Arquivo Pessoal
Por: Pietra Alcântara
Notícia
Publicado em 25.07.2023 | 17:41 | Alterado em 26.07.2023 | 10:30
Acordar cedo, preparar o café e cuscuz com manteiga. Se estiver sol, colocar as roupas no varal. Sair para trabalhar, pegar um ônibus na rua de casa. Percorrer 1 km, descer e pegar outro ônibus, que faz integração. Descer de novo e andar mais 20 minutos pelo bairro Butantã, na zona oeste, até o trabalho. Essa é basicamente a rotina de Valéria Paixão, 46, produtora e moradora do bairro Vila Quitaúna, em Osasco, na Grande São Paulo.
Ela vive em uma casa térrea de 60 m2, que custa cerca de R$ 1.500 ao mês. A casa possui dois quartos, sala, cozinha, banheiro e um quintal, cômodo que ela considera “o mais importante”. Apesar da demora para chegar ao trabalho, a casa tem alguns bons metros a mais que um microapartamento, assunto que repercutiu nas redes sociais após uma reportagem do UOL.
O texto fala sobre a existência deste tipo de imóvel como tendência do mercado imobiliário e entrevista uma jovem que vive em um apartamento de 16 m². Ela afirma pagar R$2.300 mensais para alugar a propriedade, que fica no bairro Bela Vista, considerado área nobre da cidade.
Em contrapartida, a Agência Mural conversou com mulheres como Valéria, que moram sozinhas de aluguel e optaram por viver em regiões mais afastadas do centro.
Este perfil de moradoras revela o retrato de outra forma de viver só na região metropolitana de São Paulo – inclusive, mais próxima da média de renda das mulheres brasileiras. Segundo o IBGE, o rendimento mensal das mulheres no país é de R$ 2.909.
Quando questionada se trocaria a casa por um apartamento mais próximo do trabalho ou do centro de sua cidade, Valéria não pensa duas vezes. “Não trocaria [minha casa] por apartamento não. Gosto de ter liberdade e de ter um local mais espaçoso.”
Já a social media Nayara Bolognesi, 26, trabalha em regime home office e mora sozinha há dois anos no bairro Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo. “Não moraria em um apartamento menor sem divisão ou área externa”. Ela vive em um apartamento, no andar térreo, o que a possibilita ter quintal. São R$1.100 de aluguel em 60 m2.
“Considerei morar em outras regiões, mas tinha amigos que já moravam neste bairro [Freguesia do Ó] e falavam bem da localização e fácil acesso a outros locais importantes da cidade, sem precisar ficar longe de família e amigos”.
Antes de morar sozinha, a jovem vivia no bairro de Pirituba, na região noroeste, com a família. Os bairros tem cerca de 4 km de distância entre si.
Vitória Silvino, 28, professora que mora sozinha em uma casa de aluguel no Capão Redondo, zona sul, também não se vê morando em outro local mais próximo do centro.
“Para mim, é importante conviver com minhas memórias e minha história, que não passam por bairros nobres da cidade”
Vitória Silvino, moradora do Capão Redondo
Ela cresceu na região e decidiu seguir na zona sul mesmo após a decisão de morar sozinha. Sua casa tem 40 m2 e ela paga R$ 1.000 de aluguel.
Já a coordenadora financeira Thauany Souza, 28, moradora do bairro Parada Inglesa, na zona norte, moraria em um microapartamento de 16 m2 sem problemas. “Não vejo grandes necessidades de morar em casa grande. Pensando na organização, faz sentido”, opina.
Ela não pensa em se mudar a curto prazo, vive em uma casa de 40 m2 e paga R$1.500 de aluguel. O local é próximo da estação de metrô Tucuruvi, da linha azul. “Meu trabalho não fica próximo, mas o fácil acesso ao metrô me faz ter um percurso que leva em média 1 hora”.
Apesar de não haver uma definição clara, Vinícius Reginatto, economista de dados da imobiliária digital Quinto Andar, define os microapartamentos como unidades que em geral não passam do 35 m² de área, “podendo chegar a tamanhos ainda menores, como 10 m²”.
No levantamento feito pela imobiliária, entretanto, foram considerados “microapartamentos” aqueles que possuem 30 m² ou menos.
Uma cada três unidades é menor que 35m²
Segundo dados do laboratório Arq.do Futuro do Insper, cerca de 27% das unidades lançadas entre 2014 e 2021 têm menos de 35m².
As regiões com maior número de lançamentos do tipo ficam na área central, com Sé, Pari, República e Bela Vista superando os 60% nesse tipo de unidade.
