Por: Ira Romão
Notícia
Publicado em 30.09.2020 | 16:29 | Alterado em 22.11.2021 | 16:00
Acostumada a receber clientes com um visível sorriso e um caloroso abraço, tem sido difícil para a cabeleireira Jackeline Souza, 33, se habituar à nova rotina com os rígidos protocolos de funcionamento e de higiene.
Por conta da Covid-19, ela teve de se readaptar para manter as portas do salão abertas com segurança. Mas sente falta dos encontros e das conversas no tempo de espera do atendimento.
“Sinto saudades da aglomeração, daquele ‘vuco vuco’, de várias clientes juntas, falando ao mesmo tempo. Algumas aguardando o produto agir no cabelo, outras marcando horário”, desabafa a cabeleireira.
Fechados por mais de três meses por determinação do Governo Estadual para deter o avanço do novo coronavírus, os salões de beleza foram reabertos em São Paulo no início de julho, na fase amarela do plano de flexibilização da quarentena.
Desde 2006, Jackeline é sócia da mãe, Janete Barbosa, 53, no salão de beleza que ela deu início há 31 anos, na garagem de casa em Pirituba, na zona norte de São Paulo. Ela cresceu nesse ambiente que exige muito contato físico e sempre aglomerou pessoas.
Com a pandemia, a cabeleireira viu o cenário mudar. Primeiro com o baque do fechamento por conta da quarentena, depois com a retomada gradual das atividades que tem exigido adaptações: uso de álcool gel, máscara, termômetro e tapete sanitizante na entrada (com desinfetante ou cloro, ele serve para higienizar os sapatos).
Além disso, tem a limpeza de maçanetas e a higienização dos utensílios e equipamentos. “Me sinto uma tia da creche que tem que ficar de olho nas crianças”, brinca. “Onde as clientes colocam a mão a gente tem que limpar. É limpeza o dia todo. E isso está destruindo nossas cadeiras, elas estão todas rachadas porque o couro resseca com o álcool”.
SEM ENCAIXE
Para evitar que o espaço fique cheio e garantir a higienização, ela tem de planejar as agendas das quatro profissionais que atuam no salão, espaçando os horários entre os atendimentos, não tem sido tarefa fácil.
“Antes a gente marcava por agenda (corte, depilação, manicure, procedimentos químicos)”, conta. “Agora a gente tem que comparar quatro agendas, para saber se conseguiremos marcar outra pessoa. Inclusive, porque temos que higienizar a cadeira e tudo mais”.
Para ela, a redução de atendimentos tem impactado não apenas no retorno financeiro, mas no relacionamento com a clientela, que estava acostumada a sempre conseguir um encaixe no horário. Agora, há uma lista de espera.
Procedimentos como luzes, em que conseguia atender até cinco clientes por dia, agora tem sido possível com no máximo duas.
“Alguns clientes não entendem por que não tem horário. Muitos perguntam se podem vir e ficar no cantinho aguardando um encaixe. Isso não pode mais”, reforça. “É complicado ter que explicar pra pessoa que não é que você não quer atendê-la, mas sim que não tem como colocá-la naquele horário”.
Além disso, os atrasos das clientes se tornaram outra preocupação, porque podem gerar aglomerações na recepção. Por isso Jackeline está sempre em contato com elas pelo WhatsApp.
“Estou em cima. Fico em pânico quando percebo que pode ocorrer algum atraso”. Ultimamente, a situação tem até afetado a saúde dela. “Nunca tive pressão alta e recentemente tive uma alteração. É resultado da mistura de preocupação com ansiedade”, afirma.
Também em Pirituba, Aline Dayane Henrique, 30, também tem sofrido para manter a boa relação com os clientes e não lotar o salão. “Têm pessoas que ficam bravas por ter que marcar antecipadamente os horários e não poder trazer acompanhantes. Outras chegam antes do horário agendado”.
Mas além disso, desde a reabertura ela se deparou com um desafio extra: não ter com quem deixar a filha, Isabella, 2.
Proprietária do salão há seis anos, ela retomou a rotina de trabalho, com todos os cuidados necessários, mas teve que reorganizar o local.
“Tive que fazer muitas mudanças no layout do salão para criar um espaço adequado onde ela se sentisse confortável e também estivesse segura. Além disso, interrompi temporariamente o serviço de depilação porque estou usando o espaço para dar banho nela, dentre outros cuidados”, expõe.
RETOMADA LENTA
Quem também está tomando as medidas para que a clientela se sinta segura e volte a frequentar o local é Ludimila Matos, 31, que há sete anos abriu o próprio salão, em um espaço alugado em Perus, na zona norte de São Paulo.
Além dos cuidados com higiene, ela cita que o desafio tem sido reconquistar aos poucos as clientes. “Mantenho contato sempre. Mando mensagens, ofereço combos e pacotes promocionais de serviços do salão para atrair elas de volta”.
Ludimila comenta que a retomada está sendo lenta. “O movimento ainda não está bom. Antes da pandemia, atendia uma média de oito pessoas por dia. Agora, atendo duas ou três. Tem dias que abro o salão para atender uma única cliente”.
Para a profissional, as clientes ainda não se sentem totalmente seguras para cuidar de seus cabelos e unhas fora de casa. “Muitas estão com medo. Mesmo sabendo que estou seguindo as medidas de segurança que incluem atender uma pessoa por vez, manter o maior distanciamento possível, uso de máscara e luvas, e higienização constante do ambiente”.
Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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