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‘Mapa da desigualdade’ aponta o endereço como fator de risco na pandemia

Regiões com histórico de ausência de políticas públicas, e onde vivem mais negros, registram maior número de óbitos por covid-19, diz Rede Nossa São Paulo

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Por: Redação

Publicado em 24.06.2020 | 20:21 | Alterado em 24.06.2020 | 20:21

Tempo de leitura: 4 min(s)
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Distritos com mais pretos e pardos também têm maior letalidade do coronavírus (Léu Britto/32xSP)

Os distritos do Grajaú, na periferia da zona sul de São Paulo, e Cidade Tiradentes, no extremo leste, registram 3,5 vezes mais óbitos decorrentes do novo coronavírus (covid-19) do que Moema e o Jardim Paulista, áreas ricas do centro-sul da cidade.

Até 18 de junho, Grajaú e Cidade Tiradentes tinham 267 e 193 mortes, respectivamente, e Moema e Jardim Paulista somavam, nesta ordem, 66 e 64 vítimas da doença. Estes também são os quatro distritos de São Paulo* onde as pessoas morrem mais cedo ou, então, com mais idade.

Segundo mostra uma edição extraordinária do Mapa da Desigualdade, publicação anual da Rede Nossa São Paulo, são nas regiões com a menor idade média ao morrer onde também se registram os maiores números de falecimentos pela covid-19.

De acordo com o Mapa, moradores de Moema vivem, em média, até os 81 anos. Na outra extremidade, a idade média ao morrer na Cidade Tiradentes é de 57 anos – uma diferença de mais de duas décadas.

Na mesma comparação, os moradores do Jardim Paulista vivem até os 80 anos, enquanto no Grajaú essa média cai para 59 anos.

“Há evidências de que o impacto da pandemia se relaciona com as vulnerabilidades e desigualdades territoriais, e que a qualidade de vida e longevidade são aspectos que podem influenciar esses números”, aponta a Rede Nossa São Paulo.

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É importante destacar que “idade média ao morrer” se refere ao passado, considerando fatores no percurso de vida. O termo é diferente de “expectativa de vida”, que é uma estimativa projetada ao número de anos que a população de um local (ou um recorte dessa população) deve viver.

DESIGUALDADES ANTIGAS

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Historicamente, regiões periféricas têm menos recursos vindo do poder público (Léu Britto/32xSP)

Para Silvia Lopes, 50, doutora em geografia humana e professora na Unifesp, a cidade de São Paulo apresenta-se fragmentada pela desigualdade e marcada pela ausência de equipamentos de saúde, cultura e educação em alguns territórios, moradias mais precárias e falta de saneamento básico, especialmente nas áreas periféricas.

“Alguns espaços concentram equipamentos públicos de uso coletivo, onde mora uma parcela menor da população [aquela que recebe maiores salários]. E outras áreas vivem com sobreposição de ausências, onde mora a maior parcela dos paulistanos e da população mais pobre. É onde estão os negros também”, diz.

Ela também aponta que são nas periferias onde estão os trabalhadores mais precarizados, com menor renda e empregos informais, que não puderam parar de trabalhar durante a pandemia.

“Esses têm mais riscos de contágio e transmissão. E, por morarem em áreas precárias, têm os piores acessos ao sistema de saúde e aos tratamentos. Isso define o grau de letalidade”
Silvia Lopes, professora na Unifesp

Para Silvia, morar em lugares mais precários e com menos investimento público, historicamente, influencia nas condições de saúde e na baixa expectativa de vida. “No período de pandemia, essa situação ficou mais evidente”, observa.

POPULAÇÃO NEGRA

O levantamento da Rede Nossa São Paulo, com base em dados demográficos do IBGE, também aponta que o número de óbitos pela covid-19 é maior nos distritos com maior população preta e parda. A maior parte desses distritos está nas “bordas” da cidade, longe do centro ou centro expandido.

“O Jardim Ângela, com 60% da população preta e parda, apresenta número de mortes 5,5 vezes maior do que Alto de Pinheiros, onde pretos e pardos são 8%”, pontua. Até 18 de junho, o Jardim Ângela, na zona sul, registrava 240 mortes pelo coronavírus; em Alto de Pinheiros, na zona oeste, eram 44.

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Silvia diz que o racismo contribui para as desigualdades socioterritoriais (Arquivo pessoal)

Silvia Lopes acredita que esse assunto passa pelo racismo e é muito afetado pela necropolítica – conceito desenvolvido pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, em que um conjunto de políticas define quem deve viver e quem deve morrer.

“O racismo contribui com a estruturação da cidade, com a seleção dos espaços para investimentos públicos e induz a construção das moradias dos trabalhadores, especialmente os negros, para as áreas precárias. Nesses lugares também estão as favelas”, comenta.

Em Sapopemba, na zona leste, que é o distrito da capital mais afetado pelo coronavírus (com 300 mortes), aproximadamente 22% dos domicílios ficam em favelas. A Brasilândia, na zona norte, tem 277 vítimas e durante mais de dois meses foi a região que liderava o “ranking de mortes”. Por lá, quase 30% das casas ficam em favelas.

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Jardim Damasceno, na Brasilândia, zona norte de São Paulo (Ira Romão/32xSP)

“No Brasil, onde a abolição da escravidão não se deu totalmente, não houve inclusão social de negras e negros. A prática constante de negação aos direitos desta população está ligada à existência e perpetuação da ideologia do racismo que é alimentada por muitos meios (literatura, música, mídia etc.)”
Silvia Lopes, professora na Unifesp

Para ela, o poder público conseguiria antever o problema da pandemia e, consequentemente, preparar a cidade para este momento de crise: “O poder público tem acesso aos dados. Poderiam ter previsto que as periferias teriam um número grande de pessoas contaminadas e, também, de óbitos”.

CURTO E LONGO PRAZO

Em curto prazo, a professora considera que o estado deve investir nos hospitais existentes, aumentando o número de leitos e as condições de atendimento, e construir um hospital de campanha na zona leste “que, por questões de mobilidade, a região fica distante dos outros hospitais de campanha”.

Considerando tanto curto, quanto médio e longo prazo, ela aponta para políticas que visem aumentar os investimentos voltados para a construção de equipamentos públicos de uso coletivo nas periferias, não somente de saúde, mas também de educação, cultura e lazer.

“A luta antirracista atravessa esses prazos. Não haverá mudança na forma de produzir o território urbano se o processo de construção continuar permeado pelo racismo”, finaliza.

*A análise não considerou Marsilac, no extremo sul, que registra a segunda menor idade média ao morrer na cidade, com 57,5 anos. O distrito é o menos populoso de São Paulo e, até o momento, também registra o menor número de falecimentos pelo coronavírus: nove.

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