Por: Cíntia Gomes
Publicado em 06.12.2018 | 15:44 | Alterado em 22.11.2021 | 16:42
Na última terça-feira (4), pelo quarto ano consecutivo, a Agência Mural de Jornalismo das Periferias foi convidada pela Folha de S. Paulo para participar do programa de atividades com os jornalistas bolsistas do programa Knight-Wallace Fellowship, coordenado pela Universidade de Michigan (EUA).
No total 23 participantes do programa e seis jornalistas da Folha de S. Paulo, foram para regiões periféricas da capital paulista e Grande São Paulo, acompanhados pelos correspondentes da Agência Mural.
As visitas também contaram com a participação de líderes comunitários, produtores culturais, entre outros moradores, que puderam trocar experiências.
Os muralistas contam como foi a visita em seus bairros.
Aline Kátia Melo – correspondente da Jova Rural (zona norte)
É a quarta vez que recebo um grupo de jornalistas, dessa vez uma americana, um americano, um sueco e um israelense (Itai Henry Anghel, Michelle Bloom, Fredrik Maurits Laurin, Benjamin Surace Penn), vindos da Universidade de Michigan e acompanhados de uma jornalista, Vanessa Henriques, da Folha de São Paulo que atuou como tradutora.
Eles vieram conhecer a Jova Rural (Jova York) e o bairro do Jaçanã. Chegaram em minha casa às 10h da manhã e conversaram com minha mãe e irmã. E contei um pouco sobre mim e o trabalho na Agência Mural desde 2011. Fomos na rua Paulo Mendes Rodrigues conversar com a moradora Lúcia Helena sobre um problema com esgoto a céu aberto em um terreno da CDHU.
Já fiz duas matérias sobre o assunto e esse aborrecimento não foi solucionado. É uma rua que tem dois perfis de pessoas: moradores que cuidam e plantaram árvores frutíferas no local. E pessoas que aparecem de carro para despejar entulho no terreno que já tem a questão do esgoto.
Visitamos o Centro de Integração a Cidadania (CIC) Norte, um local ligado a três matérias minhas feitas esse ano: o perfil sobre o Jefferson contra mestre de Capoeira, Wellington e o projeto música no CIC que conseguiu revitalização da arena grega do espaço e da minha matéria mais recente com o Márcio, auxiliar de limpeza que ensina a fazer bolos. Ele trouxe um bolo de canela feito com muito carinho para o nosso café. Também conversamos com a diretora Denise e a psicóloga Doralice sobre os programas e projetos desenvolvidos por lá.
Dentro do CIC avistamos outros dois locais que fazem parte das minhas matérias: a escola Gustavo Barroso, que teve um muro quebrado pela queda de uma árvore e foi consertado nove meses depois, antes das eleições 2018 e a obra da UBS Jova Rural atrasada há dois anos e dois meses (continuo acompanhando). Almoçamos em um pequeno e aconchegante restaurante no bairro do Jaçanã. Passamos em frente ao Museu do Jaçanã que marcou o final da visita.
Eduardo Silva – correspondente de São Miguel Paulista (zona leste)
A visita dos fellows (Atli James Andrew Vicens, Rachel Nava Rohr e Natasha Khan) junto à jornalista da Folha de S. Paulo, Camila Gambirasio, ao meu bairro São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, foi muito agradável.
O tour começou às 10h20 e nossa primeira parada foi a Capela de São Miguel Arcanjo. A guia Maria Alice, com quem foi agendada a visita uns dias antes, nos mostrou e explicou sobre os espaços da capela e do museu arqueológico que existe lá dentro. Foi uma visita muito rica, culturalmente falando.
James, inclusive, disse que nos Estados Unidos não existem museus ou roteiros que fazem esse tipo de resgate histórico. Curioso, também, é que nenhum dos três é religioso – e nem eu –, mas todos adoraram visitar o templo.
De lá, fizemos uma caminhada pelo centro comercial, rumo ao mercado municipal do bairro. No caminho, Rachel me perguntou qual era minha comida preferida no Brasil. Eu disse “pizza”. Ela, “cerveja”. Mas lá em Michigan.
Achei melhor não propor tomar uma cerveja durante o trabalho, mas não hesitei em perguntar: “você já comeu brigadeiro?”. A resposta foi não. Digamos, então, que eu realizei um sonho que era apresentar o brigadeiro para um grupo de gringos. Nosso almoço, portanto, foi pastel. E brigadeiro, de sobremesa. Afinal, ninguém estava muito faminto. Mas eles adoraram – e olha que o brigadeiro nem estava tão bom.
Descobrimos que temos gostos muito parecidos para música e séries de TV. Camila e eu tínhamos ido ao show da banda americana Green Day, em novembro de 2017, aqui em São Paulo. James e Natasha foram a um show deles também, lá em Michigan mesmo. Não lembro se a Rachel comentou sobre seu gosto musical, mas sei que ela gosta muito de Game of Thrones – e inclusive me disse que eu precisava começar a assistir. Ok, Rachel, em breve começarei, prometo.
