Matheus Oliveira/Agência Mural
Por: Matheus Santino
Notícia
Publicado em 30.11.2022 | 19:29 | Alterado em 02.12.2022 | 14:45
Com cerca de 151 mil moradores e formado por 15 bairros, o distrito do Iguatemi, na zona leste de São Paulo, conta com uma grande área verde por estar próximo à Mata Atlântica. Os ares de interior em meio à maior cidade do país, no entanto, carregam um dado negativo: a região é onde os paulistanos morrem mais cedo.
Segundo o Mapa da Desigualdade 2022, lançado na última semana pela Rede Nossa São Paulo, o Iguatemi é o distrito da capital com a menor idade média ao morrer. Os dados mostram que, em média, os moradores morrem com 59,3 anos, a menor idade entre os 96 distritos que aparecem no estudo.
Isso é mais de 20 anos a menos do que o Jardim Paulista, área nobre da zona oeste, que tem a média de 80 anos – a mais alta da cidade. A média geral no município é de 68,1 anos.
José Domingos, 67, é morador do Iguatemi desde 1978 e líder comunitário do bairro Jardim Alto Alegre há 42 anos. Natural de Pernambuco, ele é mais um dos imigrantes nordestinos que ajudaram a construir e levantar a região. Para ele, a situação apresentada no estudo se dá muito pela precarização do trabalho no distrito.
“Os empregos ofertados no começo dos anos 1980 eram em áreas vulneráveis. Na região do bairro 3º Divisão e da avenida Sapopemba, a evolução do trabalho é baseada em construção civil, metalúrgica e fundição. São coisas pesadas e, se a pessoa está nessa linha de trabalho, a tendência dela é chegar só nessa idade mesmo”, avalia.
Vale destacar que “idade média ao morrer” é diferente de “expectativa de vida”. Essa última refere-se a uma estimativa projetada do número médio de anos que a população de um local (ou um recorte dessa população) deve viver, caso sejam mantidas as mesmas condições de vida no momento do nascimento.
Outros dados do Mapa confirmam a fala de Domingos, já que o Iguatemi aparece como o segundo pior distrito na oferta de emprego formal, com uma média de 0,4 postos para cada dez moradores em idade economicamente ativa. A região ficou empatada com Anhanguera (0,4), na zona noroeste, e na frente apenas de Cidade Tiradentes (0,3), na região leste.
Ainda assim, segundo o líder comunitário, muita coisa mudou nesses 40 anos. “Nos anos 1980, a construção de moradias acelerou por aqui. Hoje estamos mais seguros. Mesmo estando em uma área irregular, conseguimos, através da mobilização, segurar esses fatores”, conta.
A estudante de direito Iris Leite, 33, mora no Jardim Alto Alegre desde que nasceu. Ela diz ter uma relação de carinho com o bairro, que se mescla com a indignação de ver a região às margens da cidade. “Sinto o Iguatemi como uma grande potência, sinto que tem muita coisa boa aqui e que podemos melhorar”, diz.
Ela trabalha no SUS (Sistema Único de Saúde) há 7 anos em postos de saúde nas proximidades. Dos tempos de criança para cá, Iris comenta que percebe um grande êxodo de pessoas para o distrito – que não tem espaço para comportar tantos moradores, resultando no aumento de ocupações irregulares.
“Temos uma população muito adoentada no Iguatemi. As ocupações não têm saneamento básico, então que tipo de água as crianças estão tomando? Isso impacta na saúde, uma coisa vai puxando a outra”
Iris Leite, moradora do Jardim Alto Alegre
Segundo a Prefeitura de São Paulo, o Iguatemi tem cinco UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e duas AMA/UBS integradas (Assistência Médica Ambulatorial). Iris diz ser muito pouco para o tamanho populacional do distrito.
“Os postos de saúde são extremamente lotados, você vai marcar uma consulta e só consegue para daqui a três meses, quando tem. Nós não damos conta, é angustiante, 80 mil pessoas cadastradas em uma UBS com cinco salas. Como vamos dar conta de tanta gente?”, questiona.
Para além da saúde, o transporte também é um problema. Apesar da chegada das estações Jardim Colonial e São Mateus, da linha 15-Prata do Monotrilho, o Iguatemi tem uma das maiores taxas em tempo médio de deslocamento por transporte público: 56 minutos. A média na cidade é de 42 minutos.
De acordo com o Mapa, o tempo é medido em minutos de deslocamento no pico da manhã em cada distrito. Antes da estação de São Mateus, o Metrô mais próximo da região ficava em Itaquera, na zona leste, a cerca de 12 km de distância, e ainda é o destino de muitos passageiros que precisam pegar a linha 3-Vermelha.
“São fatores relevantes para entender por que temos uma população com expectativa de vida menor. São pessoas que vão trabalhar e demoram duas horas para ir e duas para voltar. Estamos longe de tudo, você sai para se divertir, pega ônibus e o Metrô, e já chega cansado”, avalia Iris.
Nesta versão do Mapa da Desigualdade (lançado anualmente desde 2012), os três distritos com a menor média de idade ao morrer ficam no extremo leste da capital: Iguatemi, Cidade Tiradentes (59,4) e São Rafael (59,8), além de Guaianases (61,2) e Lajeado (61,5) que também figuram entre os dez com a média mais baixa.
No ano passado, a Cidade Tiradentes aparecia com a menor média: 58,3 anos, enquanto a maior ficou com Alto de Pinheiros (80,9), na zona oeste.
Tanto José quanto Iris concordam que o levantamento ajuda a identificar problemas e escancarar situações de desigualdade que os moradores do Iguatemi veem todos os dias.
Perguntada sobre quais atitudes podem ser tomadas para melhorar essa situação, a estudante de direito diz que são necessárias políticas públicas eficazes por parte do estado e do município para que “os moradores tenham mais direitos do que deveres, e não passem grande parte do dia dentro de um ônibus”.
“Nós não estamos pedindo muito, é o básico para minimamente viver com dignidade. Eles falam tanto que a vida é um valor, que a vida é importante, mas qual vida é importante? A vida de quem mora no Jardim Paulista, né? Porque lá eles vivem até os 80 anos, aqui nós vivemos até os 59”, conclui Iris.
Para conferir o Mapa da Desigualdade completo, clique aqui!
Jornalista em formação. Apaixonado por rap, filmes e fotografia. Do fundo da leste fazendo o jogo virar. Correspondente do Iguatemi desde 2021.
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