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Moradores das periferias sentem desigualdade nos impostos e aguardam mudanças para 2026

Magno Borges/ Agência Mural

Trabalhadores das quebradas relatam como o modelo tributário pesa no orçamento e contribui para ampliar injustiças sociais

Por: Jacqueline Maria da Silva

Notícia

Publicado em 30.09.2025 | 16:30 | Alterado em 02.10.2025 | 18:29

Tempo de leitura: 5 min(s)

São 5h30 da manhã em um dia comum em Cidade Tiradentes, zona leste da capital paulista. Parte dos moradores começa a se levantar. Vagner Simão da Silva, 44, precisa estar de pé antes de todo mundo para assar o pão que vende em seu estabelecimento, o Mercado e Padaria Shalon. Depois de pronto, ele chega à mesa de café da manhã de centenas de famílias, como a da assistente administrativa Ana Claudia Ferreira, 45, no Jabaquara, zona sul.

Café tomado, Ana pega o ônibus e paga R$ 5 na passagem para ir ao trabalho, em uma ONG em Interlagos. Na hora do almoço, pede uma marmita em um comércio de bairro. Nesse momento, Vagner já está abastecendo o carro para ir a mercados atacadistas e comprar mercadorias para revender.

No fim do dia, voltando para casa no ônibus lotado, Ana lembra que faltam alguns ingredientes para o jantar. Passa no mercado aberto até às 20h e segue para casa, onde mora com dois irmãos, a cunhada e o sobrinho. Após jantar e tomar banho, se prepara para dormir.

Ana trabalha em uma ONG onde presta serviços como Microempreendedor Individual @Jacqueline Maria da Silva/ Agência Mural

Do outro lado da cidade, Vagner também se organiza para encerrar o expediente, preparando a massa do pão que será assado no dia seguinte. Ambos recomeçarão a mesma jornada.

O que esses dois moradores de periferias têm em comum? Além de uma rotina intensa e muitos planos para o futuro, os dois pagam impostos em quase todas as atividades relatadas até aqui — assim como qualquer brasileiro. Para comer, trabalhar, se locomover e até ficar em casa assistindo TV se paga imposto — afinal, a TV foi comprada, certo?!

‘Quando falamos sobre os mais ricos do país, eles deveriam, em teoria, pagar mais impostos para que ajudasse a massa da população. Mas isso é o inverso

Vagner Simão, morador da Cidade Tiradentes

Isso é um fato, reforça Leandro Horie, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, o Dieese. Milhões de brasileiros são obrigados a pagar impostos, diretos ou indiretos. No entanto, no modelo de tributação vigente há anos, a maior parte da arrecadação ocorre no consumo e no salário, o que impacta mais as pessoas pobres e periféricas.

Pequenos comerciantes, como Vagner, têm menor margem para repassar tarifas para as mercadorias @Léu Britto/ Agência Mural

“Todo mundo consome o mesmo quilo de arroz, com o mesmo imposto. Como a renda do pobre é muito menor, proporcionalmente ele paga muito mais do que o rico. O imposto pelo consumo não diferencia o rico do pobre, por isso é um sistema injusto”, declara o especialista.

Imposto direto é o tributo que a pessoa paga pelo que tem (patrimônio) ou pelo que ganhou (salário). Imposto indireto é aquele cobrado pelo consumo, ou seja, por tudo que se compra, desde um papel higiênico a um eletrodoméstico.

A tributação é alta ou o retorno é baixo?

O sistema tributário é um mecanismo importante de arrecadação para todos os países, porque ele custeia os serviços e as políticas públicas. A escola do bairro, o remédio do postinho de saúde, a cirurgia no hospital de referência e até o dinheiro do Bolsa Família são pagos com impostos.

Por isso, não é equilibrado comparar as alíquotas brasileiras com a de países que não oferecem saúde, educação universal e seguridade social, como os Estados Unidos. “Eles gastam menos, logo podem arrecadar menos”, complementa Leandro.

Mas, para Ana, os impostos no Brasil são altos se comparado ao que tem sido oferecido no setor público.

“A gente paga imposto o tempo todo, desde a compra de um produto no mercado até quando declara o imposto de renda”, comenta. “É ICMS, IPVA, IPTU… imposto em cima de imposto. O governo tinha que devolver uma condição melhor para o cidadão brasileiro, com hospitais, educação e transporte público de qualidade.”

A assistente administrativa acredita que o brasileiro paga muitos impostos para uma baixa qualidade das políticas públicas @Jacqueline Maria da Silva/ Agência Mural

Para o economista do Dieese, existe uma disparidade no incômodo de Ana – e de grande parte dos brasileiros. Além dos ricos pagarem menos impostos proporcionalmente, o governo brasileiro também acaba gastando mais com eles do que com os mais pobres.

