Por: Carolina Franca
Notícia
Publicado em 01.04.2020 | 11:20 | Alterado em 27.02.2024 | 16:22
Com quarentena para conter o coronavírus, um dos terminais mais movimentados da cidade vive mudanças no dia a dia para quem segue no trabalho
Tempo de leitura: 6 min(s)Era por volta das 18h quando um jovem se aproxima de um vendedor. Segurando um balde com as flores, no topo da escada rolante da Estação de Metrô Corinthians-Itaquera, o senhor de cabelos grisalhos apresenta a mercadoria. “A rosa sozinha é R$ 5, essa que vem com o bichinho é R$ 10”.
Sem nenhuma proteção, em época de covid-19, como máscara, luvas ou álcool em gel, Márcio Francisco Menezes, 52, seguiu no trabalho para poder sustentar a família.
O vendedor teve que mudar a rotina devido a pandemia, começando pelo posto de trabalho. Acostumado a trabalhar na rampa de acesso ao Poupatempo e ao Shopping Metrô Itaquera, Menezes agora vende a mercadoria em frente a uma das escadas que leva os passageiros do terminal de ônibus até a catraca do metrô.
“Não tinha como ficar lá, com o shopping fechado ninguém mais passa por lá”, disse. No antigo lugar de trabalho, Márcio dividia a atenção dos clientes com outros marreteiros.
Antes da Prefeitura de São Paulo decretar a suspensão das atividades dos centros comerciais, era quase impossível passar pela rampa do Shopping Itaquera sem ser abordado por algum ambulante ou ter que desviar de alguma mercadoria exposta no chão.
Apesar da alta concorrência, Menezes garante que vendia muito mais do que agora. “A rosa que vendi agora não é a minha primeira venda do dia, graças a Deus, mas eu costumava vender bastante. Hoje, vendo pouquinho, umas cinco, dez rosas no máximo”, conta.
O vendedor também aumentou a carga horária de trabalho. Normalmente ele chegava às 19h e ficava até as 23h, um pouco depois do fechamento do shopping. Hoje ele chega às 15h, para tentar diminuir o prejuízo.
Apesar de seguir no trabalho e da redução nas vendas, Márcio diz concordar com o isolamento. “Não tem condição nenhuma de ir ninguém trabalhar, tanto que aqui só está eu e ele”, diz se referindo ao vendedor de fones de ouvido a seu lado.
Mas também admite o impacto financeiro para ele e seus colegas de trabalho. “A maioria dos autônomos não está trabalhando. Não porque não quer, mas porque não tem ninguém pra comprar”, revela.
LINHA DE FRENTE
Por dia útil, as linhas que atendem o terminal Itaquera costumavam transportar 84.600 passageiros, antes da quarentena. Quem passou por lá nesses últimos dias chega a duvidar desse dado.
“Faz muitos anos que passo aqui todo dia, nunca vi a estação desse jeito”, garante Silvana Maria Montanha, 57. Há 15 anos, ela trabalha como atendente no Hospital Beneficência Portuguesa, na Vergueiro, zona central de São Paulo.
Por trabalhar na recepção na área da saúde, Silvana convive com o risco diário de contrair a Covid-19. Ela diz estar ciente da situação, mas se preocupa mais com as pessoas que não levam a pandemia a sério. “Estou feliz em ajudar, mas se você puder ficar em casa, fique! A coisa está feia”.
Se por um lado a situação é complicada, por conta da nova doença, a volta para casa está um pouco mais tranquila. “Na linha de frente”, como ela mesma diz, Silvana sai diariamente da Cohab II, zona leste, até o local de trabalho. No trajeto ela precisa pegar um ônibus e duas linhas de metrô.
Só agora, por conta do isolamento social, a secretária conseguiu voltar para a casa sentada durante todo o percurso de volta para casa. “É impossível, esse horário é horrível, mas hoje vim tranquila. Agora aqui em Itaquera eu pego um ônibus que sempre está lotado, mas já que 80% da população está em casa, hoje vou sentada”, conta.
Mesmo gostando do transporte público vazio, Silvana não vê a hora da rotina da cidade voltar ao que era antes da quarentena. “Tomara que a gente consiga vencer essa pandemia logo”, comenta.
TELEMARKETING
Além dos autônomos, dos profissionais da saúde e daqueles que atuam em serviços essenciais como mercados, farmácias e postos de gasolina, há outra área que não parou, a do telemarketing. As empresas de venda e cobranças por telefone continuam suas atividades.
