Por: Leonardo Siqueira
Notícia
Publicado em 10.11.2022 | 17:44 | Alterado em 15.11.2022 | 7:29
Um castelo com uma torre, esculturas e pinturas feitas à mão é um dos principais patrimônios históricos de Ferraz de Vasconcelos, na região leste da Grande São Paulo. No entanto, o abandono é a principal característica da Vivenda Zenker, duas décadas após o tombamento do imóvel.
A vivenda foi considerada patrimônio histórico em 2000 pela Lei 2.377, que autorizou a prefeitura a tomar medidas para a preservação do bem.
Apesar disso, o edifício quase não foi restaurado em duas décadas. Entre a rua e a entrada do castelo não há proteção, só é preciso desviar dos matos para entrar. Dentro, paredes com as pinturas rachadas ou pichadas, entulho no chão, teto com buracos, vidros quebrados e, na sala principal, um sofá abandonado.
A situação só não é pior pela atuação dos próprios moradores do bairro caso de Moacir de Oliveira, 74, que vive na região há 50 anos, e varre a calçada do local, além de pegar o entulho que é jogado no local.
Ele lembra que alguns moradores pegavam até a água do poço no terreno do castelo, na época em que foi morar na região. “Nós íamos e pegávamos a água para beber porque não tinha água da Sabesp, não tinha luz, não tinha água, não tinha nada”.
Ele diz que o bairro hoje é um sossego, o que vê no castelo são crianças entrando e brincando lá dentro, fazendo barulho. Ele lembra que em volta do castelo havia uma grande plantação de uva Itália, de abacate e de banana, que beneficiava a população do bairro. Situação bem diferente da atual.
Para quem se aventura depois de dois lances de escada em meio aos cacos de vidro, é possível ter uma vista panorâmica da cidade. O potencial turístico do espaço não foi explorado, mesmo com anúncio de investimentos feitos nos últimos anos.
Ferraz de Vasconcelos recebeu em 2007 mais de R$ 500 mil para reformar parte do castelo e implantar um restaurante escola, segundo dados do Portal de Transparência.
A prefeitura divulgou que a reforma custaria mais de R$ 1 milhão, e ficaria pronta depois de seis meses. Porém, só o teto foi reformado para impedir infiltração e parte das paredes foram encobertas com reboco.
Em sua área total, metade do espaço foi alterado. Atrás do castelo, na saída para a Estrada Miguel Dib Jorge, parte do terreno foi loteado para a construção de casas. No lado esquerdo do casarão, ficava o jardim com as fontes e esculturas de pedra, que foram demolidas para a construção de uma UBS (Unidade Básica de Saúde) em 2011.
O abandono do casarão, construído a mando da família Zenker no início do século passado, tem apagado a história do espaço e da própria cidade.
A família de sobrenome Zenker veio da Áustria em 1919 a bordo do navegador Frísia da companhia holandesa KHL, como consta na documentação de desembarque do Porto de Santos.
Desembarcaram Arthur Zenker junto da esposa Elisabeth e do filho Arthur Richard. Eles passaram a morar no distrito de Itaquera, na Vila 15 de Novembro, próximo à antiga estação Parada 15 de Novembro, na zona leste de São Paulo (hoje perto do Lajeado).
Segundo o pesquisador José Maximiliano Neto, grande parte dos imigrantes de língua germânica se instauraram no Sudeste do Brasil por causa das oportunidades de trabalho na produção de café, e o pequeno crescimento da indústria local.
Arthur Zenker fazia parte do Diário Alemão, jornal que visava informar a colônia alemã na cidade de São Paulo.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial contra a ascensão de Adolf Hitler, as políticas de restrição contra a população de língua germânica cresceram no país. Se algum membro da família precisasse mudar de emprego ou residência, deveria comunicar a Delegacia de Fiscalização de Entrada e Saída de Estrangeiros, órgão responsável por controlar a situação dos imigrantes dentro do Brasil.
Historiador e morador de Ferraz, Laércio Dart conta que, na década de 1940, a cidade já tinha uma população alemã que trabalhava na fábrica de lixas Tatu. O dono Gothard Kaesemodel Júnior trouxe diversos trabalhadores da sede em Joinville para Ferraz, que até então só era conhecida como a região onde primeiro se cultivou a Uva Itália no Brasil.
“Através da estação ferroviária, da empresa de lixas e da imobiliária Romanópolis que loteou os terrenos, Ferraz começou a crescer”
Laércio Dart, historiador de Ferraz de Vasconcelos
Com o solo fértil e uma população de língua germânica, a família Zenker que estava em Itaquera se mudou para Ferraz de Vasconcelos, construindo o casarão com estilo alemão em 1948, segundo dados da Prefeitura.
Anos depois, em 1985, o então morador de Poá, Ricardo Moraes, se mudou para a rua de baixo do castelinho (como é conhecido pela comunidade), ele conta que o povoado era cheio de ruas de terra que cercavam o casarão.
Entre os moradores existia um rumor de que o castelo era macabro. “A gente tinha muito receio de chegar perto, por conta desse tipo de situação, as mães até falavam; não vai até o castelo, não entra lá”, diz Ricardo Moraes.
As razões para esse medo não são precisas, mas podem ter relação com intolerância religiosa. Ricardo diz que por um tempo o local funcionou como uma casa de candomblé, e que conheceu o espaço durante uma celebração de Cosme e Damião. Vizinho da casa, Moacir diz que ali não havia atos religiosos, mas que as pessoas utilizavam o imóvel de atalho para chegar até uma outra residência.
“Nunca vi nada aqui não (no castelinho) eles pegavam a água de sal jogavam e iam embora. Tudo era aberto então eles passavam por aqui para ir à casa dos fundos.”
O CAMINHO DO CASTELO:
1948 – Família Zenker constrói a Vivenda Zenker. O imóvel foi vendido posteriormente para Antônio Dantas Filho.
1996 – Transterra Empreendimentos Administrações LTDA adquiriu o castelo
2000 – Local é tombado e considerado patrimônio histórico
2003 – Prefeitura assume posse do Castelo
Ricardo diz que o castelinho deveria ser um lugar de preservação da cultura municipal e que poderia fomentar histórias pouco conhecidas sobre Ferraz, vista muitas vezes apenas como uma extensão da periferia de São Paulo.
Em fevereiro de 2021, a gestão atual divulgou que iria receber R$ 1,5 milhão para a restauração do espaço, dizendo que o local poderia receber visitantes e eventos culturais, porém até agora o recebimento do valor não foi confirmado.
No final do ano passado, a prefeitura divulgou um novo valor de R$ 500 mil direcionado pelo deputado estadual Rodrigo Gambale, eleito deputado federal este ano, mas o castelo sequer foi fechado para reforma.
Moacir diz que a atual prefeita, Priscila Gambale, esteve na região durante a campanha eleitoral e prometeu melhoras. “Não quero algo chique, mas sim limpeza. O lugar poderia ser uma biblioteca com um pátio para visitas”, avalia Moacir.
A Agência Mural entrou em contato com a Secretária de Cultura de Ferraz, mas até a publicação deste texto não houve retorno.
O castelo segue abandonado.
Jornalista, fotógrafo e designer que busca dar voz para quem pouco teve. Apaixonado por histórias, fotografia, cinema, livros e adora uma dança. Curioso que só! Um pouquinho cético, ama conhecer espaços diferentes e adora ir para o litoral, de dia para ver o mar e de noite para observar as estrelas. Correspondente de Ferraz de Vasconcelos desde 2022.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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