Voltando ao roteiro, nossa última parada ocorreu nas ruas grafitadas do Jardim Helena, bairro vizinho. Contamos com a presença do morador do bairro e grafiteiro Emis, que estava junto com sua esposa e seu filho, e explicou sobre o trabalho que é realizado ali. Creio que os três gostaram muito do que viram, especialmente a parede com pintura do filme Star Wars. Pausa para as fotos. Lá também tem uma pintura em homenagem à Marielle Franco, o que rendeu perguntas sobre política e violência no Brasil.
Quando vimos, já eram 14h30 – o horário limite que tínhamos. Foram quatro horas que passaram rápido demais, mas foi uma ótima experiência e eu realmente gostei muito de fazer parte disso. Espero vê-los novamente num futuro próximo.
Humberto Müller – correspondente de Mairiporã (Grande São Paulo)
Os visitantes eram do Texas e de Uganda (Arnessa Maria Garrett, Aaron Michael Nelsen, Carla Christy Nelsen, Stephen Ssenkaaba) e o jornalista da Folha de S. Paulo, Everton Lopes Batista.
Logo no início do passeio nós já fomos presenteados com a vista do Pico do Olho D’água, onde pudemos ver toda a região e onde foi explicado sobre a formação da cidade e a pressão ambiental que ela enfrenta com o avanço urbano sobre a mata.
Paramos também em mirante turístico e religioso, que ainda precisa de infraestrutura, nesse local existe uma nascente e eles puderam tomar água direto da fonte.
Lá vimos também as invasões para construir casas, e como a coleta de lixo é um problema na região. Fomos surpreendidos por uma cachorrinha que parecia brava, mas não era, e que segundo uma moradora tinha dado à luz recentemente.
Seguimos para uma das barragens do Sistema Cantareira para tratarmos sobre a crise hídrica. Ao comentar sobre uma cachoeira próxima, mudamos o caminho planejado e paramos lá também.
Na cidade, além do almoço, eles puderam conhecer um pouco do cotidiano, viram a decoração de natal sendo montada, o movimento no comércio, uma das pessoas pediu inclusive para ir aos Correios. Fomos a igreja matriz, onde o Stephen (o rapaz de Uganda) aproveitou para fazer uma oração.
Em um dos locais que passamos uma senhorinha nos cumprimentou da janela na ida e na volta, uma alegria tamanha.
Eles tiveram a chance também de conhecer um pouco da comida e dos costumes da região, experimentaram o farto almoço mineiro, alguns doces, depois ainda o caldo de cana e a água de coco.
O clima da montanha também fez sucesso,. Eles elogiaram a água da Cantareira e principalmente o ar que respiraram por aqui, foi inusitado, mas é algo que às vezes não damos valor, mas faz diferença.
Tiramos muitas fotos, trocamos experiências de vida e de trabalho, foi uma grande oportunidade de mostrar um lado diferente do Brasil e da metrópole, assim como do trabalho da Mural e de como cobrimos regiões que dificilmente tem espaço na mídia.
É tudo realmente novo pra eles, e ser apresentado ao país conhecendo algo fora dos locais tradicionais certamente ajuda a construir uma imagem mais completa que eles terão do Brasil. Ouvi de todos que eles voltariam se pudessem.
Kátia Flora – correspondente de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo)
A visita dos jornalistas americanos (Seema Bharet Mehta, Mark Nicholas Chervinsky, Seung Jin Choi e Birgit Rieck ) e do jornalista da Folha de S. Paulo, Rafael Balago, à cidade de São Bernardo do Campo, ABC Paulista, foi muito boa.
Foram na pista de skate ponto turístico de crianças e jovens, que fica no centro em frente a prefeitura, o prédio que seria o Museu do Trabalho e do trabalhador (homenagem ao ex-presidente Lula), matéria que fiz em 2016 sobre a obra que está paralisada há mais de dois anos e em breve será a fábrica de cultura.
Eles ficaram surpresos com o trânsito pela manhã devido às obras nas vias públicas como a mais conhecida projeto Drenar (combate a enchente). Foram conhecer a Chácara Silvestre, um casarão construído na década de 1930 pelo prefeito Wallace Simonsen, o local atualmente tem exposições de culturas populares e tradicionais, como indígena, afro e sobre presépios de outros Estados e países. Perceberam o contraste de diferenças sociais, as comunidades e ocupações às margens da Rodovia Anchieta.
Fomos visitar o cineasta Milton Santos, morador da Vila São Pedro, que tem 22 filmes, o mais famoso, “Pé de cabra”, uma comédia romântica. Santos falou da dificuldade de fazer filmes na periferia e da ajuda dos vizinhos para o cenário dos longas.
Em um bairro próximo, o Parque São Bernardo, o grupo de americanos conheceu a benzedeira Dona Ana Lemes, em que fiz uma reportagem este ano. Ela contou um pouco do seu dom de benzer e amparar as pessoas que buscam cura de doenças e até emprego. Os estudantes da Universidade de Michigan, gostaram do trabalho que ela exerce para a sociedade, fazer o bem.
Ao final do passeio fomos para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, um local histórico na cidade, onde o ex- presidente Lula se entregou à polícia federal em abril. O diretor do espaço mostrou a sala com alguns documentos da ditadura e o lugar que armazena objetos do Lula.
