Matheus Oliveira/Agência Mural
Por: Matheus Oliveira
Notícia
Publicado em 31.05.2022 | 9:00 | Alterado em 08.06.2022 | 12:06
“Dirigidor Legal” é o perfil nas redes sociais de Guilherme Bittencout, 41, morador da Vila Prudente, na zona leste de São Paulo. Ele trabalha como motorista de ônibus há 13 anos e durante a pandemia de Covid-19 começou a publicar vídeos com histórias e curiosidades relacionadas ao seu cotidiano no transporte público da capital.
Com um jeito de falar simpático e bem humorado, Guilherme conquistou a internet. São cerca de 200 mil seguidores no TikTok, 41 mil no Instagram e mais de 30 mil no Kwai. Para esse público que o segue, ele busca destacar os bons profissionais e derrubar a imagem do motorista de ônibus mal educado e carrancudo.
“Queria ajudar aquele funcionário que não é visto. Têm uns caras que se destacam muito e eu queria fazer um vídeo com eles e tornar o motorista de ônibus mais humano, mostrar que a gente está ali no dia a dia das pessoas”, diz.
Os primeiros vídeos do motorista eram sobre a rotina da garagem, como um diário, pensados para o YouTube. Só que não houve muitas visualizações. Depois, para acompanhar as publicações do também motorista e tiktoker Matheus Kafica, Guilherme baixou o aplicativo e resolveu apostar na plataforma sem nenhuma pretensão.
“Comecei a postar [vídeos] trocando o carro, esperando socorro [no TikTok]. E começou a dar views [visualizações]. Um único vídeo que lancei já teve 15 mil. Eu falei: ‘caramba'”, relembra.
Além de gravar detalhes sobre garagem e o setor da manutenção dos ônibus, veio a ideia de tirar dúvidas dos seguidores. “A galera começou a fazer perguntas, eu comecei a responder, dentro do ônibus. Não imaginava que eu ia pegar esse público.”
Até abril deste ano, Guilherme trabalhou como motorista reserva das linhas de ônibus noturnas da cidade de São Paulo. Começava a se arrumar para trabalhar às 22h, pegava a moto e seguia para a garagem da cooperativa Metrópole Paulista, no Brás, centro. Chegava às 22h30, já uniformizado, cumprimentava os colegas e dizia que estaria no “carro”, como os pilotos das cooperativas chamam os ônibus.
No intervalo de 30 minutos para sair da garagem, Guilherme desbloqueava o celular e lia as perguntas enviadas pelos seguidores. Aparecia de todos os tipos: pedidos de histórias, perguntas técnicas e curiosidades sobre a condução dos ônibus. Sem roteiro, e com uma postura de corpo fixa, Guilherme ligava a câmera e começava a gravar.
Atualmente, ele é motorista reserva das linhas diurnas, atuando quando algum motorista falta ou está de férias. A mudança de horário foi um pedido de Guilherme para aproveitar melhor o dia.E os vídeos que produz seguem com a mesma proposta.
Agora, começa o trabalho entre 4h e 4h30 e varia de linha. Os trajetos que pega passam pelo centro, zonas leste e oeste: Parque Dom Pedro – Terminal Pinheiros; Parque Dom Pedro – Penha; Parque Dom Pedro – Butantã; e Parque Dom Pedro – Aricanduva.
Normalmente, os vídeos para as redes sociais duram poucos segundos, mas a história de Guilherme com o busão levaria uma quantidade incalculável de postagens. Ele conta que o pai, Vander Silva, falecido há três anos, o levava para o trabalho.
Vander era motorista de ônibus da antiga CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos). O pequeno Guilherme o acompanhava no trânsito e como recompensa ganhava coxinhas e refrigerante nos intervalos. A brincadeira de criança era se imaginar como motorista de ônibus.
“Quando chegava no ponto final ele [pai] me colocava lá no volante. E cara, eu ficava fascinado. Lembro que ia para a feira com a minha mãe e fingia que estava dirigindo”
Demorou um pouco, mas o sonho de criança se concretizou. Depois de trabalhar em uma rede de fast food e em uma barraca da feira, Vander levou o currículo do filho na cooperativa de ônibus. E deu certo. Guilherme começou como cobrador, onde chegou a trabalhar com o pai, passou para motorista de pátio e hoje está há 13 anos na função.
Apesar do prazer em dividir conhecimentos e responder perguntas específicas de busólogos – os apaixonados por ônibus -, o dinheiro com os vídeos ainda é curto.
Para complementar a renda, Guilherme trabalha como motoboy em aplicativos de entrega de comida. Alguns motofretistas e clientes já chegaram a reconhecê-lo dos vídeos da internet. Os passageiros do ônibus, seja por pressa ou desatenção, pouco o reconhecem na rua.
Trabalha para sustentar a vida na Vila Prudente com a esposa e uma enteada. Ele também tem outros planos para o futuro, sem abrir mão das raízes.
“Nunca tive vergonha do que faço, sabe? Tô lutando por uma condição financeira melhor e não tenho preguiça de trabalhar. Não vejo problema nenhum”, ressalta.
“Obviamente que se o Instagram, o Kwai começar a me dar um dinheiro a ponto de largar [o trabalho como motoboy], eu largo”, garante. Mas larga apenas uma parte: “o ônibus não.”
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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