“Hoje todos falam que são da periferia. Como assim?”, questiona a líder comunitária e ativista de movimentos sociais, Mércia Ribeiro, 65, moradora de Heliópolis, favela localizada no distrito do Sacomã, zona sul de São Paulo.
Ela se refere aos candidatos à Prefeitura de São Paulo, dos quais ao menos quatro tem reivindicado essa ligação.“Se são, porque nós não somos vistos por eles? Não basta morar, é preciso se envolver com o território”, aponta.
O Sacomã é o quinto distrito mais populoso de São Paulo, com mais de 261 mil habitantes, segundo dados do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), representando assim um dos maiores colégios eleitorais da capital paulista.
Apesar alto índice populacional, o distrito onde está localizada a maior favela de São Paulo, Heliópolis, e bairros periféricos popularmente conhecidos como “Fundão do Ipiranga” (Parque Bristol, Jardim São Savério, Jardim Climax, Jardim Maria Estela, entre outros), ainda tem dificuldades para ter acesso a políticas públicas como moradia, saúde, cultura e lazer.
A Agência Mural ouviu as lideranças comunitárias da região sobre as eleições municipais, que terão o primeiro turno no próximo domingo (6), sobre o que ainda precisa ser feito na área.
Direito à cidadania
Nascida e criada em Cachoeira Paulista, cidade do interior de São Paulo, Mércia chegou na capital paulista ainda na década de 1970, período em que a favela de Heliópolis ainda estava se constituindo.
Inicialmente, a vinda da líder comunitária foi motivada pela igreja. Na época a até então noviça atuava com movimentos da juventude e sociais que visitavam a favela. Foi a partir desse contato que Mércia viu qual seria a sua “vocação”.
“Foi aí [em Heliópolis] que entendi que a teologia que deveríamos seguir nessa vida é aquela que garante direitos sociais e a dignidade às pessoas. Comecei a me construir dentro do movimento de luta por moradia em Heliópolis”, comenta.
Mércia destaca que dentre as frentes de atuação que teve ao longo dos anos, estão as articulações em núcleos que discutiam a questão da moradia. “Fomos conquistando algumas coisas, criamos a Rádio Comunitária e na década de 1990 conseguimos uma liminar que nos manteria no território. Tudo isso a partir da coletividade e de discutir as demandas”, relembra.
Além de luta por moradia, Mércia também trabalhou como Conselheira Tutelar da região.
Apesar das transformações e conquistas ao longo dos anos, a liderança aponta a importância de saber quais são as propostas que os candidatos ao cargo de vereador possuem para a maior favela de São Paulo e as periferias do Sacomã.
‘Precisamos saber se as propostas vão ao encontro das nossas, que é por exemplo, ter o Heliópolis e a região como um ‘bairro educador’, se eles estão nos ouvindo também’
Mércia, líder comunitária
Ela dá como exemplo que se não forem ouvidos, podem surgir propostas que afetem a população sem necessidade.
Outra demanda apontada pela ativista, é o atendimento e cuidado com a saúde mental de crianças e adolescentes das periferias da região, problema que se agravou desde a pandemia de Covid-19.
“Vimos crescer os casos de violência e de saúde mental, tanto para crianças e adolescentes, como principalmente para as mulheres da comunidade. O poder público precisa se atentar a isso”, comenta.
Direito à moradia
Tereza Lara, 77, nasceu em Coronel Macedo, interior de São Paulo. Na juventude, estudou administração e secretariado em Campinas e, na década de 1970, mudou-se para a capital, onde começou a trabalhar como secretária na Paróquia Nossa Senhora de Sião, no Ipiranga.
Desde então, se envolveu com movimentos políticos dentro do catolicismo, ingressando em uma pastoral que apoiava iniciativas sociais, incluindo o movimento por moradia. Ao longo dos anos, lutou pelo direito à habitação, contribuindo na elaboração de projetos de habitação social na região do Sacomã.
Ela ajudou a fundar a Associação Estrela Guia dos Movimentos de Moradia, no Parque Bristol, e atualmente promove formações no Movimento de Moradia da região sudeste da capital paulista. Além de comandar o Telecentro Sacomã, organização responsável por oferecer formações tecnológicas gratuitas à comunidade.
Moradora do Parque Bristol e ativista pelos direitos sociais da região do “Fundão do Ipiranga”, Dona Tereza observa que o que falta na área, sobretudo, é o acesso à cidadania e à moradia digna.
“A casa é uma porta de entrada, e isso aqui na nossa periferia é abandonado. Vejo que falta a regularização fundiária das favelas da região, espaços com escrituras próprias, por exemplo”, diz.
