Por: Paulo Talarico | Amanda Atalaia | Felipe Barbosa
Notícia
Publicado em 08.08.2024 | 16:06 | Alterado em 16.08.2024 | 12:45
Das 39 cidades da Grande São Paulo, apenas três elegeram prefeitos que se declararam negros em 2020. É o que revela levantamento da Agência Mural e que mostra o desafio de políticos pretos e pardos acessarem o poder na região metropolitana de São Paulo, o que deve se repetir nas eleições 2024.
Além de poucos eleitos, o futuro deles não tem foi promissor.
Claudinho da Geladeira foi o primeiro prefeito negro em Rio Grande da Serra, mas foi cassado dois anos depois, por não ter respondido à requerimentos dos vereadores e por conta de uma denúncia de que um funcionário furou a fila da vacinação contra Covid-19.
O prefeito de Santana de Parnaíba, Marcos Tonho (Republicanos), que abriu mão de concorrer à reeleição para favorecer o padrinho político, Elvis Cezar (Republicanos), que quer ser prefeito pela terceira vez.
O prefeito de Taboão da Serra, Aprigio (Podemos), disputará a reeleição. Ele se declarou pardo nas últimas eleições, mas antes disso se declarava branco. Em 2020, se envolveu em uma polêmica com o movimento negro.
Com relação a Santana de Parnaíba e Taboão da Serra, houve avanços nesse mandato?
Cidade a 40 km da capital, Santana de Parnaíba teve a notícia em fevereiro de que o prefeito Marcos Tonho (Republicanos) não concorrerá à reeleição. Em abril foi confirmado o motivo: ele queria abrir caminho para o padrinho político, o ex-prefeito Elvis Cezar (Republicanos), político que tentará o terceiro mandato e que até hoje tem a esposa como secretária municipal.
Moradores relatam que mesmo com o primeiro prefeito negro da história, a cidade enfrenta resistência do poder público em relação às pautas étnico-raciais.
Coordenador da Casa do Samba Paraibano, João Mário Machado, 38, faz um paralelo entre a maneira como São Paulo e Parnaíba trabalham com a cultura afro-brasileira.
“Na Festa do Cururuquara, em 2022, rezamos a missa para o lado de fora, a igreja não abriu as portas”, conta João, sobre a festa realizada em 13 de maio, data da abolição da escravatura. “Esse embranquecimento está acontecendo com Quilombo-Saracura, com o bairro da Liberdade e o do Bixiga, espaços de memória preta de São Paulo, que estão sendo apagados.”
A Casa do Samba é um espaço voltado à tradição na cidade, que oferece exposições, diálogos e encontros, localizado no Centro Histórico. Apesar de completar três anos de existência em setembro deste ano, a Casa do Samba Parnaibano ainda não contou com a visita do prefeito Marcos Tonho.
João também destaca o Monumento Caminhos do Tietê, inaugurado em abril deste ano, cujo foco é homenagear os bandeirantes.
‘Transformar o centro histórico nesse lugar de hegemonia histórica bandeirista afasta a juventude, porque ninguém se sente representado’
João Mario, da Casa do Samba de Santana de Parnaíba
Para ele, se a prefeitura falasse sobre pessoas pretas, indígenas e de comunidades tradicionais, conseguiria dialogar e cita um exemplo de repressão. “A molecada da Vila Esperança desce aqui para baixo, toma três enquadros e volta pra casa, não se deixa chegar nesse território”, menciona, citando um bairro periférico.
A Câmara parnaibana conta com sete vereadores negros – 40% do total. Mas João não vê nenhum deles envolvido com a causa.
Ronaldo Novaes, 38, é morador do bairro Parque Santana. Envolvido na cultura do bairro há 15 anos, é responsável pelo coletivo Mamuts, localizado na Favela da Mina, que oferece atividades esportivas e culturais às crianças e jovens da região.
Ele conta que inicialmente realizava essas atividades no CEU das Artes, atual Estação Cidadania, que iam desde a prática do basquete e do futebol, à batalhas de rima e cinema. Porém, com o tempo, o desgaste com a Prefeitura aumentou. “Só divulgavam o nome da prefeitura, o nosso, não. Foi onde decidimos retornar para a comunidade, onde eu já morava”.
Ronaldo diz que teve mais facilidade para realizar o projeto fazendo a migração do que quando estava no espaço público. “O próprio pessoal do bairro começou a reconhecer mais”, expressa.
‘A cultura afro no município é precária. Eles investem em grandes eventos, como o drama da paixão, o automobilismo. Mas e as culturas de bairro?‘
Ronaldo Novaes, coletivo Mamuts
Ma Carrão, 24, é uma pessoa preta, não binária, moradora do bairro Cidade São Pedro e fundadora do Clube das Afeminades, coletivo que surgiu com a ideia de falar sobre diversidade e fazer com que pessoas da cidade pudessem ter um lugar de existência e conexão. “Vivemos numa cidade que tem uma resistência muito grande em ouvir a minha existência, em ouvir a minha comunidade”, diz Ma Carrão.
