André Santos/Agência Mural
Por: André Santos
Notícia
Publicado em 11.04.2022 | 17:59 | Alterado em 26.04.2022 | 11:05
Até 2018, o comerciante Ivan Santana da Silva, 48, nem sabia o que era malha, um esporte que tem movimentado famílias nos fins de semana do bairro Sobradinho, no distrito do Tremembé, na zona norte de São Paulo.
Por influência do cunhado que já praticava a modalidade, ele passou a jogar e pegou tanto gosto que se tornou o presidente da associação dos jogadores e é quem organiza os campeonatos na região. “É uma terapia ‘da hora’, cara. Quem nunca jogou se jogar não quer parar mais”, afirma.
Ele e outros moradores criaram o próprio espaço para jogar. Batizada de “Arena dos Amigos da Malha”, o local reúne jogadores amadores, familiares, amigos e curiosos.
O esporte é baseado em um disco (chamado de malha) que é arremessado para acertar pinos no final da pista – o time que mais acerta, ou que consegue deixar o disco mais perto dos pinos, vence. Lembra um pouco uma outra atividade esportiva, a bocha, apesar de que os adeptos garantem que são bem diferentes.
Ivan conta que no início das obras para a construção do campo, os moradores enfrentaram problemas até com a polícia. “Acharam que a gente estava invadindo. A polícia nos tirou e a gente insistiu e estamos lá. Hoje ninguém fala mais nada.”
A área onde está construída a arena pertence a Furnas, próximo das chamadas “faixa de servidão”. Eles revitalizaram o local com a plantação de árvores, cercaram o espaço com pneus, e seguem fazendo a limpeza e mantendo a grama cortada.
A arena, como é chamada pelos praticantes da malha, foi construída por meio da colaboração de moradores que fizeram o trabalho braçal, e também uma “vaquinha” para bancar as despesas.
“Fizemos a obra por etapas, começamos no terrão, fomos progredindo e fomos melhorando cada vez mais”, conta Ivan. “Cada reforma dessa gastava na faixa de R$1.500, R$ 2.000”, completa.
Ele reconhece que há melhorias a serem feitas, porém, a localização impede que eles construam banheiros e cubram o campo, desejo antigo dos usuários.
Denilson Santos de Paula, 32, considera a arena um benefício para a quebrada. No último campeonato, ele estava presente com a filha ainda de colo. “A primeira oportunidade que tive de vir ao campo foi através do avô da minha filha, ele é um dos praticantes.”
“[O campo] seria mais um espaço utilizado para descarte de lixo, entulho, ou estacionamento, e agora está sendo bem cuidado. As pessoas vão praticar um esporte, conhecer pessoas novas”
Denilson Santos de Paula
Ele não é o único familiar a frequentar o local. É comum ver ali famílias inteiras passando o fim de semana à beira da arena se divertindo, desde crianças até idosos. “Começamos com seis ou sete pessoas e hoje temos mais de 40. A gente faz churrasco e todo mundo se diverte, é muito importante ter a família reunida ali”, ressalta.
Em dias de campeonato o número de pessoas presentes cresce por conta dos convidados e da festa em que se transforma o evento.
“Quem nunca jogou, se jogar vai gostar, e não vai parar mais”, afirma Ivan. Na “Arena dos Amigos da Malha”, qualquer um que chegar pode brincar, garante o presidente dos torneios.
Denilson vislumbra um dia poder jogar e já está atento ao modo de jogar dos atletas. “Jogaria e confesso que fiquei curioso pra entender se existe uma estratégia por trás de cada jogador ou não. Se é dom mesmo ou sorte, fiquei curioso.”
Apesar de hoje ser pouco falado, a malha tem amantes espalhados por todo o estado de São Paulo, garante Adilson Fernandes, 79, presidente da Federação Paulista de Malha. Ele afirma que hoje há 19 equipes filiadas só na capital e mais de mil atletas espalhados pelo estado.
“Já chegamos a ter 295 clubes disputando nosso campeonato, só em São Paulo capital”, diz Fernandes.
A provável chegada da malha ao Brasil se deu pelas mãos dos portugueses, mas o esporte, ou pelo menos modelos de jogo parecidos com o que hoje chamamos de malha, são conhecidos desde a época do império romano.
Em São Paulo, a região central foi a que recebeu as primeiras disputas da malha, desde o final do século 19. Trabalhadores em horário de descanso ou após o trabalho improvisavam pedaços de pedras e chapas de metal como malhas e se divertiam derrubando os pinos.
A Federação Paulista de Malha foi fundada em 1933 e desde então é quem organiza os campeonatos na capital paulista. A entidade enfrenta problemas para conseguir patrocinadores, talvez a causa mais provável seja o pequeno espaço dedicado à malha na cobertura esportiva.
Malha: disco em aço com diâmetro de 9 centímetros (mínimo) e 11 centímetros (máximo), pesando 600 gramas (mínimo) e a espessura do centro 135 mm aproximadamente.
Pinos: podem ser de madeira ou material plástico, cilíndrico e cônico com a ponta arredondada. As medidas sugeridas são de comprimento total de 18 centímetros, diâmetro três centímetros.
Campo: o comprimento mínimo total do campo é de 40,20 metros (retangular), a distância de pino a pino é de 34,30 metros e a largura 2,50 metros (parte interna).
Times: as partidas podem ser disputadas individualmente, duplas, quartetos ou turma. A dupla é o formato mais comum. Nele, cada membro do time fica em uma ponta do campo (a cabeceira).
Objetivo: o objetivo é acertar o pino com a malha sem que o disco toque nas paredes que delimitam o campo.
Limites: para o arremesso, o atleta tem um espaço de 2 metros para se movimentar e atirar a malha – caso ultrapasse o limite (linha demarcatória), o arremesso será cancelado.
Pontuação: cada pino acertado garante ao time 4 pontos e a malha que mais se aproximar do pino, sem derrubá-lo, garante 2 pontos a dupla.
Para vencer: os jogos terminam quando um dos times alcançar 30 pontos – mas essa regra depende de cada campeonato, podendo também ser 24 a pontuação total.
Organização: há juízes arbitrando os jogos nas laterais do campo.
Jornalista, entusiasta do carnaval, do futebol de várzea, de bares e cultivador assíduo da sua baianidade nagô! Correspondente do Jardim Fontalis desde 2017.
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