Direito ao lazer e à cultura
Para o líder comunitário e pesquisador Eduardo Guilherme Carvalho Mota, 48, que é cria do Parque Bristol, um dos bairros que integram o “Fundão do Ipiranga”, a garantia de direitos por meio do incentivo e valorização da cultura negra periférica é fundamental.
Eduardo, mais conhecido como “Tiu Du”, conta que essa consciência veio ainda mais forte por meio do movimento hip hop e com o surgimento dos Racionais MC. “Toda a quebrada ouvindo Racionais, você ia na banquinha da esquina e todo mundo se reunia para escutar as músicas e discutir também o que a gente ouvia e era nossa realidade”, comenta a liderança.
A partir do envolvimento com a cultura hip hop junto a amigos, que Eduardo co-fundou o coletivo ‘Poder e Revolução’, que inicialmente nasceu no conceito das posses, do movimento hip hop e atualmente trabalha como núcleo cultural e de ações políticas.
“Trabalhamos desde rodas de conversa sobre sexualidade com os jovens, encontros com hip hop, grafite, saraus, almoços comunitários, festas para as crianças e outras ações com a comunidade”, diz.
Atualmente o projeto atua principalmente a partir do selo literário periférico “Me. Pario Revolução”, que impulsiona escritoras e artistas da região.
Segundo o líder comunitário, além da cultura, o Fundão também possui outras demandas como alimentação, saúde e moradia digna e ressalta a importância da articulação dos vereadores na comunidade fora do período eleitoral.
‘A gente não pode deixar de discutir sobre as favelas à beira do córrego, a sobrecarga das agentes de saúde e a falta de um pronto socorro na região’
Eduardo, líder comunitário
“Fizemos um movimento para trazer o caminhão do Bom Prato até aqui e vende a 1 real até 300 marmitas. Já é a quinta vez que conseguimos trazê-lo, por articulação nossa, mas que poderia ser vista pelos vereadores”, lamenta Eduardo, citando o programa do governo do estado para levar o programa a mais bairros.
Sobre as eleições do próximo domingo, em especial para o voto a vereador, a liderança aponta que os vereadores de fato olhem para a região que está “esquecida pelo poder público”.
“Nós temos um CEU [Parque Bristol], mas ele não é bem localizado, a população do Fundão não consegue acessar, principalmente as pessoas mais idosas. Poderiam ter esse cuidado e disponibilizar um transporte para eles, por exemplo”, diz.
Direito à saúde
Morador do bairro do Ipiranga, bairro de classe média de São Paulo, vizinho ao distrito do Sacomã, George Hato, 43, cumpre o terceiro mandato, e é candidato à reeleição para vereador pelo MDB. Filho do ex-deputado Jooji Hato, que foi vereador por sete mandatos e deputado por dois, George conta que possui trabalho ativo no distrito do Sacomã.
Dentre os 12 anos de mandato como vereador, o candidato destacou ações como “a instalação de iluminação de Led, em 2015”, “a troca de gramado dos campos União Mútua F. C. e do CDC Ucra”, “a instalação da pista de skate do CEU Heliópolis” e na saúde o apoio na “implantação da nova UPA Sacomã”.
De acordo com a Secretária Municipal de Saúde, a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Sacomã, localizada em Heliópolis, tinha data prevista para inauguração em maio de 2024. Entretanto, até o momento a obra não foi entregue e completa 9 anos, desde o projeto inicial.
Questionado sobre as propostas e necessidades do distrito do Sacomã, o candidato do MDB, promete atuar junto a iniciativas esportivas e destinar recursos públicos e privados para criação de moradias e melhora nos equipamentos de saúde.
Emerson de Abreu, conhecido como Macarrão, é candidato a vereador pelo PT, ex-conselheiro tutelar e ex-diretor executivo da UNAS Heliópolis. Em 2020, Macarrão tentou se candidatar enquanto vereador, em 2022, como deputado federal, quando obteve 3.757 votos.
Morador da maior favela de São Paulo há 46 anos, Emerson viu o bairro se transformar com o decorrer dos anos. Dos barracos de madeirite aos prédios da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), que saíram do papel no início dos anos 2000.
Enquanto candidato e morador da comunidade, Emerson destaca a urgência de um hospital infantil e maternidade. “Percebo que, não apenas em Heliópolis, mas em toda a região, a falta de um hospital infantil é evidente. É uma área tão populosa, mas não há esse tipo de serviço disponível. As famílias daqui precisam se deslocar até o Ipiranga para conseguir atendimento.”