“Eles não nos liberaram. Está indo todo mundo. Reduziram a escala, mas a gente vai ter que pagar como banco negativo depois”, conta a atendente Marília Menezes, 33.
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A PA (Posição de Atendimento) é o posto de trabalho do atendente de telemarketing, composto por uma mesa, cadeira, monitor, teclado, mouse e um headfone. Esses equipamentos são compartilhados entre todos os operadores de diferentes turnos. E além das PAs serem coladas umas nas outras, geralmente as operações ficam em salas com pouca ventilação.
“É difícil. Lá eles estão intercalando as PA para ficarmos um pouco mais longe uns dos outros, mas não sei se eles passam álcool nos equipamentos, eu tenho o meu, mas nem todo mundo tem essa consciência”, lamenta. Alguns profissionais protestaram contra as empresas nas últimas semanas.
A profissão de Marília não permite que ela faça home-office e cumpra a quarentena em casa. Para quem mora na periferia e trabalha longe, assim como ela, o transporte público é um dos principais meios de deslocamento.
“O que me conforta em ter que ir trabalhar é que está vazio. Todo mundo deveria poder ir e voltar do trabalho com dignidade e não espremido, mas isso tinha que ser todo dia e não por causa de uma doença, infelizmente”, desabafa Marilia, que trabalha com telemarketing.
TAXÍMETRO PARADO
Quem opta em ir para o Terminal Metropolitano de Itaquera de carro, quase sempre enfrenta um congestionamento na rua entre o estacionamento do Poupatempo e um dos acessos à estação.
Lá fica a ala de desembarque destinada aos passageiros que vão de uber ou carona. Na mesma via é possível encontrar o Ponto de Táxi 1444, que atende o Terminal, o Poupatempo e o Shopping de Itaquera.
Única taxista mulher que atende no local durante a quarentena, Fernanda Aparecida da Silva, 40, é mãe solteira e tira exclusivamente do táxi o sustento dos filhos.
A ex-operadora de caixa trocou de profissão após o nascimento de Lucas Estevão, filho caçula de 8 anos que nasceu com com mielomeningocele, uma má formação dos nervos da coluna.
Nos cinco anos em que trabalha no táxi, nunca passou por um período com o movimento tão baixo como o que vive agora devido a pandemia de coronavírus. “Preocupa pelo fato de precisar do trabalho para pagar as contas, o carro, enfim, para viver né, pra colocar comida dentro de casa”, desabafa. Ela estima que perdeu mais de 60% do que recebia por dia.
Apesar da deficiência de Lucas não ser considerada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como um fator de risco à covid-19, a motorista teme pela saúde do filho e mudou a rotina para tentar ficar mais tempo em casa. Além do medo de contaminação, Fernanda não pode mais contar com a escola, que está com as aulas suspensas.
A criança está sob os cuidados das irmãs, Ester, 20, e Estela, 15. A mais velha conseguiu uma licença de 14 dias do trabalho. Depois disso, Fernanda contará com a solidariedade da vizinha para olhar os filhos enquanto trabalha.
“Estou saindo mais tarde, hoje saí de casa já era 17h. Venho trabalhar esse horário aqui, que eu sei que vai dar movimento para eu pegar o dinheiro e não ficar muito tempo na rua”, conta.
Usando máscara e luvas, Vanderlei Ferreira Evangelista, 49, é colega de profissão de Fernanda. Ele diz que todos deviam usar os equipamentos para a proteção do próprio motorista e dos passageiros, mas confessa que a ideia de usá-los não partiu dele.
“Procuro fazer minha parte e mulher também cobra bastante. Tenho filho em casa e ela que me deu pra evitar a contaminação.”
Os taxistas relatam que o movimento no Terminal de Ônibus influencia no trabalho deles. Com o transporte mais vazio os usuários conseguem voltar para casa sentados e com pouco contato com outras pessoas. Além disso, também por causa do custo dão preferência ao ônibus.
“Está tudo parado e fechado, ai que aperta mais ainda, mas sei também que é necessário por causa da prevenção. Eu que tenho que seguir trabalhando, não posso parar todo dia”, finaliza.
Estudante de Jornalismo, repórter na Rádio Alesp. Apaixonada por artes visuais, street art e rap. Correspondente de Itaquera desde 2018.
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