Por: Artur Ferreira | Gabriela Vasques
Notícia
Publicado em 29.05.2023 | 17:09 | Alterado em 31.05.2023 | 17:50
Entre os cinzas dos asfaltos e muros na Vila das Belezas, na zona sul de São Paulo, é possível enxergar três árvores altas, que parecem coqueiros. O dono delas é o administrador de empresas Marcelo Jesus, 46, que conta serem na verdade açaizeiros.
No quintal, que começou a ser plantado pelos pais de Marcelo, também tem um pé de jabuticaba, um limoeiro, um pé de chuchu e várias outras plantas e flores.
Para Marcelo, as plantas na casa dele são um privilégio e lamenta a falta de áreas verdes no restante do bairro. “Acho que falta boa vontade, a gente vê que tem grandes áreas que poderiam ser disponibilizadas para a população curtir.”
Ele não está errado. O bairro da Vila das Belezas está dentro do distrito do Jardim São Luís, onde a densidade de arborização é de 12,9%, abaixo do ideal mínimo de 30%, segundo o mapa de “Densidade de Massa Arbórea”.
O levantamento, de 2020, foi produzido com dados da prefeitura de São Paulo pela Urbit, plataforma que faz pesquisas para o mercado imobiliário e para criação de políticas públicas.
O mapa é o resultado do comparativo entre a densidade populacional de cada bairro com a quantidade de árvores disponíveis no território. Ou seja, o ideal seria que todos os bairros da capital tivessem ao menos uma árvore para cada três moradores.
Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), o recomendado para toda cidade é que haja pelo menos 12 m² de área verde por habitante. Em teoria, a capital paulista segue a recomendação, com 16 m² por cidadão, segundo estimativas da Rede Nossa São Paulo.
De acordo com a prefeitura, a densidade arbórea da capital paulista é de 48,18%, o que representa 735,99km² de cobertura vegetal. O que não é um índice ruim para uma cidade do tamanho de São Paulo, de acordo Fernando Souza, que é sócio-fundador da Urbit e participou da elaboração do mapa.
“São Paulo não é uma cidade com escassez de verde. Mas o problema é a desigualdade, que é muito grave, muitos distritos densos e populosos com índices muito baixos [de arborização]”, afirma Fernando.
Além da desigualdade, muitas árvores estão dentro de parques e reservas, longe da rota diária da população.
Nas periferias, podem até ser próximos, como é o caso do distrito do Parque do Carmo, na zona leste, que possui uma cobertura arbórea de 90,4%, porém no bairro à frente, na Vila Carmosina, onde a maioria da população vive, a densidade cai para 14,4%.
Para ter ainda mais ideia da diferença, há alguns distritos como Marsilac, com 96% de arborização, enquanto a Vila Tereza, na Brasilândia, zona norte, não chega a 6%.
“Tanto na zona sul quanto na zona leste você vê esse contraste muito grande entre as zonas arborizadas, parques e de reservas, e as zonas de moradia das pessoas que são desprovidas de vegetação”, afirma o professor sênior em arquitetura da paisagem Paulo Pellegrino, da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).
Grazieli Lima, 22, é agente comunitária da UBS Vila Santana e aproveitou o fim de semana para respirar o ar mais puro do Parque do Carmo. Ela mora no Jardim Robru, distrito da Vila Curuçá, na zona leste, que tem 12,5% de arborização.
A moradora nota uma grande diferença entre o ar que respira no parque e o de perto da casa dela e compara a situação com outros locais da cidade. “A região perto do Ibirapuera tem uma diferença, parece que perto do parque é mais limpo e onde eu moro é mais poluído”, conta.
Os benefícios para quem mora em uma região com mais verde, como é o caso do Ibirapuera, que tem uma massa arbórea de 49,4%, vão desde “a melhor condição respiratória até a saúde mental”, explica a professora de urbanização, Aline Cavalari, da Unifesp de Diadema.
