Ações das Rendeiras da Aldeia, Karen Serafim e Indra Darllyn destacam potencial da moda local
Kim Dias/Agência Mural
Por: Kim Dias
Notícia
Publicado em 11.06.2025 | 12:45 | Alterado em 13.06.2025 | 16:42
Moradora de Carapicuíba, na Grande São Paulo, a design de moda Karen Serafim, 36, ajuda mulheres a criarem autoestima com as roupas que já possuem. Ela é um dos exemplos de como a discussão sobre moda chega às periferias, além de ser instrumento que movimenta a economia criativa.
“No meu rolê, a moda é sem zika, sem firula, é pra todo mundo”, diz a criadora de conteúdo, no Instagram se autodenomina uma “desconsultora” de moda. “Tem gente que acha que falta roupa no armário, às vezes falta estratégia”.
Ela se define como “desconsultora”, uma provocação para o termo consultora. Segundo a designer, “Consultor” é aquela figura vinda de fora — e não alguém caminhando junto e que respeita sua história.
Karen afirma romper com os padrões pré-determinados da moda @Arquivo pessoal/Divulgação
Formada em design de moda, Serafim afirma ainda que a moda é ferramenta de transformação social, identidade, pertencimento e autonomia.
‘Quando uma costureira da região consegue viver do seu trabalho, um brechó vira ponto de encontro, jovens estilistas vendem suas criações, estamos vendo o poder da moda como um motor de oportunidade’
Karen, designer de moda
Além disso, quem é das quebradas pode se sentir distante da consultoria tradicional que soa distante, difícil e cara. A desconsultoria vem pra romper com isso: a ideia de que moda é só pra alguns.
Segundo ela, a moda de Carapicuíba é rica em identidade, com referências próprias que dialogam com a realidade dos bairros, apesar da forte influência da capital paulista.
A designer também destaca a necessidade de maior investimento e capacitação para impulsionar os talentos da região.
“A gente está falando de mais do que estilo ou tendência: estamos falando de movimentar a economia da quebrada, de gerar empregos, de criar redes de apoio e de abrir espaço para que pessoas da comunidade possam transformar seus talentos em trabalho e renda”, diz.
Em Carapicuíba, grupos como as Rendeiras da Aldeia e vendedoras autônomas buscam levar as peças para moradoras da região.
Segundo o Sebrae, a indústria da moda no Brasil é composta majoritariamente por pequenos negócios liderados por mulheres. Atualmente, a cidade conta com oficinas promovidas pela OCA Escola Cultural, como o projeto Rendeiras da Aldeia, com apoio dos institutos C&A e Renner.
Formado por mulheres do município, o grupo “Rendeiras da Aldeia” trabalha com a tradicional Renda Renascença, saber ancestral trazido por migrantes do interior do Brasil.
A iniciativa nasceu em 2006 a partir do Centro de Estudos e Criação da Indumentária e Figurino Brasileiro da Oca Escola Cultural, e desde então promove oficinas gratuitas todas as quintas-feiras à tarde.
“Existe essa ideia de que moda não é acessível para gente, mas estamos aqui, fazendo moda acontecer”, afirma Núbia Esteves, 58, integrante do grupo.
O grupo das ‘Rendeiras da Aldeia’ mantém viva as tradições manuais brasileiras @Kim Dias/Agência Mural
“Nem nós mesmas víamos nosso trabalho como moda”, relembra Márcia Mesquita, 64, integrante do grupo. A virada de chave — tanto no reconhecimento do valor estético quanto na precificação das peças — só veio com a orientação e o apoio do Instituto C&A.
“A gente não nasceu com esse olhar, não tinha esse empoderamento. Na verdade, era a necessidade que movia: a gente fazia aquele ‘paninho’ e passava adiante, sem saber que ali também havia moda”, conta.
As rendeiras produzem peças amplas e versáteis, como camisas, casacos e vestidos, feitas com matéria-prima natural. A renda, além de elemento estético, preserva uma das mais tradicionais técnicas manuais do país, conectando passado e presente.
O processo criativo parte de memórias e vivências pessoais, que transformam cada peça em expressão de identidade.
O trabalho das Rendeiras já chegou a grandes marcas, como C&A, Apartamento 03 e Renner. Apesar do reconhecimento em feiras e eventos fora da cidade, o coletivo ainda enfrenta o desafio da pouca adesão local.
Nos bordados de renda, as mulheres se conectam com a ancestralidade @Kim Dias/Agência Mural
“Nosso público consumidor ainda está fora daqui, mas queremos que a região nos conheça. A gente também traz visibilidade para o município. Nosso trabalho é moda, sim. E é bonito ver quando uma peça nossa é comprada por alguém importante. Isso mostra que deu certo”, conta Núbia.
Para Lucilene Silva, 53, integrante do coletivo, a moda de Carapicuíba ainda está em processo de afirmação. “Há uma produção rica, criativa e muito potente acontecendo nos bairros, nas comunidades, nas casas e nos coletivos, como o nosso”, completa.
“Muitas vezes invisibilizada, essa moda carrega identidade, mistura saberes e dialoga com as vivências do território”, diz.
Indra Darllyn, 35, é fundadora da Darllyn Confecções, marca criada durante a pandemia da Covid-19 e que atua há cinco anos no segmento de moda praia e fitness. Moradora da região, Darllyn viu na costura uma oportunidade para a sua independência financeira, mas ainda enfrenta desafios.
“Em Carapicuíba, é difícil encontrar lojas de aviamentos e tecidos. Preciso ir até o centro de São Paulo, como o Brás e o Bom Retiro, o que toma muito tempo”, afirma.
Ela também destaca a falta de incentivo local à cadeia produtiva da moda. “A cidade deveria investir mais nessa área. Hoje, muita gente nem sabe passar uma linha na agulha. A mão de obra está cada vez mais escassa”, observa.
Indra, criadora da Darllyn Confecções de biquínis e roupas fitness @Arquivo pessoal/Divulgação
A empreendedora já tentou estruturar um projeto para ensinar costura a outras mulheres como alternativa de geração de renda, mas esbarrou na ausência de recursos e apoio institucional.
“Sempre tem alguém me perguntando se dou aula de costura. Adoraria ensinar, mas isso demanda tempo e estrutura. Antigamente, as unidades da Kolping (associação sem fins lucrativos que atua na superação da pobreza) ofereciam cursos de artesanato. Acredito que a costura pode mudar histórias, assim como mudou a minha”.
Jornalista com especialização em moda. Uma das criadoras do podcast Produzminas. Idealizadora da Kd Social Media e Produções. Poetisa, ama teatro, cinema e história.
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