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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Suzana Leite | Paulo Talarico

Notícia

Publicado em 18.01.2022 | 21:38 | Alterado em 07.03.2022 | 17:42

Tempo de leitura: 4 min(s)

É dentro de uma pequena casa de madeira que o cabeleireiro Jobson Gomes, 40, recebe moradores, faz atividades de educação e discute a situação da Ocupação Portelinha, favela que fica no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.

Nascido no município de Ubatã, Barra da Rocha (BA), ele reside desde 2014 na ocupação onde criou, ao lado de outros ativistas, a ONG Unidos da Portela, entidade que busca garantir direitos básicos, capacitação e inclusão social na comunidade, além da doação de alimentos em meio à crise.

Ele faz questão de enfatizar que o trabalho busca transformações . “Não digo que nosso trabalho é entregar cesta básica. Nosso trabalho é lutar por moradia, por educação, por direito a saúde.”

A ONG nasceu inicialmente por causa da cultura. Jobson começou a chamar os moradores da comunidade com a proposta de montar um grupo de teatro. A primeira atividade foi uma roda de conversa para que cada um começasse a falar um pouco de si.

“Foram vários temas abordados, na primeira audição choramos bastante. Começamos a falar quem nós éramos, a ideia era contar a história de cada um”, relembra. “Sempre gostei de ouvir, eu nunca fui ouvido, não somos ouvidos.”

Jobson Gomes na ocupação Portelinha, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo @Suzana Leite/Agência Mural

A ideia surgiu em 2009, quando conheceu um projeto de teatro fundado por Elizabeth Carvalho, professora do grupo “Vital”, que se tornaria uma inspiração para o trabalho na comunidade.

“O teatro e as artes cênicas me soltaram para que eu pudesse me comunicar e falar o que eu pensava, o que eu sentia, antes eu não conseguia ser assim”.

Por meio desse grupo, que inicialmente teve o nome de Aquarela Periférica, Jobson pensou em realizar outras atividades. Assim surgiu a ONG Unidos da Portela.

O trabalho permanece com a ajuda de outros movimentos sociais do bairro, professores voluntários que ajudam ministrando cursos de educação, esporte e cultura. Na casa, são feitas aulas de reforço escolar para filhos de moradores da ocupação.

“Precisamos acreditar que há uma mudança e essa mudança é uma parte de nós mesmos. Não posso sonhar com um mundo diferente, com o país, uma sociedade mais igual sozinho. Tudo começa através de uma pessoa até ser um coletivo.”

Jobson Gomes

Antes de atuar como líder comunitário, Jobson passou por vários bairros da capital após chegar da Bahia. Viveu na zona sul, no Valquíria, mudou-se para região da zona leste com a irmã e, após uma briga, foi morar na rua, na região da Avenida Sapopemba.

Trabalhou com reciclagem para sobreviver e começou a receber alimentos de uma mulher chamada “Olga” que morava próximo a região.

Um dia perguntou a Olga como poderia pagar pelos alimentos que lhe trazia e ela disse “faça isso para o próximo”. “Quando sair dessa situação, quero ajudar as pessoas”, pensou na época.

Conseguiu sair das ruas, ficou na casa de um amigo e abriu um salão de beleza. Logo, precisava de um lugar para morar e conseguiu comprar um espaço na Portelinha em 2014.

Pandemia

Na Unidos da Portela, moradores ajudam na distribuição de alimentos, cobertores e doações que são enviadas por colaboradores. Essa atuação se tornou uma necessidade mais urgente desde 2020, época em que começou a pandemia de Covid-19 e com o aumento do desemprego e a alta dos preços.

Para atender a população local, eles usam como critério priorizar as mães solo, idosos e pessoas desempregadas. Ao todo, vivem 840 famílias na ocupação.

“Era algo que a gente não estava esperando, mas o que mais me alegrou e me fortaleceu foi a união”, afirma Robson, sobre os voluntários que doavam e ajudavam na entrega das cestas. “Podia ter falta de acesso ao saneamento básico, mas tinha solidariedade.”

Na casa de Jobson, há atividades de reforço escolar @Suzana Leite/Agência Mural

Espaço funciona desde 2014 @Suzana Leite/Agência Mural

Biblioteca comunitária na ONG Unidos da Portela @Suzana Leite/Agência Mural

Regularização fundiária é um dos desafios vividos por moradores da região @Suzana Leite/Agência Mural

A atuação na pandemia lembra Jobson do período em que viveu na Bahia, onde ficou até os dez anos e foi criado ao lado de 13 irmãos. Lembra que foi ensinado a “não contar das situações [de dificuldade], a contar somente para Deus”.

Na época, chegou a depender da doação de alimentos. “Lembro que eu era o primeiro a correr e olhava na cesta básica, com aquele monte de mantimento se tinha miojo e biscoito recheado”, diz, contando que a cena tem sido semelhante com o recrudescimento da fome no Brasil.

“Toda vez que eu entrego a cesta [básica] para alguma família e vejo olhar dessa criança, vejo aquela sensação de gratidão que eu tinha”, ressalta.

Mesmo com todas as dificuldades, o trabalho permanece e com todos os cuidados necessários para manter as pessoas seguras. “Nós não damos cestas, nós doamos amor, doamos atenção e é bom saber que nós somos instrumentos e que conseguimos levar essa mensagem de amor e solidariedade”, completa.

Jobson quer fazer direito e viajar para a África @Suzana Leite/Agência Mural

Ele lembra que o contato com a UBS (Unidade Básica de Saúde) da região foi importante para reduzir os riscos e informar os casos de Covid-19 que estavam em andamento. A ação na comunidade tem sido além da entrega de alimentos.

Um dos objetivos de Jobson é conseguir a realização da contratação dos professores, sejam voluntários ou de alguma forma remunerados, a regularização fundiária do terreno e da Portelinha como um todo.

“Acredito que o acesso à educação, o acesso à cultura, constrói, forma homens e são os homens que transformam o mundo”, ressalta.

“A favela foi e está sendo a minha faculdade”, diz.Sobre o futuro, ele fala em estudar mais, pensa em fazer direito, viajar para África, e lutar em prol dos direitos humanos. Sonha um dia ser reconhecido como o “Embaixador da paz no Brasil”.

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Suzana Leite

Fotógrafa. Estudante de Pedagogia com objetivo de atuar na educação inclusiva. Idealizadora do projeto "Diamantes periféricos". Trancista, apaixonada por música, teatro e canto. Correspondente do Capão Redondo desde 2021.

Paulo Talarico

Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.

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