Isso porque há grandes investimentos na chamada renúncia fiscal, quando o governo abre mão de receber parte dos tributos devidos de uma empresa para ajudar a manter sua saúde econômica. A perspectiva é que em 2025 essas isenções superem a marca de R$ 500 bilhões.

“Não sou contra esse tipo de ação, mas no Brasil não se avalia se ela está funcionando”, afirma Leandro.

‘Políticas fundamentais que impactam na população, como saúde, carecem de recursos ou são alvo de corte quando se precisa enxugar o orçamento’

Leandro Horie, economista do Dieese

Do outro lado, é difícil que a renúncia fiscal chegue aos pequenos comerciantes. “No final do mês, a gente sente o peso de tudo aquilo que compramos e vendemos. O pequeno comerciante de bairro está lutando para sobreviver”, diz Vagner, paga todos os tributos como microempreendedor, mas tem dificuldade de investir no próprio negócio justamente por causa da alta carga de impostos.

Trabalhadores CLT geralmente têm descontos na folha de pagamento, enquanto os pequenos empresários pagam seus impostos por conta própria, que variam conforme o tamanho da empresa. Já pessoas com maior renda e grandes empresas têm mais acesso ao chamado “planejamento tributário”, uma forma lícita de reduzir a carga tributária.

Hoje a maior tributação é sobre consumo, o que acaba impactando na renda das pessoas mais pobres @Jacqueline Maria da Silva/ Agência Mural

Assim, essas empresas conseguem lançar mão de algumas estratégias para pagar menos impostos, como adquirir bens isentos ou remunerar funcionários por meio de dividendos. A própria contratação de trabalhadores como PJ é uma forma de reduzir o pagamento de encargos trabalhistas ao governo. “Você tem muita gente tentando burlar o fisco dentro de meios legais”, reforça Leandro.

Segundo o painel Sonegrometro, do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o Brasil já deixou de arrecadar ao menos R$460 bilhões devido à sonegação de impostos entre janeiro e setembro de 2025. O Governo Federal aponta que, em 2024, a cada 100 declarações de Imposto de Renda, três caíram na malha fina. A cada 10 declarações retidas, três foram por omissão de rendimentos.

A cadeia dos impostos e a reforma tributária

Ana trabalhou por anos na área de contabilidade, na arrecadação de impostos. Nesse período, via de perto o quanto a tributação aumentava o preço dos produtos. “Ele saía de São Paulo e tinha que pagar a alíquota do Rio de Janeiro para entrar lá”, exemplifica.

Esse é um movimento de sobreposição de taxas ao longo da cadeia de produção e transporte. O valor tende a ser alto e cumulativo por causa da logística longa e complexa do Brasil, que agrega impostos federais, estaduais e municipais.

Brasileiros trabalharam em média 149 dias por ano para pagar impostos, segundo Impostômetro @Léu Britto/ Agência Mural

Os pequenos comerciantes das periferias costumam ser os mais impactados. Isso porque, quando há aumento na alíquota de imposto, as grandes empresas conseguem repassar essa variação no preço final. Já o pequeno comerciante não tem essa flexibilidade, porque a concorrência entre negócios de bairro é maior e os clientes têm menos poder de compra.

Vagner, dono de uma mercearia em Cidade Tiradentes, sente essa variação na pele – ou no bolso. Ainda assim, ele vislumbra um cenário diferente no futuro, com as mudanças anunciadas na Reforma Tributária sobre o Consumo, sancionada em janeiro de 2025. Uma delas é a isenção de impostos para alimentos da cesta básica, medida que impacta diretamente seu lucro.

O conjunto de medidas entra em vigor em 2026, com implantação progressiva até 2033, e promete simplificar a tributação sobre o consumo.

A cada R$ 100 de impostos arrecadado no Brasil , R$ 38 vem do Estado de São Paulo, segundo o Impostômetro @Léu Britto/ Agência Mural

Uma das possibilidades que mais entusiasmam o comerciante é a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda. “Já existe um projeto para que quem ganha até R$ 5 mil seja isento. Será um benefício tanto para o empregado quanto para toda a população brasileira, que terá mais poder de compra. Vai sobrar mais dinheiro para circular no país”, projeta Vagner.

“Quando você faz uma política desse tipo, as pessoas terão mais dinheiro disponível para poder pagar um curso, viajar, comprar alguma coisa que queira”, concorda Leandro, economista do Dieese. Contudo, essa proposta faz parte da Reforma Tributária por Renda e Patrimônio, que ainda segue em debate no Congresso.

Leandro considera a reforma baseada no consumo um avanço importante e ressalta que a participação popular é fundamental para alcançar uma verdadeira justiça tributária. “É preciso maior representatividade no Congresso, com figuras que lutem por investimentos e mudanças que favoreçam as classes mais pobres e a classe trabalhadora.”

* Esta reportagem foi produzida com apoio do Território da Notícia como parte da campanha Justiça Tributária, Já

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Jacqueline Maria da Silva

Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.

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