Educadores da rede estadual e municipal contam como estão suas rotinas e qual a realidade do ensino à distância
Por: Redação
Notícia
Publicado em 14.05.2020 | 19:23 | Alterado em 16.12.2020 | 19:25
Depois de um período de férias, as aulas no estado e no município de São Paulo voltaram de uma forma diferente por causa do coronavírus, agora ocorrem à distância. Você já parou para pensar como estão os professores nesse momento de pandemia?
Neste episódio o “Em Quarentena” ouviu professores da rede estadual e municipal que contaram como estão suas rotinas e qual a realidade do ensino à distância em uma São Paulo tão desigual.
Quem abriu este episódio foi um professor que preferiu não se identificar. Ele atua na profissão há 20 anos, dando aulas principalmente de biologia. Ele trabalha em uma escola pública de ensino médio na zona leste de São Paulo e falou sobre a desigualdade social.
“Nesta situação em que o ensino terá que ser feito à distância, essa desigualdade, não só social, mas uma desigualdade de aprendizado pelos métodos e pela forma como o aluno aprende, tende-se a aumentar”. (ouça a partir de 00:01)
O professor comentou que a escola na qual ele leciona atende alunos de diferentes perfis. “Ela tem em parte alunos da comunidade, inclusive, de regiões de risco, chamadas favelas e cortiços. Temos uma parcela de alunos que são de classe média e também um número considerável de estrangeiros”. (a partir de 00:56)
Ele relatou que os professores estão encontrando dificuldades para lidar com o ensino à distância. “Muitos não têm a menor experiência. E os que já têm, sabem que o ensino à distância não atende ao perfil de todos os alunos”. (ouça em 01:51)
O educador apontou ainda que muitos estudantes não estão conseguindo acessar as plataformas digitais disponibilizados pelo governo, nem os aplicativos, onde deveriam acessar as atividades.
“Os que vivem numa situação de pobreza não tem como utilizar o celular da família que, às vezes, tem quatro ou cinco irmãos repartindo o mesmo celular. Irmãos que estudam em diferentes séries, ensino fundamental e médio. Como é que todos vão acessar o celular?”. (em 02:29)
O professor da zona leste contou que já tem cerca de 20 grupos no WhatsApp com alunos e a escola, tudo para tentar chegar no maior número possível de estudantes.
E compartilhou também que para aqueles alunos que não respondem o WhatsApp, a estratégia adotada tem sido perguntar para os colegas se eles sabem de alguém que não tenha conseguido acessar os comunicados ou às mídias.
“Existe uma dificuldade, sem dúvida, porque alunos que ingressaram há pouco tempo [na escola] não se enturmaram. E os pais não deixam telefone ou se deixam é um telefone que nunca atende”. (em 03:09)
Outra preocupação que o professor relatou está relacionada aos alunos imigrantes, que nem sempre dominam o português e mesmo antes da pandemia precisavam trabalhar.
“Muitos desses dormiam em sala de aula porque trabalhavam na feira da madrugada ou até tarde da noite na produção de tecelagem de roupas para poder ajudar a pagar as contas da família. Trabalhando de sol a sol. Quando eles não vão à escola, não ficam de boa em casa, eles vão para a costura”. (em 03:48)
Professores da rede municipal de ensino também estão enfrentando desafios. Maria Aparecida tem 54 anos e dá aulas na rede municipal de ensino, no Jaraguá, na zona oeste da cidade. Seus alunos são crianças de quatro anos. Ela está fazendo vídeos que estão sendo compartilhadas nas redes sociais da escola.
A educadora apontou que dentre as dificuldades do período se destacam o fato de que, em pouco tempo, precisou aprender a usar as plataformas digitais e até operar uma câmera.
“As dificuldades estão todas aí, mas as principais mesmo são o acesso à essas plataformas e gravar os vídeos, porque não é fácil. A gente vê os outros gravar e acha que é [fácil]. Mas são nessas horas que você valoriza uma cena de comercial e uma cena de novela. Porque olha, é muito difícil viu!”. (em 05:17)
Maria também reforçou que nem todos os alunos têm o mesmo acesso. “Tem criança que não tem nem computador em casa. Tem aluno que não tem nem água encanada em casa. Então por essas [coisas] a gente já vê”. (em 05:41)
Uma professora de inglês que dá aulas para crianças entre 6 e 7 anos, na zona oeste de São Paulo, concedeu uma entrevista para o podcast da Agência Mural, mas também não quis ser identificada. Para preservar sua voz, a produtora do “Em Quarentena” reproduziu exatamente suas falas.
Ela começou compartilhando que a situação não está fácil e que dos 270 alunos que ela tem, apenas 19 acessaram as plataformas onde as atividades estão disponíveis.
“A comunidade que atendemos tem alunos que moram em terrenos invadidos, alguns não têm saneamento básico. Muitos deles não sabem mexer na internet e outros não têm celular, nem computador para fazer as atividades”. (em 06:08)
A professora desabafou que a falta de valorização docente tem deixado ela bem chateada. “Tem muitos pais que fazem comentários escrotos na internet do tipo, ‘agora que eu tô dando aula para o meu filho, eu deveria receber o salário do professor’. Ouvir coisas assim, deixa a gente muito decepcionado, porque o nosso trabalho não é valorizado”. (em 06:43)
Ela ainda falou que teme que o salário e os benefícios sejam reduzidos. “Eles estão ameaçando cortar o adicional noturno de professor que dá aula à noite. […] E também estão ameaçando cortar o nosso vale refeição, mas a gente continua comendo, a gente come”. (em 07:11)
A Agência Mural questionou tanto o governo do estado como a prefeitura sobre as questões trazidas pelos professores.
O governo estadual disse que, além dos aplicativos e distribuição de kits, todos os professores receberam orientações para dar aula online. E que também está com um processo seletivo em andamento para aqueles que querem atuar no Centro de Mídias SP.
Já a prefeitura disse que o pagamento do adicional noturno está suspenso por causa do reajuste da carga horária dos professores, mas que o vale alimentação está mantido. E enviou também por correios materiais e conteúdos pedagógicos para serem feitos pelos alunos.
Ouça este bate papo completo no Em Quarentena #34: Ser professor em tempos de pandemia.
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