João Pedro Rodrigues, 32, nunca se viu representado nos museus. Nascido em Itaquera e tendo vivido parte da trajetória na Cohab Juscelino, na zona leste de São Paulo, hoje ele é museólogo. Enquanto morador de periferia, o que lhe atraiu dentro da área foi compreender a falta de preservação das memórias das quebradas.
Na zona leste, onde ele cresceu, existem lugares que contam a história da região, mas ainda há pouca oferta de museus. “Onde estão os museus? E quais histórias esses espaços contam? No geral, estão concentrados nas partes ricas [da cidade] e contam sobre a história das mesmas pessoas”, diz.
Foi aí que decidiu o caminho que tomaria a sua pesquisa. “O que tem guardado sobre a história daqui [de Itaquera]? Foi quando percebi isso que comecei a estudar o que estava mais próximo da minha realidade”, conta ele.
Museólogo estuda a falta de preservação das memórias das quebradas @Arquivo Pessoal
Sendo museólogo, João Pedro atua na organização e conservação de itens de valor histórico, cultural ou artístico. “A gente [museólogos em geral] é responsável por sistematizar os processos dentro dos museus, mas também fora, em outros espaços.”
“Os museus são políticas públicas de memória, ajudam a construir a identidade de determinada população e isso é de extrema importância”
Segundo ele, cerca de 70% dos museus surgem de iniciativas públicas. Além da falta de acesso a esses equipamentos, há um deficit no que se refere à memória e identidade da população periférica.
Ele enfatiza também a importância de existir espaços estruturados nas quebradas. “Hoje, temos o Museu das Favelas, que fica no centro, e é uma iniciativa muito legal. Mas precisamos de uma política macro que este museu sozinho não dá conta”, ressalta.
Museu das Favelas, inaugurado em 2022 no centro de São Paulo @Carlos Pires
Outras versões da história
“É preciso entender quais acervos existem sobre as periferias, sobre outros bairros que não os centrais. O papel do museu é também se opor à história hegemônica, pois se você vai ao museu nacional, por exemplo, você encontra a história dos ‘vencedores’, reis, rainhas”, pontua.
Para o especialista, o próprio Museu da Cidade de São Paulo não traz uma narrativa completa da formação da capital.
“Infelizmente, quando você vai ver as exposições, repara que a história das periferias não está sendo contada”
Na atual pesquisa de mestrado, João Pedro decidiu jogar luz sobre a memória popular que não está registrada nos espaços convencionais, como por exemplo o futebol de várzea.
“Como gosto de futebol de várzea, me deparei com os troféus, os documentos e coisas antigas dos times. Olhava isso e via a recorrência nos campos de futebol de várzea, e acaba tendo o mesmo padrão”, conta.
A partir disso, ele começou a pesquisar a Associação Atlética Cohab Juscelino, em Guaianases, e os processos de musealização dos times de futebol de várzea dali.
Segundo o pesquisador, é preciso estruturar processos de museologia permanente nas periferias para que as iniciativas se retroalimentem.
“A zona leste tem mais de 4 milhões de habitantes, quase um terço da cidade. Em São Paulo, são 123 museus oficiais, mas na zona leste são apenas 7 [três estão fora dos dados da prefeitura]. Esses quatro representam 3% dos museus. Mesmo sendo regiões populosas, não temos museus oficiais institucionalizados.”
A zona oeste é a região campeã em museus, com 48 deles. Estão espalhados por 10 distritos, como Butantã, Pinheiros e Jardim Paulista. O centro da cidade também concentra alto número desses equipamentos, principalmente na Sé, Consolação e no Bom Retiro, totalizando 39 museus. A zona sul traz 24 museus, e a zona norte tem oito.
O processo de guardar
Dentre os lugares que contam um pouco sobre as quebradas na região leste, estão o Centro de Memória da Penha; o Botafogo de Guaianases, Grêmio Botafogo Futebol Clube, em Guaianases; e o acervo Cohab Juscelino.
Distrito da Penha, na zona leste, tem memorial com a história local @Humberto Müller/Agência Mural
Há também o Museu do Jardim Vermelhão, em Guarulhos, cidade da região metropolitana; o Complexo Esportivo Campo de Marte, que conta sobre a região; e o Centro de Memória Queixadas, em Perus, na zona noroeste de São Paulo.
João Pedro menciona que é preciso compreender a valorização da ação de guardar determinados itens. “Quando você escolhe não jogar algo fora e guardar, você entende o processo museológico nas periferias. Não jogar determinada coisa fora é dar importância para isso. E tem tudo a ver com a história dos lugares, o valor dentro de um museu, por exemplo.”
Até mesmo no caso do futebol de várzea, é possível observar essa ação do guardar como registro de acontecimentos importantes dos times e dos bairros.
“Existem moradores que guardam as histórias dos bairros. É possível encontrar em grupos no Facebook, [com] fotos de escola, de times de futebol. E isso não se trata de museus, mas são processos de identificação de valores”, explica.
Apesar das iniciativas de moradores, o especialista sinaliza que há poucos avanços nos registros históricos, sobretudo quando se fala em raça e desigualdades. “São quase 500 anos de negligência quanto à preservação da memória física dos povos pretos e periféricos”, finaliza.
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