Moradores de periferias da capital e da Grande SP tiveram projetos alterados e contam como estão lidando com a quarentena
Patrícia Vilas Boas/Agência Mural
Por: Patrícia Vilas Boas | Cleberson Santos
Notícia
Publicado em 15.04.2020 | 17:56 | Alterado em 15.04.2020 | 17:56
Rafael Shouz, 24, estava de malas prontas para ir a Harvard cobrir o evento “Brazil Conference”, em Boston, nos Estados Unidos. Se tudo seguisse normalmente, o evento seria realizado nos dias 3 e 4 de abril. Contudo, em março, Rafael recebeu a notícia de que o evento seria cancelado devido à pandemia do coronavírus.
“Foi bem decepcionante”, conta. Rafael fazia parte do time de documentaristas responsáveis por cobrir a conferência. Ele havia sido selecionado por meio de um processo seletivo e todos os custos seriam arcados pela organização do evento.
O produtor cultural também organiza batalhas de rap na região onde mora, em Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, e teve que mudar toda a agenda e se adaptar à nova rotina. “Tive que cancelar todos os saraus, todos os slams e as minhas batalhas, o que é bem chato.”
O primeiro caso do novo coronavírus no Brasil foi confirmado no dia 26 de fevereiro, em São Paulo. O paciente era um homem recém-chegado da Itália. Até o começo da semana, eram 8,4 mil casos na Grande São Paulo. Devido ao contágio, diversas companhias aéreas tiveram de cancelar voos domésticos e internacionais e reduzir sua frota.
Assim como Rafael, quem também viu sua agenda e suas viagens canceladas foi a poeta e slammer Cinthya Kimani, 27, do Grajaú, na zona sul de São Paulo.
Cinthya foi campeã do Campeonato Brasileiro de Slam, disputado no fim do ano passado e conseguiu uma vaga na Copa do Mundo de poesia falada, na França. O evento está marcado para 19 de maio, porém a organização decidiu que essa edição será online.
“Eu já havia tirado os documentos que ainda não tinha, como o passaporte, estava selecionando os textos, ensaiando, vendo uns vídeos no youtube para aprender um pouco da língua”, diz.
Será possível acompanhar a participação de Kimani na Copa do Mundo de Slam gratuitamente pela plataforma de videoconferência Zoom, às 16 horas no horário de Brasília.
VEJA MAIS:
Confira a cobertura especial sobre o coronavírus e as periferias
Confira como solicitar o auxílio de R$ 600
Aldeia do Jaraguá tenta se proteger da Covid-19
‘Comprar comida é o mais urgente agora’, dizem autônomos que aguardam auxílio de R$ 600
O escritor periférico Alexandre Ribeiro, 21, também teve seus compromissos desmarcados por conta do coronavírus. Morador de Diadema, na Grande São Paulo, ele está na Alemanha desde agosto fazendo trabalho voluntário.
O diademense conta que a escola onde lecionava foi fechada e quase teve de voltar às pressas. “A embaixada brasileira falou com todos os projetos de bolsas. [Eu] quase tive que voltar para o Brasil.” O programa, entretanto, manteve as bolsas.
Além disso, Ribeiro iria participar da Feira do Livro de Londres, um dos maiores eventos editoriais do mundo, em março, mas foi cancelado.
A Europa chegou a ser o epicentro da pandemia ao longo do mês de março, afetando principalmente o norte da Itália. O número de contaminações no Reino Unido, onde Alexandre ficou por uma semana, já ultrapassa os 100 mil.
SEM VIAGEM, MAS NÃO SEM TRABALHO
Enquanto a quarentena continua, Shouz usa o tempo em outra atividade: a produção de vídeos e conteúdo aos seguidores nas redes sociais. “Estou fazendo o que posso pra continuar levando a informação para as pessoas mesmo de casa. Seria totalmente imprudente da minha parte se eu continuasse a fazer batalhas, organizar eventos.”
Já Cinthya continua focada no trabalho formal. Ela trabalha com gestão de projetos e conteúdo para uma produtora de áudio. “Sigo escrevendo, fazendo cronograma e planejando carreira daqui de casa. Porém, eu imagino o quanto está difícil para quem vive só da poesia mesmo, dos trabalhos que surgem durante o ano”.
Ela, que também é cantora, precisou adiar o lançamento do álbum justamente para evitar que este período acabe prejudicando a divulgação.
“Os que tem algum material para ser vendido não conseguem vender como antes porque os transportes públicos estão vazios ou porque fica difícil de encontrar pessoas para poder vender mão a mão”, conta.
“Tudo isso acaba complicando a vida do artista. A estratégia acaba sendo focar no streaming, na produção de conteúdo, fazendo lives, parcerias, compondo.”
A saída encontrada pelos três produtores foi manter a criação de conteúdo ativa em suas redes sociais, uma alternativa utilizada por vários artistas nas periferias.
Em seus perfis do Instagram, orientações de como participar do VAI (Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais) feitas por Rafael, ensino de coreografias pela Kimani e novas poesias de Alexandre Ribeiro estão disponíveis para seus seguidores.
Jornalista em formação. Curiosa, gosta de sol, praia e um bom livro nas horas vagas. Correspondente da Vila Curuçá desde 2019.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]