Léu Britto/Agência Mural
Por: André Santos
Crônica
Publicado em 07.03.2023 | 20:37 | Alterado em 08.03.2023 | 11:28
Minha missão não era das mais difíceis naquela manhã de domingo. Já havia atravessado a cidade, saindo do Jardim Fontalis, zona norte de São Paulo, até Piraporinha, zona sul, onde cheguei na Casa Municipal de Cultura do M’Boi Mirim. O destino final, contudo, era a Associação Cultural Recreativa Esportiva Bloco do Beco, no Jardim Ibirapuera, para onde precisaria de mais uma caminhada. Foi quando o dia mudou.
Me disseram que eu gastaria em torno de 45 minutos andando e tudo bem, porque adoro andar. Claro que o timbal não deixaria o percurso mais fácil, mas nada que atrapalhasse demais.
O que realmente atrapalhou foi o fato de ter esquecido o celular em casa, há aproximadamente 36 quilômetros de distância. ‘Nem ligo’, pensei. Teria de achar o caminho como os antigos, no boca a boca.
O sol estava forte às 11h quando iniciei a caminhada. “Mais tarde vem chuva”. Tomei todas as informações que julgava necessárias e me joguei no mundão da zona sul. Você deve estar se perguntando porque alguém andaria tanto num domingo de manhã, a resposta é simples: Carnaval.
Sou integrante do bloco Afro É Di Santo, faço oficina de timbal no Bloco do Beco e sou entusiasta da festa popular.
Comecei a andar e segui as orientações, prestando atenção ao caminho. Estava até indo bem quando ouvi sons de pessoas jogando futebol numa quadra ali perto. Me aproximei rapidamente e parei para assistir um pouco. Times e juízes uniformizados, jogo duro, pegado. Fiquei por uns dez minutos. Quando um dos times deslanchou no placar perdi o interesse, assim como o time derrotado, e segui meu caminho.
Mais a frente no percurso sons de bateria chegaram até mim, uma gritaria que me era comum também. Acelerei o passo, bingo, era uma arena de futebol de várzea, CDC (Clube da Comunidade) do Sabão, no Parque Santo Antônio, bateria, bandeira e os folclóricos “beira de campo” .
No gramado, o time do Jardim Letícia, equipe de tradição, torcida e títulos pelos campeonatos amadores.
O jogo estava tão bom e o calor era tão grande que resolvi pegar uma cerveja. Pelas críticas dos “beira de campo” entendi que o jogo estava empatado, mas a torcida não parava de cantar, tocar e sacudir as bandeiras. Viva o futebol de várzea. “Vai tocar?”, me perguntaram. Sorri e fiz que não com a cabeça. Assisti todo o primeiro tempo e no intervalo decidi pedir informações sobre o meu destino final e partir.
Na saída, dei de cara com uma torcida grande chegando a pé. Era o CDHU do Jardim São Luiz, com mais bateria, bandeiras e cantos.
‘Louco, louco, louco, louco, loucô, eu sou dos prédios’
Grito do time CDHU
Passei por eles sorrindo, cumprimentando e sendo cumprimentado. No meio da galera peguei o caminho errado. Não importava, estava vivendo o clima de várzea, outra das minhas paixões.
Andei alguns metros e cheguei em outro CDC, o Joelma. Resolvi entrar e ver mais um pouco do jogo. Minha oficina começaria só às 14h. “Tudo bem que já passa do meio dia, mas tô perto”, pensei (errado).
Entrando me deparei com a cena mais linda do meu dia: um pai sai com a filha sobre os ombros, negros, de black power, e portando o mesmo uniforme do CDHU, time que eu acabara de conhecer. Sorriam e desciam a rua em direção ao resto da torcida que havia acabado de passar por mim. Cena linda, poética. Pra mim ela representa a continuidade do futebol varzeano e a alegria de estar entre os seus, em paz, no lugar que conta sua história.
Lembro de uma vez que entrevistei o Alex Barcellos, do projeto Resenha Poética da Várzea e ele me disse que a várzea é uma tecnologia das periferias, de ponta, e ele está coberto de razão, se reinventa, se renova e resiste.
Mais um jogo assistido por um bom tempo, mais um convite pra tocar com a bateria ali presente que foi devidamente negado. Óbvio, não havia tempo. Me mandei.
Na frente da Fábrica de Cultura do Jd. São Luís tive a certeza que realmente estava perdido. Afinal, ninguém me dissera que eu passaria por ela. Mais adiante, de frente ao cemitério, sabia que devia mudar de rumo.
Foram muitas ladeiras, quadras repletas de gente, música, vielas, escadões e aquele clima que só as periferias têm. Até que finalmente cheguei na sede do Bloco do Beco. Já passava muito da uma hora da tarde. Estava cansado e com a certeza de que, agora sim, iria tocar. Mas acima de tudo estava feliz.
Descobri uma zona sul raiz, onde se respira Carnaval, futebol e música por todo lado. Foi um domingo de alegria, partilha e minha nova paixão, a zona sul da cidade.
Na minha cabeça só ecoava a voz potente da Vanessa Jackson na vinheta dos Racionais MC’s para a música “1 por amor, 2 Por dinheiro”, “Na zona suuuuuuul, heeeeeeeeeyyyyy…”,
Jornalista, entusiasta do carnaval, do futebol de várzea, de bares e cultivador assíduo da sua baianidade nagô! Correspondente do Jardim Fontalis desde 2017.
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