Jacqueline Maria da Silva/ Agência Mural
Por: Jacqueline Maria da Silva | Isabela Alves
Notícia
Publicado em 19.09.2023 | 15:14 | Alterado em 19.09.2023 | 15:14
A recepcionista Eduarda Costa, 22, espera que a implantação de ônibus elétricos melhore “a qualidade do ar”, uma prioridade para ela, que vive no Jardim João 23, no Butantã, na zona oeste de São Paulo. Ela acredita que a medida será benéfica para a saúde das pessoas, inclusive a dela, melhorando crises de bronquite agravadas pela poluição dos veículos.
Porém, a chegada dos novos veículos ainda traz dúvidas para quem usa o transporte público da capital sobre preços da passagem e sobre quanto esses benefícios chegarão aos bairros mais afastados do centro.
A Prefeitura de São Paulo apresentou nesta segunda-feira (18) 50 novos ônibus elétricos que foram incorporados à frota da capital, que substituirão veículos a diesel das empresas Transwolff (25), Transpass (12), Ambiental (12) e Campo Belo (1), atendendo linhas da zonas sul, leste e oeste.
O anúncio da transição para frota sustentável foi feito em outubro do ano passado, quando a gestão municipal lançou um documento, divulgado pela SPTrans, proibindo a aquisição de novos veículos movidos a diesel pelas empresas que operam o transporte urbano municipal.
Em contrapartida, determinou a compra de veículos somente com tecnologia sustentável, na tentativa de cumprir a Lei Ordinária 16.802/2018, conhecida como Lei de Mudanças Climáticas, que exige a redução da emissão de gases poluentes pelo transporte público da capital.
Com ela, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), anunciou a ampliação da frota de veículos sustentáveis da capital com a aquisição de ônibus 100% elétricos movidos à bateria. Um ano depois do anúncio da medida, as mudanças ainda representam uma pequena quantidade no total de veículos.
Atualmente a frota total de veículos da capital é de 11.921 ônibus, com a chegada dos 50 ônibus, o volume de veículos sustentáveis passou de 2% (201 trólebus e 19 ônibus movidos à bateria) para 2,2%. No entanto, a intenção da prefeitura é ampliar esse percentual para 20% até 2024.
O órgão estima que cada substituição de veículo a diesel pelo movido a tração deixaria de emitir anualmente, em média, 0,24 toneladas de óxido de nitrogênio, 0,002 toneladas de material particulado e 106 toneladas de dióxido de carbono.
A recepcionista Regiane Ferreira de Oliveira, 37, já experimentou a mudança. não se incomoda mais com a fumaça escura do escapamento nem com o barulho do motor dos veículos antigos. “A gente não ouve tanto barulho como nos ônibus normais. Não tem fumaça, e não polui tanto o ar. Dá muita diferença no ambiente”, diz.
Ela utiliza um dos primeiros veículos no modelo em operação na capital, que circula na linha 6030/10, Unisa Campus 1- terminal Santo Amaro, na zona sul, única a operar com ônibus elétricos até o momento. Ela gasta, em média, 40 minutos no deslocamento de casa, no Jardim Interlagos, até o trabalho, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo.
A sensação de conforto que ela declara é traduzida tecnicamente pelo engenheiro elétrico Felipe Barcellos e Silva, especialista em emissões atmosféricas no Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente). Segundo ele, a troca dos ônibus pode reduzir as emissões de gases nas regiões onde circulam, melhorando a qualidade do ar nos bairros da capital paulista.
Porém, partindo dessa lógica, a transição de frota teria mais benefício na redução de emissões em locais onde há maior circulação de ônibus, ou seja, no centro e não nas periferias.
Em contrapartida, os periféricos são os mais expostos à poluição, uma vez que gastam mais tempo no transporte e se deslocam para regiões mais distantes de casa e, em geral, para regiões mais centrais.
O tempo médio gasto em deslocamentos, por exemplo, varia dependendo da região da cidade. Na zona leste, o tempo médio em viagens no transporte público é de 2h09, enquanto na zona sul é de 1h31, na norte com 1h18, na oeste com 1h14 e no centro 1h07. Os dados são do Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo.
“Isso é um problema de qualidade de vida e desigualdade que também acaba sendo um problema de emissões de gases locais”, diz o especialista, pontuando que os moradores das periferias podem se beneficiar indiretamente das frotas elétricas.
“Reduzir as emissões implica em pensar em outras questões prioritárias, como a distribuição e o acesso às oportunidades de emprego, moradia, estudo e lazer, para que as pessoas não precisem se deslocar por muitas horas e para regiões mais poluídas”, diz Barcellos.
Por isso, o especialista reforça que é fundamental incentivar o uso do transporte coletivo para que as pessoas deixem de usar carros, considerado mais prejudicial para o meio ambiente que os ônibus. “Mas é preciso oferta suficiente, sem lotação e com disponibilidade de veículos”, reforça.
Apesar do otimismo, moradores ouvidos para esta reportagem atentam para algumas preocupações: com a chegada dos ônibus elétricos, as passagens podem aumentar de preço? Quanto tempo vai demorar para eles chegarem nas periferias, por conta da infraestrutura local?
Segundo Barcellos, apesar dos ônibus elétricos custarem três vezes mais que os movidos a diesel, a tarifa não aumentará, porque a tecnologia se paga a longo prazo.
Já com relação a chegada dos veículos nas periferias, ele aponta que a transição de frota deverá respeitar a idade dos veículos, de forma que os mais antigos sejam substituídos primeiro, independentemente de onde circulam.
De acordo com site da SPtrans, a idade média das frotas que circulam pelo centro, em março deste ano, era de 5 anos e 7 meses. Entre os veículos que ligam bairros mais afastados a centros regionais o tempo de uso era de 5 anos e 6 meses. Já a idade média dos ônibus que circulam localmente é de 4 anos e 6 meses.
É, então, necessário planejamento, para considerar onde serão os pontos de parada, qual a autonomia desses veículos para circular longas distâncias com trânsito e como será o funcionamento em regiões que demandam maior potência, com ladeiras íngremes, muito comuns nas periferias.
“Para não cair no discurso de mudança climática, o planejamento precisa ser completo, por isso, se está buscando trocar a tecnologia e é necessário pensar se a cidade está preparada para receber ônibus elétrico”, diz Barcellos.
Segundo a Prefeitura, as empresas de transporte coletivo da capital, que adquiriram veículos elétricos, firmaram uma parceria com a Enel para fornecimento de infraestrutura de recarga nas garagens.
Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World
Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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