porque a escola não dispunha de um auxiliar de classe”.
Ela explica que devido a ausência da Adeb, adaptava as atividades de acordo com as necessidades do aluno. “Se estava agitado, a atividade era de movimento, se estivesse tranquilo, era de brincadeiras coordenadas. Foi assim durante todo ano letivo.”
Suellen Azevedo, 34, matriculou a filha Manuela, 4, em uma escola conveniada à Prefeitura. Apesar do diagnóstico de autismo não estar concluído, ela tinha um documento que dizia que a menina estava sob avaliação.
“No dia da reunião de boas-vindas, que para mim não foi nada de boas-vindas, fui informada que minha filha não poderia ficar naquela instituição”. Disseram à mãe, que a escola não tinha como suprir as necessidades da criança. “Eu expliquei que a necessidade da minha filha era igual a de outra criança de 2 anos”.
Atualmente, Manu, já diagnosticada com TEA, frequenta a Emei Raquel Maria da Conceição, no Parque Santa Tereza, que disponibiliza de uma auxiliar.
Suellen, que também é pedagoga, avalia que falta qualificação para os profissionais da educação.
“Durante a faculdade temos apenas um semestre com aulas sobre educação inclusiva. Aí na sala de aula fica difícil conduzir.”
Suellen Azevedo, pedagoga
Ela contribui com a escola, enviando material de apoio e sugeriu um recurso pedagógico: uma caixinha com alguns itens para as crianças. “Quando a Manu fica agitada a ‘prô’ dá a caixa, ela escolhe o que quer e isso ajuda a acalmá-la”.
Além disso, a mãe recorreu ao convênio médico para dar suporte: “Foi uma psicóloga até a escola e daqui uns dias a Manu terá acompanhante terapêutico em sala”, afirma. “Sei que somos privilegiados por termos convênio médico, isso ajuda muito”.
As escolas em geral possuem apenas o AEE (Atendimento Educacional Especializado), área que oferece aulas complementares para trabalhar habilidades que ainda não foram desenvolvidas, que estão prejudicadas ou que estão em desenvolvimento, como comportamento, compreensão, entendimento de regras e interação social. Mas essas atividades não têm relação com as atividades.
“As mães chegam com a expectativa de que a criança vai aprender a ler e a escrever. Mas o objetivo desse atendimento é desenvolver as habilidades comprometidas”, diz a pedagoga Helena*.
Procurada, a Prefeitura de Carapicuíba afirma que os pais não relataram nenhuma falha no serviço escolar à Diretoria de Ensino. E que a escola e a Secretaria de Educação se colocam à disposição para atendimento dos pais e responsáveis.
Rede estadual
Segundo a Secretaria de Educação do Governo do Estado, São Paulo tem 12.922 alunos com TEA, matriculados na rede escolar.
A luta por uma educação efetiva não é recente, relata Claudinéia, 46, mãe de Marcus, 6. “Não posso negar que no primeiro ano, na creche, teve uma professora que realizou um ótimo trabalho, mas pela sensibilidade dela, não pela estrutura escolar.”
No início deste ano a mãe foi informada que o filho estava matriculado em uma escola que tinha auxiliar, mas dois dias depois descobriu que ele estava matriculado em outra unidade da rede pública. “Lá foi solicitado que eu acompanhasse meu filho, mas ele também está na escola para potencializar a independência dele. Se ele souber que estou lá, ele vai querer ficar só comigo”.
Em nota. a Seduc (Secretaria Estadual de Educação), informou que “o professor auxiliar não faz parte da política da rede estadual, pois a presença em sala de aula, mesmo que a título de apoiar ou auxiliar especialmente o estudante com TEA, compromete as possibilidades de desenvolvimento e autonomia do estudante”.
“Meu filho tem dificuldade para escrever, na maioria das vezes só desenha”, diz Claudineia. Ela conta que ir ao banheiro, também não é uma tarefa que ele realiza sozinho: “Quando vai, é acompanhado por um colega de sala. Em uma dessas idas ele caiu”.
Segundo a Seduc, os alunos que necessitam de cuidados especiais têm direito a um cuidador que auxilia em atividades como alimentação, locomoção e higiene.
O apoio citado pela secretaria é oferecido uma vez por semana, o qual Marcus realiza em outra unidade escolar, distante de casa. Por fim, a Secretaria de Educação informa que foi solicitado em caráter de urgência, um cuidador para auxiliar o aluno.
Após nosso contato com a Secretaria Estadual de Educação, a mãe nos informou que foi procurada pela diretoria de ensino da região. “Me perguntaram se eu queria transferir meu filho para outra escola que já possui auxiliar, mas não aceitei, pois ele já está adaptado ao ambiente, começar novamente será um retrocesso”.
Diante da negativa, a diretoria de ensino providenciou um cuidador para auxiliar Marcus e mais 2 alunos com deficiência. O profissional iniciou o trabalho na unidade escolar no dia 20 de junho.
*Nome fictício, alterado a pedido da entrevistada.