Nas periferias de SP e da Grande SP, moradores falam sobre dificuldades no dia a dia com a quarentena para se comunicar e andar pela cidade
Arquivo Pessoal
Por: Danielle Lobato
Notícia
Publicado em 03.09.2020 | 22:47 | Alterado em 27.02.2024 | 16:22
Quando foi decretado a quarentena em São Paulo, o massoterapeuta Edmar Novaes, 56, pediu para trabalhar de casa, em alguma outra atividade, mas o pedido foi negado pelo hospital em que trabalha. Ele é cego, o que o enquadra no grupo de risco da Covid-19.
“A exposição para mim é maior, pois dependo das pessoas para me ajudar e muitas não querem fazer isso, pois têm medo”, conta Novaes.
Ele cita um ponto importante. Sem a visão, ele usa a bengala e precisa das mãos para tatear e evitar acidentes. Uma das principais formas de se proteger do coronavírus é justamente evitar o toque e lavar as mãos, para não correr o risco de levá-las aos olhos, nariz e boca.
Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida. O parágrafo único do artigo 10 diz que, em situações de risco, emergência ou estado de calamidade pública, a pessoa com deficiência será considerada vulnerável, devendo o poder público adotar medidas para sua proteção e segurança.
“Expus o artigo no serviço que está bem claro sobre a proteção aos deficientes, porém tenho que ir trabalhar”, afirma.
Edmar mora em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, com as duas filhas, esposa e a sogra, que pela idade, 85, faz parte do grupo de risco. Ele conta que a preocupação de transmissão do vírus se estende aos seus familiares. Ao chegar em casa, vai direto para o banheiro. Calçados ficam para o lado de fora e a bengala distante dos filhos.
Quem também compartilha da mesma deficiência visual é a jornalista Maria Lúcia Nascimento, 54, que reside no M’Boi Mirim, na zona sul de São Paulo. Para ela, trabalhar de casa foi permitido para não correr riscos de saúde. “Quando decretaram a quarentena, pedi para a minha chefe, expus a situação e ela autorizou”.
Há um mês, a jornalista teve que ir ao trabalho para assinar a folha de ponto, e viu de perto as dificuldades que os amigos têm relatado em tempos de pandemia.
“Para a minha surpresa, uma das saídas do metrô República está fechada. Fiquei apavorada, porque tive que mudar o trajeto e não é fácil para quem tem uma deficiência”, diz Maria. “A minha sorte é que no dia teve um funcionário para me ajudar a sair da estação, mas depois fiquei com medo de atravessar a rua e um jovem me ajudou a chegar ao trabalho”.
Antes da pandemia, Maria ia ao escritório todos os dias da semana. Gosta de estar junto das pessoas. “Mas, no momento sair é uma exposição que não quero passar”, afirma Maria.
A Agência Mural entrou em contato com a assessoria de imprensa do Metrô, para saber se houve uma redução no quadro de funcionários e qual a orientação para atender pessoas com deficiência em tempos de pandemia, mas até o momento não obteve respostas.
Na Vila Ede, zona norte de São Paulo, mora Fábio Coelho, 22. O estudante de análise de desenvolvimento de sistemas é surdo e também tem dificuldades na rotina por conta do coronavírus. Para ele, houve problemas extras para se comunicar.
“Quando eu estava trabalhando não conseguia fazer leitura labial devido a máscara. Era difícil de me comunicar porque nem todos sabem falar em Libras (Linguagem Brasileira de Sinais)”, conta.
Apesar de cumprir à risca o isolamento social e sair apenas para ir à farmácia e supermercado, Fábio conta que vai acompanhado do pai, porque assim evita situações incômodas. “As pessoas não podem tirar a máscara para se comunicar comigo, então para evitar isso, meu pai se comunica com elas”, diz Coelho.
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O fonoaudiólogo Jonathan Lúcio explica que a máscara tira a expressão facial e que, por isso, acaba se tornando um desafio para aqueles que dependem da linguagem de sinais. “Quem tem alguma perda auditiva em algum grau e não vê os lábios, sofre um prejuízo, sim, na comunicação e na compreensão.”
Jonathan explica que as expressões são fundamentais na comunicação de sinais. “As expressões faciais as acompanham essa linguagem, elas fazem parte. Então, a Libras é composta pelas mãos e pelas expressões faciais, não pela oralização, porque não se fala”, fala Lúcio.
Sobre a acessibilidade nos estabelecimentos, o fonoaudiólogo conta que as máscaras faciais com detalhe em transparência podem ajudar na hora da comunicação. Há também as faces shields – feitas de acrílico e cobrem todo o rosto. “É preciso pensar em quem vai comprar o meu produto, se meus funcionários estão adaptados para receber pessoas com deficiência no estabelecimento”.
Jornalista, sagitariana com ascendente em lanches. Mãe de pet, viajante e apaixonada pela vida. Correspondente de Itaim Paulista desde 2016.
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