Acervo Pessoal
Por: Gabriela Vasques
Notícia
Publicado em 24.07.2024 | 8:00 | Alterado em 23.07.2024 | 20:43
Que quem visite a biblioteca do CEU Parque do Carmo, na zona leste de São Paulo, possa conhecer a história de uma importante moradora da região: Maria Pereira de Holanda (1928 – 2020). Esse é o desejo de pelo menos 200 moradores do Jardim Nossa Senhora do Carmo que participaram de um abaixo-assinado para nomear a biblioteca em homenagem à Maria Holanda.
Uma delas, responsável por articular a reivindicação, foi a professora de educação infantil Maria Lúcia Rocha, 62. “O nome dela sempre foi ventilado e surgiu a ideia de colocar na biblioteca, porque é um espaço de convivência, de participação, que é a cara dela”, conta.
A líder comunitária chegou na região no início dos anos 1970, quando ainda não havia água encanada, energia elétrica e posto de saúde no local. Ela então arregaçou as mãos e mobilizou vizinhos para exigir que o poder público implantasse serviços públicos de qualidade no bairro.
Maria de Holanda recebe flores na comunidade @Acervo Pessoal
Maria de Holanda com marido Antonio Rufino de Holanda e um dos netos @Acervo Pessoal
Maria de Holanda vestida de Mamãe Noel entrega panetones no bairro, costume que teve por diversos anos de sua vida @Acervo Pessoal
Maria de Holanda com faixa de Mãe da Comunidade recebida em 1985 - @Acervo Pessoal
Voluntárias Hospital Santa Marcelina no Natal @Acervo Pessoal
Maria de Holanda sempre soube conversar com políticos, mesmo não sendo de algum partido específico @Acervo Pessoal
Grupo da Igreja que Maria de Holanda fazia parte @Acervo Pessoal
Bairro Parque do Carmo nos anos 1970 @Acervo Pessoal
Bairro do Parque do Carmo nos anos 1970: não havia saneamento @Acervo Pessoal
Quem se lembra bem do trabalho é a enfermeira Ângela Maria Rufino da Silva, 57, filha de Maria de Holanda. “Ela começou a vender cosméticos e a ter contato com muitas pessoas e viu que não tinha muitas melhorias aqui no bairro. Aí foi atrás disso. O negócio dela era a saúde, garantir saúde para o povo”, conta.
Junto com outros moradores, Maria de Holanda conseguiu que freiras enfermeiras do Hospital Santa Marcelina, na Vila Carmosina, zona leste, passassem a atender em um posto de saúde improvisado em uma antiga casa na Igreja São José Operário, no Jardim Nossa Senhora do Carmo.
A costureira aposentada Antônia Rocha, 73, que é irmã de Maria Lúcia, esteve na luta para garantir acesso à saúde no bairro. Ela se lembra bem de como era estar junto com Maria de Holanda.
“A gente lutava muito pela saúde e a gente acompanhava tudo para aprovar as nossas reivindicações”, conta Antônia, mais conhecida como Toninha, ao lembrar de passeatas e mobilizações que participou ao lado de Maria de Holanda.
As irmãs Toninha e Maria Lúcia chegaram no Parque do Carmo na mesma época de Maria de Holanda. Para elas, batizar a biblioteca com o nome da falecida moradora significa valorizar a memória da região. “Lembrar as pessoas dessa forma é manter a história do território viva”, afirma Maria Lúcia.
O grupo formado por Maria de Holanda, Maria Lúcia, Toninha e outros vizinhos pressionaram a prefeitura e o governo do estado pela instalação de serviços básicos no bairro. “Conseguimos água encanada, luz elétrica, asfalto, posto de saúde e ônibus que passa aqui no bairro”, diz Ângela.
Outra conquista importante foi a desativação do Aterro Sanitário São Mateus, que foi construído próximo ao Parque do Carmo em 1984 e afetava diversos bairros próximos. “Era um mau cheiro… mas conseguiram tirar o lixão e levar para outro lugar”, lembra Ângela.
Seu marido também se envolveu na luta da sogra e ajudou até o final da vida de Maria de Holanda. “A vida toda ela foi envolvida e preocupada para trazer melhorias”, afirma o advogado Roberto Carlos da Silva, 57.
Ele lembra que Maria de Holanda era preocupada e se posicionava sobre a importância de fazer valer os direitos das mulheres. “Mesmo que ela tenha vivido bem com o marido, sabia que [muitas] mulheres vivem uma vida difícil e nunca aceitou essa condição”.
Uma das últimas mobilizações de Maria de Holanda foi pela construção de uma creche. A ideia era que ela fosse instalada em um terreno próximo a casa onde viveu. A obra foi cotada, mas não aprovada pela prefeitura devido às condições inapropriadas do solo.
Ela também cobrou autoridades para que as obras do CEU Parque do Carmo fossem concluídas e conseguiu vê-lo pronto pouco antes de falecer, em 2020. “Acho que quando ela morreu foi meio que a síntese, fechou com o CEU, que é um equipamento tão importante para a cidade”, avalia Maria Lúcia.
Fachada do CEU Parque do Carmo @Gabriela Vasques
Biblioteca do CEU Parque do Carmo @Gabriela Vasques
Bebeteca, espaço para bebês dentro da biblioteca do CEU Parque do Carmo @Gabriela Vasques
Foto interna da biblioteca do CEU Parque do Carmo @Gabriela Vasques
Maria de Holanda nasceu em 16 de junho de 1928 e faleceu em casa aos 92 anos, no dia 30 de outubro de 2020, vítima de complicações pulmonares. O velório também foi em casa e arrastou dezenas de pessoas, apesar da pandemia. Ela deixou 10 filhos, 31 netos, 20 bisnetos e 2 tataranetos, além de um legado de luta pelo bairro.
A proposta e o abaixo-assinado para que a nomeação da biblioteca aconteça está em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo, com apoio do vereador Manoel Del Rio (PT). Os entrevistados acreditam que a autorização para homenagear Maria de Holanda deva ser oficializada nos próximos meses, em uma cerimônia.
A Agência Mural continuará acompanhando a história.
Jornalista formada pela PUC-SP e assistente de produção na TV Cultura. Interessada por diferentes formas de fazer jornalismo, como, jornalismo em quadrinhos. Ama fotografia e gosta de conhecer diferentes pontos da cidade. Correspondente do Parque do Carmo desde 2022.
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