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Pais solo nas periferias compartilham experiências e barreiras

Por: Luis Antonio Souza

O pedreiro e pintor Romilson Bispo, conhecido como Bahia, 38, morador do Jardim Marcelo, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, assumiu sozinho a criação da Rebeca Ferreira, desde que ela tinha apenas 1 ano e 8 meses.

Como pai solo, encontrou barreiras. Uma das situações mais desafiadoras, segundo ele, era quando precisava levar a filha ao banheiro público quando era mais nova.

“Como pai de menina, eu não podia entrar no banheiro feminino. Ficava na porta esperando alguém de confiança para acompanhá-la lá dentro. Era um beco sem saída, mas a gente sempre dava um jeito”, relembra.

Neste Dia dos Pais, a Agência Mural ouviu a trajetória de dois pais solos da zona leste de São Paulo e de Itaquaquecetuba, no Alto Tietê, que contaram sobre o orgulho de criar os filhos, os medos que enfrentaram e os obstáculos nas periferias.

Casos assim ainda são raros no Brasil, onde 86% das pessoas que cuidam sozinhas dos filhos são mulheres. Segundo o IBGE, há 1,6 milhão de pais solo, enquanto são 10 milhões de mães.

O pedreiro e pintor Bahia com a filha, Rebeca @Arquivo Pessoal

A decisão de Romilson veio após perceber que a menina não estava recebendo os cuidados necessários com a mãe. “Quando eu chegava para vê-la, a cada 15 dias, encontrava magrinha, com o cabelo sem pentear. Isso me incomodava”, lembra.

Bahia conta que no começo sentiu dificuldade com algumas obrigações, como pentear o cabelo e acompanhar consultas médicas. “Se eu tivesse vergonha, não tinha conseguido. Hoje a carteira de vacina dela está em dia e acompanho de perto a escola. Vejo muita gente que tem pai e mãe juntos e não faz o básico”, afirma.

Com o tempo, a rotina se firmou: acordar cedo, levar à escola, buscar, preparar o jantar e garantir que houvesse espaço para lazer e aprendizado. Bahia incentiva a filha a fazer atividades como jiu-jitsu e tranças afro, mas mantém disciplina rígida com horários para dormir, estudar e se divertir.

A preocupação maior sempre foi com a educação e o caráter. “Não adianta só dar arroz, feijão e roupa. O maior obstáculo é educar porque a educação damos em casa. E lá fora não dá educação. Tem que conversar, mostrar exemplos bons e os ruins para ela entender”, comenta.

Bahia também se preocupou com o impacto emocional da separação. Nunca impediu o contato da filha com a mãe, mas mantém um diálogo constante para evitar traumas. “Hoje ela participa um pouco com a mãe. Eu nunca cortei esse laço. Mas deu medo de causar algum trauma no futuro”, explica.

Hoje, com a filha adolescente aos 12 anos, Bahia sabe que novos desafios virão, inclusive os primeiros namorados. “Espero que demore, mas quando chegar, tem que ser alguém de boa índole e trabalhador. Riqueza não importa, importa o caráter.”

Para Bahia, a paternidade solo é um aprendizado constante. “Todo dia a gente sobe um degrau. Lá na frente, olho para trás e vejo que tudo valeu a pena.”

O técnico de Telecom, Adan Jony, 37, com Pedro, 14, e Lucas, 7 @Arquivo Pessoal

Entre a dor e o cuidado

O técnico de Telecom Adan Jony, 37, e a então companheira, a professora de inglês Tamiris Albuquerque, 34, moravam na mesma rua e namoravam desde a época do Ensino Médio, no Jardim Maia, região de São Miguel Paulista, na zona leste.

Pais de Pedro, 14, e Lucas, 7, tinham uma rotina cercada pela proximidade das famílias. Mas, em 2021, a Covid-19 interrompeu bruscamente essa história: a doença agravou-se em poucos dias, e ela morreu após 11 dias de internação, deixando o marido e os filhos.

O luto, segundo ele, foi atravessado pelo apoio dos avós maternos, que já faziam parte da rotina das crianças. “A perda dela fez fortalecer os avós para fazerem mais pelos netos e eu pelos meus filhos”, diz.

Ainda assim, fotos, datas comemorativas e eventos escolares são gatilhos de saudade. “O mais velho, como conviveu mais com a mãe, não consegue se expressar para as pessoas. Para ele ‘faz parte da vida’. O mais novo já não gosta de ver uma foto quando era menor com a mãe. Mas no decorrer do dia, nossa família o acolhe e ele consegue levar a saudade de uma forma positiva.”

Ser pai solo é estar presente, acolher e mostrar aos filhos que o amor permanece, mesmo quando a pessoa que amamos não está mais aqui

Adan Jony, técnico em Telecom e morador do Jardim Maia

Adan recorda de uma missa de Dia das Mães, em maio deste ano, quando Lucas cantava sem entusiasmo. “No olhar dele, eu vi que estava sem sentido para ele. Foi muito forte.”

A ausência da mãe também se fez sentir em momentos delicados, como a cirurgia que Lucas precisou fazer um ano após a perda. “Eu estava sozinho para assinar a autorização, acompanhá-lo na sedação e dar apoio quando ele acordou”, explica.

Um dos maiores medos do técnico de Telecom é não conseguir garantir boas condições de vida e educação para os filhos — hoje mantidos em escola particular com a pensão deixada pela mãe. “Antes, eu vivia o hoje. Agora, penso na qualidade de vida que quero dar para eles”.

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