Apesar disso, algumas periferias também começaram a ter a ampliação desse tipo de imóvel, caso de São Rafael, na zona leste, e São Luís, na sul, onde metade dos lançamentos foram de unidades abaixo de 35m².
“O número mínimo de metros quadrados por pessoa permitido vai depender da legislação construtiva de cada país, na maior parte dos países a mínima está em 12 m2. No Brasil, o número mínimo é 15 m2.”, afirma Caroline Manolio, arquiteta pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).
Ela defende que um apartamento de 16m2 está dentro da legislação construtiva e, se houver uma disposição de layout inteligente, pode ser mais bem usado que um espaço de 40 m2 “ineficiente”.
Para Ester Carro, arquiteta e ativista da favela Jardim Colombo, em Paraisópolis, os microapartamentos possuem uma dimensão mínima. “São áreas com dimensões a partir de 15 m2 que variam de tamanho e geralmente são divididos em dois ambientes”, explica.
“O mercado imobiliário apontar os microapartamentos como tendência é para justificar uma prática que é super lucrativa para eles. Colocam de uma maneira como se fosse trend, algo chique, na moda”, comenta Caroline.
“O que acaba justificando a construção de microapartamentos é que quando você consegue aumentar a densidade construtiva, de habitação, perto de regiões com boa oferta de serviços, isso é positivo”, comenta a arquiteta Caroline.
Ela explica que do ponto de vista do funcionamento das cidades, colocar mais pessoas perto de transportes e serviços ocasiona menor deslocamento de pessoas, o que diminui também o trânsito e a pressão em cima do transporte público.
Para a professora Vitoria, que vive no Capão, faz sentido continuar vivendo no bairro em que cresceu, por uma série de fatores. “Trabalho perto daqui. Todos os meus alunos são daqui, enfrentam questões e dificuldades que eu também sempre enfrentei, e nós nos reconhecemos nas experiências e nos lugares”.
Para Valéria, essa relação com o bairro osasquense também é importante. “Tenho muitos amigos que moram aqui, conheço todo mundo. Das feiras, dos mercados, até dos estabelecimentos menores. Aqui estou em casa”.
Ela comenta que o transporte público piorou em sua região nos últimos anos, perdendo a linha de ônibus que ela costumava usar para ir ao trabalho. “Mesmo com todas as dificuldades, eu não mudaria. Aqui tem uma boa infraestrutura de comércio, tem casas boas e é um bairro bem conhecido em Osasco, está cada vez mais valorizado”.
Para Caroline, além da tendência, no sentido concreto, os apartamentos menores em áreas nobres fazem sentido pois em “termos de demografia populacional, a estrutura da população está mudando, as famílias estão diminuindo, tem uma série de solteiros que querem morar sozinhos”.
Ester Carro constata o mesmo. “Há o anseio do mercado imobiliário no lucro, mas outro fator importante a ser considerado é a busca pela praticidade que os apartamentos menores oferecem, diminuindo custos e a redução no tamanho das famílias, nos últimos anos”.
O custo de viver sozinho é alto e isso influencia quem aluga casa ou apartamento para este fim. A região do Brasil com maior percentual de pessoas morando sozinhas é o Sudeste, com 16,2%, segundo o IBGE.
Em geral, há mais homens morando sozinhos do que mulheres, que representam fatia de 44,4%. Isso faz sentido, já que a pesquisa Cempre (Cadastro Central de Empresas) mais recente revela que homens possuem uma média salarial 16,3% maior que as mulheres e são maioria entre os empregados por empresas.
Ester Carro levanta a questão de que, além da tendência dos microapartamentos, já existem pessoas em outros contextos vivendo em pequenos espaços.
“Levando em consideração a realidade das famílias que vivem em favelas, o contexto a ser proposto e analisado é completamente diferente”, afirma. Ela cita a necessidade de haver áreas que possibilitem trabalhar e estudar, além de locais que sirvam para algo além de sobreviver.
“Grande parte das famílias são compostas por 3 a 5 pessoas, muitas vezes liderado por mulheres, o que traz a necessidade de ter espaços amplos e adequados para abrigar as diferentes atividades exercidas”
Ester Carro, arquiteta
Jornalista, social media. Formada em Jornalismo e pós graduada em Styling e Direção de Arte. Amante de brechós e moda 0800. Gosta de gravar stories loucos e assistir vídeos no YouTube. Correspondente da Vila Medeiros desde 2019.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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