O passeio foi produtivo, eles viram de perto as histórias de pessoas que resistem nas periferias.
Priscila Pacheco – correspondente do Grajaú (zona sul)
Recebi jornalistas dos EUA, Inglaterra, Porto Rico e Afeganistão (Anders Christian Kelto, Catherine Teresa Walsh Mackie, Luis Rafael Trelles e Ahmad Jawad Sukhanyar) e a jornalista da Folha de S. Paulo, Bianka Vieira.
Eles viram algumas complexidades do distrito do Grajaú, que é a mistura de problemas pela ausência do poder público e a potência cultural sustentada por alguns moradores.
O ponto de partida foi o Calçadão Cultural do Grajaú, espaço onde acontecem vários shows. No prédio em frente são realizadas atividades como as rodas de filosofia e poesia. E abriga uma biblioteca. Fizemos uma parada no camelô e conversamos sobre pichação e grafite.
Depois atravessamos a balsa que funciona 24 horas, fomos para a Ilha do Bororé. No pós-balsa a galera conheceu o boteco que fica em frente da igreja Capela de São Sebastião, que é patrimônio histórico tombado. Eles provaram duas bebidas típicas da região que são feitas de cachaça: o abacaxizinho e o licor de cambuci. Fizemos uma parada no camelô e conversamos sobre pichação e grafite.
Batemos um papo na Ecoativa, centro eco-cultural mantido por moradores da região, sobre permacultura. O Jai explicou como a permacultura é praticada no espaço e como é desenvolvido um trabalho com a escola vizinha.
Eles também puderam ver as mudanças de cenário, que vai do urbano para o rural. Aproximadamente 10% do Grajaú está em área de proteção ambiental.
Por fim, falamos sobre alimentação. Conversamos com a Kim Alecrim, moradora do Grajaú que defende uma alimentação saudável com poucos industrializados e sem agrotóxico. Parte dos ingredientes eram orgânicos e foram colhidos no próprio bairro. Além disso, serviria bem a galera que é vegana, pois não foi usado nada de origem animal.
Matheus de Souza – correspondente de São Mateus (zona leste)
Em São Mateus recebi os fellows (Lynette Clemetson, Itai Henry Anghel, Sharilyn Denise Hufford e Neda Elizabeth Ulaby) junto com o jornalista da Folha de S. Paulo, Daigo Oliva Suzuki.
Não levei os estudantes de Michigan a pontos turísticos de São Mateus. Apresentei o que faz o bairro onde nasci ser especial para mim, o que me torna “Matthew of Saint Matthew”.
Faço piada em inglês, mesmo sem dominar o vocabulário. Com tradução do jornalista Daigo de Oliva da Folha de São Paulo, participante da ‘Knight-Wallace Fellowships, troquei saberes e vivências com Lynette Clemetson, chefe do programa na universidade de Michigan, Sharilyn Hufford, Christoph Fuhrmans e Neda Ulaby.
O motorista Sérgio Ricardo os deixou no Centro Estudantil Unificado – CEU São Mateus. No alto do Parque Boa Esperança, zona leste, os jornalistas estadunidenses viram o tamanho do bairro de São Mateus. Perguntaram sobre a gestão do centro educacional, verba, números de crianças matriculadas e evasão escolar. Uma aluna do nono ano também ficou impressionada com a altura de Christopher e pediu para tirar uma foto.
Para celebrar a visita, o bibliotecário e meu amigo, Carlos Otelac, cantou acompanhado por Bruno Duarte no violão, músicas do Nirvana, Beatles e Chico Buarque.
Após a visita fomo guiados por Sérgio Ricardo à casa de minha tia Isabel. Lá minha família nos esperava com o almoço pronto e coração aberto.
De maneira educada os Fellows se serviram após eu preparar o meu prato. Almoçamos frango, arroz de forno e salada. Eles elogiaram a comida e perguntaram sobre minha faculdade, com o que queria trabalhar quando criança.
Expliquei que imaginava ser guia turístico, mesmo de forma indireta foi no que me transformei nessa terça-feira. Digo a eles o quanto minha família está honrada em recebê-los. Em retribuição os jornalistas agradeceram a boa comida e Sérgio clicou uma foto com todos.
Com o tempo apertado fomos dar uma volta nas últimas quadras da avenida Mateo Bei. Mostrei uma das primeiras construções do bairro, ao lado da inacabada estação do monotrilho.
Peguei uma carona com eles para o centro da cidade e continuamos conversando sobre política e jornalismo. Na despedida trocamos cartões e bons abraços.
Mesmo com línguas diferentes trocamos experiências sobre o ser jornalista. Sem querer mostrei minha essência a esse grupo de estudantes. Eles andaram pelas mesmas ruas que eu, receberam o mesmo carinho que recebo e partem com uma parte de mim, e eu partes deles.
Diretora institucional e cofundadora da Agência Mural, correspondente do Jardim Ângela desde 2010. Como boa escorpiana, é desconfiada, decidida e curiosa. Ama o mar, livros, dançar, ver filmes, comer doces e pipoca.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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