Ela comenta que o clube surgiu com a primeira edição do Sarau Transcender, a partir de uma resposta negativa da Prefeitura. “Escrevi um projeto para que pudéssemos realizar um evento na Casa do Samba, mas para a prefeitura, não fazia sentido falar sobre a comunidade LGBTQIAP+no espaço”.
A fundadora do clube ressalta que ainda hoje recebe diversas respostas negativas. “A estrutura governamental da cidade não tem abertura para entender que o coletivo não está vindo para afrontar. Mas, se eles não quiserem contribuir, apenas me dê um espaço para que eu faça isso para mim e para os meus”, manifesta.
Procurada, a gestão não retornou.
Em Taboão da Serra, Aprigio (Podemos) buscará a reeleição este ano. Em 2020, o político se recusou a assinar uma carta com demandas do movimento negro da cidade. O gestor também se autodeclarou branco na disputa de 2016, mas mudou para pardo desde a votação em 2018.
“A promoção da igualdade racial é uma pauta permanente na Prefeitura de Taboão da Serra, pois o Governo Municipal entende que há um longo caminho a trilhar para conquistar uma sociedade livre do racismo e preconceito”, afirmou a prefeitura da cidade de 200 mil eleitores.
Apesar disso, lideranças que vão disputar as eleições questionam essa atuação. “Não existe políticas afirmativas de combate ao racismo na cidade, enfrentamos hoje desmonte do pouco que avançamos”, afirma Dinha Souza (PSOL), assistente social que é candidata à vice-prefeita na chapa de Nil Felix (PSOL).
‘Solicitamos que fosse implementado o Comitê da Saúde da População Negra, a restruturação da Coordenadoria da Igualdade Racial, a efetivação do Conselho do Negro e da Cultura e não existiu o mínimo de interesse’
Dinha Souza, candidata a vice-prefeita em Taboão da Serra
Dinha estava presente no momento em que o prefeito se recusou a assinar o documento, pois era presidente do Coletivo de Negras e Negros. “Estávamos apresentando reivindicação legítima, lei promulgada durante a presidência dos governos Lula e Dilma, que só retrocederam em governos autoritários e truculentos.”
Ela cita que a cidade tinha até 2011 uma coordenadoria de igualdade racial atuante, com informações sobre a população, mas as informações dessa época não foram encontradas.
Entre as políticas que ela propõe está estruturar o Coopir (Coordenadoria da Igualdade Racial) e reativar o Conegro (Conselho Municipal do Negro). “É o ponto de partida, apoiar e fortalecer a Cultura e os pontos de Cultura Afro Brasileira, e articular a participação transparente nos concursos públicos”, conforme a lei federal 12.990/2014, respeita a convenção 111 e efetivar a lei 10.639/03 e 11.645/08″, ressalta.
No caso da candidata a vereadora Rubia Souza (PT), que atua no Movimento Negro Unificado de Taboão, ela afirma que muitas coisas foram cedidas pela administração municipal e que encontrou duas vezes o prefeito, que foi favorável a algumas propostas que ela apresentou.
No entanto, ela aponta que ainda falta avançar em políticas públicas e sofreu mais resistências em outros segmentos, como a Câmara Municipal. A ativista chegou a propor um projeto de lei de conscientização da saúde da população negra.
O projeto, contudo, não avançou no legislativo, bem como a Semana da Mulher Negra. Como não tem mandato, ela tentou intermediar as ações com outros parlamentares.
“Uma realização que eu não consegui foi fazer um trabalho dentro da Igualdade racial, eu me ofereci muitas vezes para fazer”.
Ela cita que uma das dificuldades é obter dados sobre a população negra do município.
‘A impressão que dá é que assim que eles não querem que saiba justamente para não mexer na ferida. Se souberem que a maioria da população é negra, eles têm que trabalhar em cima disso’
Rubia Souza, candidata a vereadora pelo PT
A gestão Aprigio afirma ter adotado ações afirmativas como eventos como o Julho das Pretas, Onirá Fest, Festa Preta, Feira de Cultura Taboafro, além de manter ativa a Cepir (Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial).
Em nota enviada à Agência Mural, diz que houve aproximação do poder público com povos tradicionais dos terreiros de matrizes africanas, promovendo encontros e apoio à liberdade de culto e que apoia coletivos e entidades como Taboafro, Manas Pretas e Movimento Negro Unificado.
Citou ainda o apoio a artistas negros, a homenagem a artista negra Tula Pilar e a realização de campanhas em redes sociais e cartazes voltados ao combate ao racismo e intolerância religiosa.
Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.
Graduanda em Jornalismo, acredita no poder da comunicação, da educação e da cultura. Canceriana apaixonada por pets, leitura e domingos de sol. Correspondente de Santana de Parnaíba desde 2023.
Jornalista e social media, motivado por boas histórias e ideias. Jovem de espírito sonhador, com um pé na área cultural. Correspondente de Embu das Artes desde 2023
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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