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Por: Katia Flora
Notícia
Publicado em 28.03.2024 | 19:04 | Alterado em 30.03.2024 | 17:34
A ditadura militar brasileira (1964-1985) afetou o movimento operário em várias partes da Grande São Paulo, como Perus, Osasco e o ABC Paulista. Uma das principais histórias desse período ocorreu nas greves das indústrias de São Bernardo do Campo, em 1978 e 1980. Era lá que trabalhava Expedito Soares, 71, ex-metalúrgico.
Expedito foi ativista e começou a militância na juventude aos 22 anos, quando trabalhava com teste de motor na Volkswagen. Ele participava ativamente dos movimentos para melhoria nas condições de trabalho.
“Na época as condições no setor eram péssimas, nós paramos a ala 5 e depois vieram dois guardas que me pegaram pelo braço, passaram comigo no meio da sessão. E me deixaram numa sala confinado por 14 dias”, diz Soares.
Ele teve de ficar sentado em uma cadeira sozinho sem poder trabalhar em uma sala que era chamada de “chiqueirinho”. O ex-metalúrgico batia o cartão era levado para o local e só saia para ir ao banheiro e voltar para casa.
Após esse período, foi demitido por justa causa, depois de 5 anos na empresa. Com a demissão, Expedito, que já estava casado e com um filho, ficou desempregado por um ano. Fez bicos de garçom para sustentar a família até que um amigo o indicou para trabalhar na Arteb .
“O diretor tentou barrar a minha contratação dizendo que eu era um agitador, perigoso …. Acabei entrando e continuei meu trabalho sindical. Me tornei diretor do sindicato, isso ocorreu no final de 1977”, conta.
60 anos do golpe
Reportagens da Agência Mural abordam os diferentes impactos que a ditadura militar teve nas periferias.
Expedito permaneceu no cargo até 1980 quando foi cassado e preso junto com Lula [atual presidente no terceiro mandato]. “Lideramos algumas greves e fomos presos com outros companheiros, fiquei oito horas seguidas no porão depondo, me perguntavam qual era a organização e se minha família também participava”, relembra.
Ele conta ainda que alguns companheiros eram torturados e apanhavam na cela. Expedito ficou detido por 31 dias e afirma que a família era perseguida pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).
Após sair da prisão sem trabalho e sem condições de pagar aluguel, foi morar no Jardim Calux, também em São Bernardo, região que na época era uma favela. Um amigo tinha um barraco nos fundos e deixou ele morar com a família, onde ficou por dois anos.
A repressão permanecia nos bairros, pessoas não podiam se reunir no bar ou conversar na rua – se ficassem corriam o risco de serem detidas por autoridades que andavam à paisana.
‘Tudo era proibido, a ditadura era isso, você não podia andar, você não podia passear, não podia nada’
Em 1982 decidiu sair candidato a deputado estadual e foi eleito pelo PT (Partido dos Trabalhadores) com quase 80 mil votos sendo o primeiro deputado eleito pelo partido. Depois foi reeleito em 1986. Após não conseguir ser eleito deputado federal deixou a vida política no início dos anos 1990 e segue até os dias de hoje como advogado.
Aos 71, Expedito atua como vice-presidente da Associação Heinrich Plagge [trabalhadores da Volkswagen vitimados pelo regime militar] e vê com estranheza a decisão do presidente Lula (PT), antigo companheiro na militância, em não realizar um ato oficial da ditadura militar.
“Achei uma tragédia, não concordo, os movimentos sociais existem independente de quem está no poder… A ditadura foi um passado que não pode ser esquecido. Tem que ser criticado e foi um erro histórico para o nosso país”, lamenta.
Aos 91 anos, José Fernandes viveu vários períodos do autoritarismo no Brasil. Hoje ele é vice-presidente da AMA-A ABC (Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC). Ele morou em Moscou, ainda na época da antiga União Soviética.
Ele foi ao país aos 22 anos para estudar. Quando retornou ao Brasil teve que viver na clandestinidade, sem usar os documentos.
“Voltei filiado ao Partido Comunista durante o golpe de 1964. Fui para o Rio de Janeiro, o Luís Carlos Prestes (militar e político comunista brasileiro) me pediu para ficar em Marília (interior de São Paulo) por um tempo e depois fui para Salto Grande, lá desenvolvi um trabalho na roça com trabalhadores rurais”, conta.
Fernandes viveu cerca de 20 anos em um sítio no interior de São Paulo e junto com alguns políticos da época ajudou a fundar uma escola para crianças no local onde morava. “A gente tinha a necessidade de ter uma escola na roça, porque as crianças das colônias iam estudar longe, chegavam andar 3 quilômetros a pé”, explica.
Para ele foram tempos difíceis, pois sua família também vivia reclusa. Depois de um período na roça trabalhou por um ano na empresa de ônibus Silva, ainda sem usar os documentos oficiais, pois temia represália.
Passado uns anos, Fernandes voltou para São Bernardo, em 1958, e começou a trabalhar na Willys – Overland do Brasil (atual Ford do Brasil) como mecânico ficou nesta função por 8 anos.
No fim dos anos 1978 fundou com outros companheiros a AMA-A ABC (Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC) que ajuda os anistiados a rever os danos causados pela ditadura militar.
Além disso, a vida dele foi retratada no livro “Camarada Zé Fernandes”, escrito por Gonzaga do Monte e Júlio Tavares pela editora Coopacesso.
Prestes a completar 60 anos da ditadura, Fernandes diz que o regime militar foi um castigo para quem viveu naquela época. E não há o que comemorar nesta data.
‘Perdemos amigos e até hoje não sabemos o paradeiro deles. Algumas senhoras foram presas, uma barbárie. Os assassinados eram a sangue frio’
Jornalista com experiência em jornalismo online e impresso, tem publicações em diversos veículos, como Uol, The Intercept e é ex-trainee da Folha de S. Paulo no programa para jornalistas negros. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2014.
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