Uma possível solução para São Paulo seria investir em projetos que a tornassem mais “biofílica”. Segundo Pellegrino, uma cidade biofílica é projetada para possuir áreas verdes, rios, lagos e fauna preservadas.
Essa natureza não atrapalha a vida do cidadão, e vice-versa. Em um exemplo prático, a árvore é bem cuidada e ajuda a manter a rua mais fresca, e as raízes não atrapalham na calçada.
Rua arborizada na região do Jardim Nossa Senhora do Carmo, Zona Leste @Gabriela Vasques / Agência Mural
Casas e vegetação no Jardim São Luís @Gabriela Vasques / Agência Mural
Jabuticabeira na casa do administrador Marcelo Jesus na Vila das Belezas, zona sul @Gabriela Vasques / Agência Mural
Árvore de açaí carregada na casa do administrador Marcelo Jesus @Gabriela Vasques / Agência Mural
“[Temos que] trazer a natureza para dentro da cidade”, defende o professor. Ele explica que quando uma cidade se torna biofílica, as soluções para os problemas do cotidiano passam a surgir a partir desse investimento verde. Mas o que acontece na capital é uma desconexão entre áreas verdes e os bairros periféricos.
Pellegrino diz que a prefeitura precisa não só pensar em projetos isolados e sim na implantação de uma “infraestrutura verde” na cidade.
Além disso, não é suficiente morar próximo a um parque ou reserva se o próprio bairro não possuir áreas verdes. São os locais mais afetados pelos efeitos da poluição e das ilhas de calor, sem contar o aumento das mudanças climáticas na região.
O que é ilha de calor
A ilha de calor é um fenômeno climático, que torna certas regiões mais quentes que o entorno. Isso porque a zona aquecida possui mais asfalto, concreto e zonas escurecidas, e menos árvores.
“Em ambientes que não têm árvores, eles vão ter uma temperatura muito aumentada em relação ao normal, porque normalmente é um lugar impermeável, com muito concreto, então isso forma ilha de calor”, afirma a professora Aline Cavalari, da Unifesp de Diadema.
Beatriz Telles, 26, é comerciante e vive próximo ao Parque do Carmo. Ela relata que sente muita diferença ao andar em regiões com menos árvores.
“Quando você anda numa rua mais movimentada já sente aquele calor, e a região do Brás, ao meio-dia, parece a boca do inferno”, conta Beatriz ao lembrar do período em que estudava numa Etec (Escola Técnica) na região central. O Brás possui somente 3% de massa arbórea.
Investir em uma cidade mais verde é uma questão de justiça ambiental.
“Todo mundo tem direito a uma paisagem bonita nos bairros periféricos, não pode haver esse contraste, paisagem e natureza são uma coisa única”
Paulo Pellegrino, professor sênior da FAU-USP
Pellegrino completa: “isso é um processo de co-criação e se a população não comprar isso como algo importante, ela não vai cuidar”.
A Agência Mural entrou em contato com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura que afirmou que a cidade segue a recomendação mínima da ONU de cobertura vegetal acima de 30% no território da capital.
Contudo, a gestão admite que existe uma desigualdade na distribuição do verde pela cidade e que, através dos projetos descritos no Plano Municipal de Arborização Urbana, pretende realizar todas as atividades propostas para melhorar os índices de massa arbórea até o ano de 2025.
Jornalista e redator. Atuou nas redações do Observatório do Terceiro Setor e Rádio CBN. Adora livros, cinema, podcasts e debater sobre política internacional. Palmeirense. Correspondente do Jardim São Luís desde 2022.
Jornalista formada pela PUC-SP e assistente de produção na TV Cultura. Interessada por diferentes formas de fazer jornalismo, como, jornalismo em quadrinhos. Ama fotografia e gosta de conhecer diferentes pontos da cidade. Correspondente do Parque do Carmo desde 2022.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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