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Prefeitura de SP suspende verba para programa de alfabetização, e educadores vivem dificuldades

Criado por Paulo Freire, Mova (Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos) atende 11 mil alunos; gestão diz que suspensão é por causa da pandemia

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Lucas Rodrigues/Agência Mural

Por: Lucas Rodrigues

Notícia

Publicado em 16.06.2020 | 9:27 | Alterado em 16.06.2020 | 23:36

RESUMO

Criado por Paulo Freire, Mova (Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos) atende 11 mil alunos; gestão diz que suspensão é por causa da pandemia

Tempo de leitura: 4 min(s)

Criado em 1989 pelo educador Paulo Freire, o Mova (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos) tem sofrido dificuldades para manter as aulas para alunos das periferias da capital. 

O programa de alfabetização atende 11.714 alunos e funciona por meio de uma parceria entre organizações sociais e a Secretaria Municipal de Educação. Desde o dia 16 de abril, os repasses foram suspensos pela prefeitura. Segundo o órgão, a medida valerá até o retorno das aulas presenciais.

Apesar da suspensão, várias instituições e docentes continuaram com as atividades de forma virtual. “Vamos continuar dando assistência para esses educandos. Nossa comunidade necessita desse projeto”, diz a professora Cristina Lopes da Silva, 46, que trabalha na UPM (União Popular de Mulheres), localizada no Jardim Maria Sampaio, zona sul, há três anos.

As atividades, conta Cristina, são enviadas aos alunos por meio de aplicativos de mensagens. Além disso, as docentes da instituição criaram grupos no WhatsApp com os alunos de cada uma das cinco turmas da UPM. Quando necessário, familiares dos estudantes vão até a unidade retirar os exercícios. 

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Aula na União Popular de Mulheres, na zona sul de São Paulo @Arquivo Pessoal

Iraíde Bezerra de Oliveira, 49, leciona nos bairros Cidade Patriarca e Vila Nhocuné, zona leste, e também decidiu continuar.

“Nossa estratégia é no Whatsapp. As atividades são feitas por chamada de vídeo, escrita, leitura e áudios interativos – simulando uma roda de conversa virtual, como já era de costume na sala de aula”, explica. 

Além do conteúdo, os docentes afirmam que seguir com as aulas é uma forma de apoio. O professor José Eduardo Santos, 56, leciona no Conselho Comunitário Curuçá Grande Leste, na zona leste.

“Sei que o pouco que consigo fazer de casa é de muita valia para os educandos. Eles agradecem demais e não se sentem abandonados”, conta. O educador aproveitou o contato pela internet para alertar os alunos sobre os cuidados acerca da Covid-19

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Antes da pandemia, o Mova estava espalhado em 562 salas espalhadas pela capital. Maria Rita Gomes de Lima Almeida, 58, dona de casa, é uma das alunas. Ela estuda na UPM há dois anos e, quando entrou, não sabia ler nem escrever.

“Não sabia preencher nada. Não sabia nem mesmo assinar meu nome. Hoje eu sei mexer em minha conta corrente, tirar meu dinheiro, sei fazer tudo”, conta.

Maria Rita revela que tinha dificuldades para realizar tarefas simples como pegar ônibus e usar uma conta bancária. “Teve uma hora que eu falei: chega. Tenho que aprender”.

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Adalgisa Eurico da Silva segurando os livros que já leu depois de aprender a ler @Arquivo Pessoal

A aposentada Adalgisa Rodrigues da Silva, 88, mora em São Miguel Paulista e estuda no IPGG (Instituto Paulista de Geriatria e Gerontologia). Ela revela que, no início, teve medo de estudar. “Senti medo no começo porque eu nunca fiz isso. Depois eu fui aprendendo. Não tenho dificuldade de aprender”, conta.

Depois de alfabetizada, Adalgisa se encontrou na leitura. Em apenas seis meses leu “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, “Dom Casmurro” de Machado de Assis e “A escrava Isaura” de Bernardo Guimarães. 

“Gosto muito de ler, de exercitar, né? Então, é isso que eu faço”, diz ela que gosta também de ler a Bíblia e palavras cruzadas. “Estou sempre movimentando meu cérebro”.

SUSPENSÃO

Com a pandemia, houve a suspensão no orçamento destinado aos 400 professores que atuam no projeto na capital. Do valor repassado pela prefeitura para as instituições, 88% é usado para pagar os professores que, segundo o órgão, ganham em média R$ 1.100 O valor é usado também para pagar os demais funcionários que atuam no projeto. 

Procurada, a Secretaria Municipal de Educação afirma que os valores são pagos para “deslocamentos e alimentação dos profissionais que trabalham no Mova” e que, devido o período de isolamento social, não há necessidade deles se deslocarem até às unidades de ensino, uma vez que as aulas presenciais estão suspensas. 

“Com o afastamento social imposto por motivos de saúde pública, juridicamente, a Secretaria Municipal de Educação fica impedida de realizar esse repasse para atividades que não estejam acontecendo”.

Os outros 12% são para a aquisição de materiais pedagógicos, de limpeza e demais despesas da instituição com o programa.

A gestão também afirma que não houve repasses para organizações que mantém voluntários. “Esclarecemos que para as Organizações que comprovaram vínculo empregatício de seus colaboradores mantivemos o repasse para o quadro de recursos humanos, mesmo com a interrupção da prestação de serviços”, afirma.

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Maria Rita Gomes de Lima Almeida confere as atividades da nova apostila @Lucas Rodrigues/Agência Mural

No entanto, esse recurso corresponde a principal renda de vários educadores. Eles são, na maioria, moradores da própria comunidade e atuam exclusivamente no projeto. “A nossa situação é bem delicada, pois a maioria dos educadores tem essa verba do convênio Mova com a Prefeitura, como a única fonte de renda para sobreviver”, resume Iraíde. 

Ela afirma, ainda, que fez o cadastro no ‘Auxílio Emergencial’ do governo federal, mas que o processo “está burocrático”. “Muitos educadores não receberam ainda nem a primeira parcela”, revela.

“Fica difícil até a comunicação com os educandos porque temos que pagar os pacotes de Internet”, diz Para Iraci Ferreira Leite, integrante da Comissão Organizadora do Fórum Municipal Mova SP. “Aqueles que  só tem o Mova estão numa situação difícil e contam com a solidariedade de parentes e amigos”.

“Exatamente por estarmos na pandemia que nosso trabalho é essencial para os mais vulneráveis. A eles levamos orientações, informações seguras e atividades pedagógicas para que continuem e não percam o vínculo e estímulo para continuar” – Iracir Ferreira Leite.

*Texto alterado às 17h36  de 16 de junho para corrigir o nome de Adalgiza Rodrigues da Silva e de Iraci Ferreira Leite. O número de salas atendidas pelo Mova é de 562 e não 552 como publicado inicialmente.

*Texto alterado às 23h de 16 de junho para colocar complemento da nota da Secretaria Municipal de Educação. 

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Lucas Rodrigues

Jornalista apaixonado por jornalismo de dados e pela LAI. Correspondente do Jardim Rosana desde 2019.

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