Por: Gisele Alexandre
Publicado em 10.11.2018 | 9:54 | Alterado em 13.11.2018 | 14:23
Em 2007, os poetas Sérgio Vaz, 54, e Marco Pezão, 67, atuantes nas periferias da zona sul de São Paulo queriam fazer algo diferente para ampliar a divulgação de artistas do bairro e descentralizar o acesso à cultura: criar uma Semana de Arte Moderna da Periferia.
A referência era o movimento realizado na década 1920 e que marca a história de São Paulo pelo chamado modernismo brasileiro. Foi assim que nasceu a Mostra Cultural da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia).
“Criamos a mostra com objetivo de revelar os nossos artistas juntando com artistas do centro, sempre com a ideia de agregar e construir pontes”, conta Sérgio Vaz.
Neste ano, a mostra chegou a 11ª edição e terá o show de encerramento no domingo (11), a partir das 15h, na praça do Campo Limpo, com participação de Odair José, Tássia Reis, Lino Krizz e Paulo Miklos.
A mostra teve duração de nove dias e promoveu intervenções artísticas e literárias em espaços públicos dos bairros do Jardim Pirajussara, Capão Redondo, Jardim Guarujá, Piraporinha, Jardim das Flores, Jardim São Luiz, M´Boi Mirim e Jardim Ângela.
Os organizadores contam que as atividades artísticas planejadas para a Mostra Cultural estão sempre comprometidas com a cidadania, já que a cultura é abordada como direito humano fundamental. Os temas refletem dificuldades diárias vividas por quem mora nas periferias.
“A mostra é de nós pra nós, essa é a diferença. Nela conseguimos mostrar pros nossos artistas, pras nossas crianças, pros nossos professores, pras nossas comunidades – são várias -, que nós somos possíveis”, diz Rose Dorea, 45, uma das organizadoras da Mostra e musa da Cooperifa. “O dia que a periferia descobrir a força que tem, ela muda o país”, completa.
RESISTÊNCIA POÉTICA
“O silêncio é uma prece, pessoal”, diz Cocão Avoz, 39. Rapper e poeta, ele usa o microfone instalado em um local estratégico no salão do Bar do Zé Batidão. O respeito à escuta é uma das características do Sarau da Cooperifa, evento realizado todas as terças-feiras, das 20h30 às 22h30, no Jardim Guarujá.
O sarau antecede a mostra. A estreia foi em 2001 em um bar no Taboão da Serra, na Grande São Paulo, e nasceu do desejo de ter um espaço para troca de experiências, esperanças e perspectivas usando como instrumento a arte e, principalmente, a poesia.
Em 2003, o evento mudou para São Paulo, no distrito do Jardim São Luís, onde até hoje todas as terças-feiras reúne cerca de 400 adultos e crianças para saborear poesia. “A Cooperifa é consciência e atitude. É uma emoção única ver crianças declamando. Acredito que nós estamos criando nosso futuro, uma nova sociedade”, conta Rose. “A Cooperifa é minha vida, meu porto seguro, onde eu posso dizer o que eu penso e posso respirar”, finaliza Rose.
No último dia 6 de novembro, os organizadores da Cooperifa prepararam uma edição especial para comemorar os 17 anos de existência. Ou resistência, como gostam de dizer. O Bar do Zé Batidão estava cheio, eram mais de 60 poetas e poetisas inscritos para declamar.
Um dos participantes era Joh Contenção, 31. Poeta, compositor e rapper, ele mora no Jardim Letícia, também no distrito do Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo. “Frequento a Cooperifa há dois anos e meio e pra mim ela serve como um refúgio da opressão diária”, afirma. “Posso dizer que nesses últimos tempos a Cooperifa tem sido uma mãe e um pai pra mim, porque aqui me sinto acolhido e quando eu saio estou renovado”, ressalta Joh.
Além dos organizadores já conhecidos no sarau, cada semana serve para ver uma renovação e encontrar novos admiradores do espaço. Alguns vêm de longe. É o caso de Thayna Manfredini, 15, estudante, moradora da Vila Gustavo, zona norte de São Paulo. “Sempre adorei a poesia do Sérgio Vaz. É a primeira vez que venho no sarau da Cooperifa e achei sensacional. Independente da distância, pretendo vir outras vezes e trazer mais gente pra conhecer”, conta Thayna.
UMA ARTE
“A Cooperifa é um lugar onde todo mundo aprende e ninguém ensina”, ressalta Sérgio Vaz. Além da Mostra Cultural e do Sarau, Sérgio Vaz e a Cooperifa também são produtores de outros eventos na periferia da zona sul.
O Cinema na Laje promove exibições gratuitas de documentários e filmes alternativos para a comunidade; o Festival Várzea Poética, que oferece camisas para times de futebol de várzea que se comprometem a participar do Sarau; o Poesia no Ar, que espalha poesias pela cidade de São Paulo dentro de bexigas voadoras no mês de abril; o Chuva de Livros, que faz distribuição gratuita de centenas de livros; e o Ajoelhaço que no dia 8 de março (Dia Internacional das Mulheres) convida homens a se ajoelharem para pedir perdão às mulheres por séculos de machismo.
“Acho que a nossa cara é estar junto com a comunidade, não importa onde ela esteja. Se está na favela, na escola ou no campo de várzea. Nós não escrevemos para as pessoas, escrevemos com as pessoas. Então acho que é isso que a gente está aprendendo: falar com e não para”, finaliza Sérgio Vaz.
Gisele Alexandre é correspondente do Capão Redondo
[email protected]
Jornalista de quebrada, educomunicadora, coordenadora de projetos, fundadora do podcast Manda Notícias e integrante da Escola Feminista Abya Yala. Mãe do Pedro Henrique, libriana, apaixonada por gatos e pelo trabalho. Correspondente do Capão Redondo desde 2018.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]